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Diante de um ciclo de aperto da política monetária que está próximo do fim, com apenas mais uma alta na Selic pela frente, uma janela de oportunidade para os mercados brasileiros está aberta até um pouco antes do fim do ano. É o que avalia em entrevista ao Valor a economista-chefe para Brasil do Morgan Stanley, Ana Madeira. Para ela, o próximo ciclo eleitoral deve começar a entrar nos preços dos ativos domésticos no fim do ano, algo que costuma ser um ponto de estresse para os mercados locais.
Com passagens por Bank of America e HSBC, Madeira projeta uma desaceleração da economia brasileira ao projetar um crescimento de 2%, que pode estar mais inclinado para cima. Em sua primeira entrevista desde que chegou ao banco, ela nota que isso também aponta para um viés de alta em sua projeção de inflação de 3,5% no próximo ano, enquanto a Selic só começaria a ser reduzida no segundo trimestre de 2026.
Valor: O que achou do resultado da última reunião do Copom?
Ana Madeira: Veio em linha com a expectativa. A gente estava na ponta um pouco mais “hawk” [conservadora] do que a mediana do mercado, com uma Selic ao fim do ciclo de 15,75%, por causa, sobretudo, da desancoragem das expectativas, mas também de uma atividade ainda resiliente. A atividade está desacelerando, mas vejo que estamos indo mais para um “soft landing” [pouso suave] do que outra coisa. Só que, depois de janeiro, teve uma ‘volta’ do câmbio e o sentimento extremamente negativo [do mercado em relação ao Brasil] deu uma acalmada. O cenário externo também acabou colocando o Brasil em uma posição um pouco mais protegida no que diz respeito à política tarifária dos EUA. Com tudo isso e também com as comunicações do BC, começou a nos dar a sensação de que, talvez, ele não fosse levar a Selic até depois dos 15%. Achamos que o comunicado pode ter sido um pouco mais “hawk” em relação ao que o mercado esperava, no sentido de que vários agentes previam que o BC não desse nenhum tipo de “forward guidance” [prescrição futura]. Se ele tivesse deixado tudo em aberto, a nossa percepção é que o mercado ia “pular” nessa oportunidade e falar que [o ciclo de alta da Selic] acabou. Então, usamos essa oportunidade para ajustar um pouco para baixo a nossa projeção de juros.
Valor: Qual é a nova projeção?
Madeira: Esperamos agora só mais uma alta de 0,5 ponto percentual. Ele pode dar mais alguma coisa depois? Pode, ainda é um risco, mas não é mais o cenário-base. Seria algo residual. O ponto é que estamos próximos do fim do ciclo.
Valor: As expectativas continuam desancoradas e mesmo a projeção do BC para o horizonte relevante cedeu pouco, de 4% para 3,9%, ainda muito distante da meta. Isso não deveria prolongar o ciclo?
Madeira: Quando olhamos o modelo, sim. Seria preciso um pouco mais de juros para conseguir levar a inflação para 3%. Mas, com a parte do comunicado em que eles comentam que é preciso colocar na balança os efeitos desfasados da política monetária, achamos que essa estratégia vai pesar mais.
Valor: Como assim?
Madeira: Entre a estratégia de elevar mais os juros neste momento ou, de repente, ficar “on hold” [com a Selic parada] por mais tempo, achamos que o BC está mais em linha com a segunda, de deixar os juros mais altos por mais tempo.
Valor: E é adequada?
Madeira: É uma das estratégias que ele pode usar. Tanto que temos o começo dos cortes só no segundo trimestre do ano que vem.
Valor: Ficaria um bom tempo com a Selic parada em 14,75%…
Madeira: De fato. A nossa sensação de conversa com investidores é que a janela de oportunidade para o BC começar a cortar pode ser até antes do fim deste ano. Nós estamos dando um período um pouco mais longo.
Valor: Realmente, temos visto alguns agentes no mercado ajustando as expectativas para ter espaço de corte já no fim de 2025…
Madeira: Não é nosso cenário-base. Achamos que pode haver um aumento de ruído, por causa da aproximação da eleição, no fim deste ano e no início do ano que vem. E esse ruído vai tornar a janela para o BC começar os cortes mais complicada. Por isso, achamos que eles vão ter de esperar um pouco mais para começar esse ciclo.
Valor: Uma novidade do último Copom foi a menção a sinais incipientes de moderação no crescimento econômico. Como vocês têm interpretado esses dados?
Madeira: É o grande tópico. Teve um movimento do foco se afastando da inflação e indo mais para o crescimento, não porque a gente acha que a inflação deixou de ter tanto peso para o BC, mas simplesmente porque não temos tido surpresas na inflação, nem para cima, nem para baixo. E o que está surpreendendo um pouco mais? A atividade. Estamos um pouco mais construtivos. Temos uma desaceleração [do PIB] para 2% este ano, mas, se nós só pudéssemos escolher 2,5% ou 1,5%, o balanço de riscos estaria mais para cima do que para baixo, na nossa visão.
Valor: O consenso parece mirar mais 1,5% neste momento…
Madeira: De fato, mas o primeiro ponto é que nós achamos que, em uma questão mais estrutural, muitas das reformas feitas desde 2016 e 2017 ainda estão mostrando seu efeito na resiliência do crescimento. O segundo ponto é que teve um salto muito grande nas transferências, que, basicamente, são programas sociais. Os programas sociais representavam 20%, mais ou menos, do salário mínimo antes da pandemia. Hoje, representam 50%. Tudo isso está colocando um piso para quanto o consumo privado pode desacelerar. Além disso, vemos algumas medidas indo na linha de mais consumo, como o uso do FGTS e o crédito consignado privado. Quando eu olho para vários desses fatores, tenho uma sensação de que o conjunto está todo apontando [a economia] para cima. Os dados que estão mostrando desaceleração são indicadores mais antecedentes; os coincidentes, na verdade, continuam mostrando resiliência, ou, quando muito, resultados mistos. Na nossa visão, a desaceleração vai ficar um pouco mais evidente só no segundo semestre.
Valor: Há alguma chance de queda das expectativas de inflação?
Madeira: Se tivermos uma queda da atividade mais profunda, podemos começar a ver.
Valor: Vocês ajustaram a projeção de Selic, mas não mexeram na inflação de 5,6% neste ano e de 3,5% em 2026. Se o cenário é de uma Selic menor e o viés do PIB é para cima, não implicaria um IPCA mais alto?
Madeira: Os riscos estão se movendo para nós, eventualmente, termos uma inflação mais alta no ano que vem e, inclusive, um PIB mais alto em ano eleitoral.
Valor: Por que estaria acontecendo um cenário mais tranquilo do mercado em relação ao fiscal, como mencionou?
Madeira: No ano passado, teve um estresse muito grande no mercado, que já “abraçou” bastante notícia negativa do lado do fiscal. Agora, como a gente não está tendo notícia adicional – simplesmente, o governo está cumprindo o que anunciou -, o mercado está ficando um pouco mais calmo.
Valor: Vê continuidade disso?
Madeira: Achamos que tem uma janela de oportunidade até um pouco antes do ano terminar.
Valor: Em relação ao comportamento dos ativos brasileiros?
Madeira: Isso. Pensando que o ciclo eleitoral em si não começou ainda, o que é um ponto de estresse para o mercado, e que, normalmente, esse ciclo começa mais para o fim do ano, e pensando também que, na agenda econômica do governo para 2025, tem, a princípio, a discussão da isenção do Imposto de Renda com as medidas compensatórias e, é isso, parece que, aos níveis de hoje, tem uma janela de oportunidade de calmaria.
Valor: O ciclo eleitoral tradicional pode não ter começado, mas parece que os agentes estão começando a colocar alguma discussão sobre isso e a chance de troca de governo no preço, com reflexos positivos, principalmente, na bolsa. Isso já começa a entrar no cenário de vocês?
Madeira: Está muito cedo ainda. Esse cenário nos parece muito volátil e muito complicado de trazer para a modelagem no momento.
Valor: Não há um risco de, diante da aproximação do ciclo eleitoral, novas medidas fiscais surgirem por parte do governo?
Madeira: Em ano de eleição, vemos, normalmente, uma tendência de mais gastos. E não esperamos que nesta vá ser diferente.
Valor: Isso não pode ser antecipado para este ano?
Madeira: Parece que o “timing” é importante. O que aconteceu com os anúncios do governo no fim do ano passado evidenciou bem o fato de que pode ter uma reação forte vinda do mercado se algo desse tipo for feito muito antes do ciclo eleitoral. Por isso, achamos que uma antecipação para este ano, muito cedo, fica menos provável. O governo já está fazendo bastante coisa. Para nós, parece que ele vai querer ver o efeito dessas medidas antes de eventualmente pensar em novas. Estou pensando, por exemplo, na isenção do IR, em medidas de crédito, mas, além disso, vamos ver um BC perto de terminar o ciclo de alta e vamos entrar, provavelmente, em uma sazonalidade um pouco melhor para a inflação de alimentos por causa da safra. Tem várias coisas que o governo pode usar como, digamos, bandeira antes de começar a pensar em outras medidas. Por isso, acho que antecipar muito não tem tanto incentivo.
Fonte: Valor Econômico