Niterói, uma das cinco cidades que fazem parte do experimento, vê redução de 70%
Por Luiz Fernando Figliagi — De São Paulo
07/03/2024 05h00 Atualizado há 10 horasPresentear matéria
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Combater a dengue espalhando mais mosquitos Aedes aegypti. Essa é a lógica por trás de um projeto que tem reduzido o contágio em partes do país. A diferença é que os mosquitos espalhados contêm a bactéria Wolbachia, que impede a transmissão da doença. Em Niterói, na região metropolitana do Rio, onde o estudo foi implantado em 2015, houve diminuição de 70% nos casos de dengue e de 60% nos de chikungunya.
O projeto, também chamado Wolbachia, é do World Mosquito Program (WMP), começou em 2012 no Brasil e tem parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Ministério da Saúde e governos locais. Cinco cidades do país recebem o Wolbachia: Rio de Janeiro, Niterói, Belo Horizonte, Campo Grande e Petrolina (PE).
A bactéria ajuda a inibir o vírus da dengue e fica na célula do inseto. Quem é picado pelo Aedes com Wolbachia não é afetado pela bactéria. A Wolbachia também impede o contágio por zika, chikungunya e febre amarela.
O pesquisador da Fiocruz Luciano Moreira é líder do WMP no Brasil e explica que para o projeto funcionar é preciso tempo e apoio, pois a aplicação é feita em etapas. Um dos casos de sucesso está em Niterói. A cidade registrou em 2023 apenas 55 casos da doença, mas, com a aceleração da doença em todo o país neste ano já são 544 casos prováveis.
Na cidade do Rio de Janeiro, 29 bairros receberam os insetos modificados em 2015. O programa começou pela Ilha do Governador. Segundo a prefeitura, a região teve 122 casos de dengue confirmados em 2023 e 1.207 este ano, até esta quarta-feira, 6.
O que explica a diferença dentro do mesmo Estado é a dificuldade do programa em acessar determinadas áreas. “Ali na região norte do município estão os grandes complexos de comunidade de difícil acesso. Tivemos vários problemas durante a implementação e o estabelecimento do Wolbachia não foi tão eficaz ou tão perfeito como em Niterói”, diz Moreira.
A região que recebeu aplicação no Rio foi de uma área de 95 km2, atingindo diretamente 960 mil pessoas. Em Niterói, em um raio de 339 km2 (a cidade toda), 520 mil pessoas são contempladas.
A Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro afirma que não tem parceria com a WMP e que não há como mensurar o impacto dele no município. Mais de 52 mil pessoas foram infectadas por dengue em 2024 na capital fluminense. No Estado, o número passa de 92 mil casos prováveis.
Em Belo Horizonte, a aplicação do Wolbachia ocorreu em manchas da cidade (áreas densamente povoadas), diz Moreira. A cidade recebeu 20% do projeto dividido em três tipos de ações: um piloto em três áreas da cidade; o estudo randomizado controlado que foi colocado em conjuntos de nove regiões; e a terceira parte na fase de expansão do método que ocorreu em seis regionais, concluída no fim do ano passado. As liberações na região de Venda Nova ocorreram entre outubro de 2020 e janeiro de 2021 e a expansão que representa a segunda etapa, começou em outubro de 2022.
“Em Belo Horizonte fazemos um estudo clínico, não é na cidade toda”, destaca. Em 2020, quando começou na capital mineira, foram 5.082 confirmações da doença. Esse número diminui em 2021 e 2022, indo para 1.073 e 1.282, respectivamente.
Em 2023 hove um salto de 900% nos casos: 13.369. Em 2024, são 9.959 infectados até esta quarta-feira. A Secretaria de Saúde de Belo Horizonte ressalta que a soltura dos mosquitos foi iniciada em 2020 e “que, por enquanto, a situação é monitorada”.
Para Campo Grande, o trabalho de soltura acabou em dezembro. Segundo dados da Secretaria de Saúde, a capital de Mato Grosso do Sul registrou em 2020, ano de início do Wolbachia no município, 13.284 casos. Em 2021 foram 531 e, em 2022, 8.436 casos confirmados.
Quem é picado pelo Aedes com a bactéria não é afetado, não tem dengue, zika, chikungunya ou febre-amarela
Em 2023, 12.082 pessoas tiveram dengue na cidade. Em 2024, são 458 confirmações. A Secretaria de Saúde não quis se manifestar. Disse que “informações a respeito do método Wolbachia devem ser solicitadas” ao WMP Brasil”.
“Em Petrolina, as liberações de mosquitos com a Wolbachia foram concluídas no fim do ano passado e, no momento, o projeto está fazendo um monitoramento epidemiológico. A partir do término das liberações, em cerca dois anos será possível visualizar os resultados”, diz a Secretaria de Saúde.
Em 2020, foram 2.326 casos, em 2021 (69), 2022 (128), 2023 (29) e em 2024, a cidade apresentou apenas dois casos. Assim como Campo Grande e Niterói, Petrolina recebeu 100% da aplicação.
O primeiro mosquito a receber a bactéria Wolbachia foi uma fêmea na Austrália por volta de 2008 e 2009. O país foi pioneiro na atuação do WMP, em 2011. A bactéria é encontrada naturalmente em cerca de 50% de todas as espécies de insetos, mas não era vista no mosquito que transmite a dengue.
“Ela foi transferida para o Aedes e descobrimos que, quando está presente nele, ocorre o bloqueio do vírus que transmite a dengue na célula”, diz Moreira.
A transmissão é feita pelas fêmeas a todos os seus descendentes e, segundo Moreira, quando ela coloca seus ovos, as larvas já nascem com a Wolbachia.
“Na Indonésia, foi visto mais de 77% de redução de casos e 86% menos hospitalizações por conta da dengue”, revela Moreira. O país é um dos 14 que receberam o Wolbachia, incluindo o Brasil.
O maior destaque na aplicação do Wolbachia está em Niterói. Para Raissa Vieira, que é agente de saúde na cidade na Comunidade Atalaia, o Wolbachia desafoga o sistema público de saúde.
“Eles soltaram os mosquitos lá na comunidade que moro e trabalho, e lá no Médico da Família a gente não tem tido casos de dengue e, pelo que tenho visto, em Nitéroi também não tem tido tantos casos igual nas outras cidades.”
Segundo a agente de saúde que mora no Atalaia, as pessoas acharam estranho no começo, mas após instrução da Fiocruz, que distribuiu material educativo, houve uma tranquilidade.
“A gente primeiro conversou com a população. Explicamos que era um mosquitinho do bem. Imagina chegar um monte de gente soltando mosquito e você não entender nada, não saber do que se trata. Então a gente alertou e educou a população antes deles soltarem”, revela.
Conforme o pesquisador da Fiocruz e líder do projeto no Brasil, Luciano Moreira, o processo de transferência da Wolbachia para o Aedes não teve modificação ou manipulação genética alguma.
“Desde que a gente nasce somos picados por pernilongos, aqueles que fazem barulho à noite em casa, eles já têm a Wolbachia. Importante colocar que a bactéria é intracelular, ela não vive fora da célula e, quando o mosquito pica uma pessoa, a Wolbachia não é passada para ela”, esclarece.
Agora, segundo Moreira, a intenção é expandir o projeto. Eles esperam atingir 70 milhões de pessoas no Brasil nos próximos dez anos. As próximas cidades a receber o Wolbachia serão Joinville (SC), Foz do Iguaçu (PR), Londrina (PR), Presidente Prudente (SP), Uberlândia (MG) e Natal (RN). Moreira explica que um estudo do Ministério da Saúde revela que esses locais tiveram alta incidência nos últimos anos.
“São municípios que antigamente não tinham tantos casos, mas com toda a expansão do distrito, aumento de temperatura, a gente consegue ver a doença se espalhando e o vírus crescendo”, destaca Moreira.
Para alcançar esses números, a Fiocruz e o WMP pretendem criar uma biofábrica no Brasil para criar insetos já com a bactéria. “Ela será capaz de produzir 100 milhões de ovos semanalmente”, diz.
Fonte: Valor Econômico