Apesar de o ciclo de redução de juros já ter começado em vários países da América Latina, a Moody’s prevê um 2024 ainda com custos de financiamento elevados para os governos na região. Segundo a agência de classificação de risco, “a perspectiva para a qualidade do perfil de crédito da América Latina em 2024 é estável diante dos custos elevados da dívida”.
A Moody’s divulgou ontem o relatório “Sovereigns – Latin America & Caribbean: 2024 Outlook” no qual faz uma análise e um compilado dos principais fatores que os países das duas regiões vão enfrentar ao longo deste ano. Conforme a agência, ainda que a América Latina mostre uma relativa estabilidade no endividamento e tenha taxas de crescimento econômico moderadas, “os custos de financiamento dos soberanos permanecerão amplamente elevados, o que afeta a capacidade de pagamento da dívida e exacerba as restrições fiscais”.
A Moody’s enxerga o crescimento regional pressionado, sobretudo, pela desaceleração econômica nos EUA e na China e pelo aperto das condições financeiras globais. O crescimento econômico moderado, que a agência estima em 2,5% para a América Latina em 2024, contribui para a estabilidade das métricas de dívida.
Ainda que muitos bancos centrais estejam em processo de flexibilização monetária, a agência acredita em uma desaceleração da atividade ao longo do ano para alguns países, incluindo o Brasil. “Esperamos que o crescimento diminua em algumas economias da América Latina em 2024 devido ao aperto monetário passado e à desaceleração da demanda global, mas acelerará em outros países da região. O crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) latino-americano terá pouca alteração e ficará perto de 2,5% em 2024.”
Para a Moody’s, o crescimento econômico estável limitará o aumento da receita e restringirá as escolhas de política fiscal. “No entanto, o crescimento ainda contribuirá para uma dívida amplamente estável na maior parte dos soberanos”, acrescenta.
A agência também chama a atenção para a falta de reformas fiscais, de rigor na execução das despesas e para o crescimento moderado da receita, que “limitarão as perspectivas de uma melhora das contas do governo”. Segundo os especialistas, “uma grande parte da receita pública continua a ser direcionada para os gastos obrigatórios e não prevemos uma repetição do forte desempenho da receita observado em 2021 e 2022 e, em conjunto com as contínuas pressões para expandir os gastos sociais, esses desdobramentos restringirão a flexibilidade fiscal”.
A Moody’s afirma esperar que “o crescimento econômico diminua nas maiores economias da América Latina — Brasil (Ba2 estável) e México, (Baa2 estável) — em 2024, devido ao efeito retardado do aperto da política monetária e à esperada desaceleração da economia dos Estados Unidos (Aaa negativa) e da China (A1 negativa)”. A agência prevê crescimento de 2% para o Brasil em 2024.
Conforme o relatório, as desacelerações previstas nos EUA e na China repercutirão no crescimento do PIB regional por meio de um enfraquecimento da demanda externa. Os analistas da Moody’s apontam o México e países da América Central como os mais expostos a um enfraquecimento da economia americana. Já a desaceleração da demanda chinesa atinge preços e os exportadores de commodities, particularmente no Chile (A2 estável) e Peru, (Baa1 negativa). A agência, porém, enxerga efeitos limitados para Brasil, Uruguai (Baa2, positiva) e Paraguai (Ba1, positiva), “porque suas exportações estão concentradas em produtos agrícolas”.
A Moody’s também comenta os efeitos da transição energética global sobre os países da região. Segundo a agência, “prevemos que uma mudança para a produção de energia renovável e outras energias verdes beneficiará alguns soberanos da região”.
De acordo com o relatório, o Brasil já ocupa a posição de liderança no setor, com 88% da produção energética de fontes renováveis. Além disso, “Argentina, Brasil, Bolívia, Chile e Peru são importantes produtores de minerais essenciais, entre eles, o cobre, níquel, lítio e terras raras — matérias-primas necessárias para a produção de baterias e painéis solares. O Brasil e o Paraguai têm uma produção abundante de energia limpa e, portanto, podem explorar essa vantagem comparativa e atrair novos investimentos.”
No médio prazo, continua a Moody’s, os investimentos relacionados à transição energética e à atração de investimento estrangeiro direto (IED) para setores produtivos que se beneficiam do fornecimento de energia limpa da região serão um fator positivo para a economia latino-americana.
Sobre as condições de endividamento, a Moody’s aponta que “a capacidade de pagamento da dívida diminuiu para a maior parte dos soberanos desde 2019”. O índice médio de pagamentos de juros em relação à receita receita ficou em torno de 10,8% em 2019, mas a agência estima que a taxa vá atingir 12,4% em 2024.
“Alguns países se destacam por registrar uma deterioração relevante da capacidade de pagamento da dívida devido ao aumento dos níveis da dívida e/ou custos elevados de empréstimos, por exemplo, Bahamas (B1 estável), Bolívia (B1 estável), México, Panamá e Paraguai”, diz a agência. “Em 2024 e nos anos seguintes, os elevados pagamentos de juros restringirão a flexibilidade fiscal, o que dificultará as respostas dos formuladores de políticas públicas aos choques econômicos e financeiros e às demandas por um aumento dos gastos sociais.”
O relatório também prevê que “a queda dos diferenciais das taxas de juros entre os EUA e a América Latina, juntamente com as perspectivas de depreciação da moeda local, reduzirão a atratividade da dívida interna para os investidores estrangeiros, o que resultará em um enfraquecimento do fluxo de entradas e afetará negativamente os custos de financiamento soberano”.
A Moody’s espera ainda que ocorra redução limitada dos déficits fiscais na maior parte dos países da região em 2024. “O valor médio dos resultados fiscais primários em relação ao PIB diminuirá em cerca de 0,2 ponto percentual e os resultados gerais cairão para um déficit médio de 2,5% do PIB neste ano, de 3,1% do PIB em 2023. Essa consolidação fiscal favorecerá uma ampla estabilização dos índices de dívida, e a dívida pública média/PIB permanecerá em torno de 57% em 2024.”
No entanto, continua a agência, “não prevemos que o crescimento da receita observado em 2021-2023 se repita em 2024 e, consequentemente, esperamos que os índices de receita em relação ao PIB se estabilizem em níveis semelhantes aos do ano passado”.
Do lado das despesas, o aumento dos gastos sociais em anos anteriores e as demandas públicas pela expansão das redes de previdência social limitarão a capacidade dos governos de reduzir os orçamentos, diz o relatório. “Para vários soberanos, a consolidação fiscal não será suficiente para estabilizar os encargos da dívida nos próximos dois a três anos, inclusive no Brasil, México e Chile”, acrescenta.
De um modo geral, as estruturas de gastos rígidas, custos elevados dos empréstimos e crescimento limitado da receita diminuirão as perspectivas de consolidação fiscal para a maior parte dos governos. “A maioria dos soberanos, entre eles o Brasil, Colômbia, Costa Rica e México, tem estruturas de gastos altamente rígidas, o que limita a capacidade do governo de cortar gastos e alcançar a consolidação fiscal necessária para estabilizar os encargos da dívida”, afirma a Moody’s.
“Esperamos que os encargos da dívida no Brasil, México e Chile aumentem de dois a três pontos porcentuais do PIB à medida que os soberanos registram déficits primários”, avalia a agência. “Medidas de consolidação fiscal seriam necessárias para melhorar os resultados fiscais e estabilizar os encargos da dívida”, complementa.
Fonte: Valor Econômico