Por Financial Times
30/08/2022 05h02 Atualizado há 7 horas
O modelo de crescimento chinês alimentado pelo setor imobiliário, que impulsionou a economia mundial por pelo menos 20 anos, dá impressão cada vez maior de ter se esgotado. Consertá-lo – ou encontrar algum motor alternativo para a segunda maior economia do mundo – pode levar muitos anos. É por isso que são tão cruciais as escolhas com as quais as autoridades em Pequim se deparam agora.
A tarefa exige uma percepção altamente aguçada do que saiu errado. Em certo aspecto, a questão é simples: o maior ciclo de construção de imóveis residenciais na história humana chegou ao fim e agora está se tornando uma depressão. Já sob um aspecto mais profundo, análises revelam um problema mais espinhoso no cerne da economia política chinesa.
Os governos locais, que financiaram seus investimento em grande parte vendendo terrenos para incorporadoras imobiliárias, vêm encontrando dificuldade para pagar o principal e os juros das gigantescas dívidas acumuladas. Isso se dá em grande medida porque as incorporadoras agora dispõem de pouco dinheiro ou não têm muito interesse em comprar terrenos. Quase 20 incorporadoras atravessam dificuldades financeiras tão complicadas que deixaram de honrar dívidas no mercado chinês neste ano.
Essa dinâmica causa um efeito dominó. Os veículos de financiamento dos governos locais – milhares de fundos sem muita regulamentação pertencentes a governos municipais pelo país – estão sobrecarregados com dívidas “ocultas”, que o Goldman Sachs estima num total de 53 trilhões de yuans (US$ 8,2 trilhões) – o equivalente a 52% do Produto Interno Bruto (PIB) chinês – segundo números relativos ao fim de 2020. Pequim vem ordenando aos governos locais que limpem esse passivo captado “fora da contabilidade oficial” – o que obriga esses veículos de financiamento a agir com mais cautela.
O resultado é que o investimento em ativos fixos (IAF), que financia a construção em áreas urbanas e de estradas, ferrovias, portos e inúmeras outras obras de infraestrutura, caiu de forma drástica em 2022, privando a economia de um de seus principais motores. De janeiro a julho de 2022, o IAF cresceu apenas 5,7% – em comparação ao aumento médio de 17,87% entre 1996 e 2022.
Portanto, o problema que tem pela frente a China, que vem destinando apenas fundos modestos para aliviar o sofrimento do setor imobiliário, é gritante. Se o motor de crescimento que tanto contribuiu para a prosperidade mundial agora está emperrado por dívidas, o que poderia substituí-lo – se é que algo poderia?
Há uma resposta óbvia. A China precisa reorientar os fundamentos de sua economia para que deixe de depender tanto do investimento e passe a depender mais dos gastos dos consumidores. O consumo privado representou 38,5% do PIB nominal, segundo números do fim de 2021 – uma proporção muito inferior à observada nos EUA ou na União Europeia.
Isso significa que nos próximos anos, à medida que Pequim procura uma saída para os problemas das dívidas dos governos locais, não poderá contar com o consumo das famílias como novo motor de crescimento. O país precisa criar uma economia na qual os salários subam com força e na qual mercados financeiros bem regulados e em boa forma tragam retornos sólidos de longo prazo para o dinheiro poupado.
Além disso, Pequim precisa recordar que boa parte do extraordinário progresso econômico dos últimos 40 anos decorreu do dinamismo do setor privado. Nos últimos anos, contudo, a derrocada de Jack Ma, fundador do Alibaba, e a perda de força de várias empresas tecnológicas líderes, de capital privado, convenceram muitos especialistas de que Pequim moderou seu apoio à iniciativa privada.
A reorientação necessária para incentivar o consumo e o setor privado também exigirá uma mudança de mentalidade contraintuitiva. Governos autoritários preferem motores econômicos que possam controlar. A mobilização da oferta por meio de planos de investimento grandiosos mantém os partidos governantes no controle. Recorrer ao gosto mais democrático dos consumidores, não.
Pequim deveria preparar-se para uma longa e difícil transformação econômica que não tem mais como evitar. E o mundo deve se preparar para o fim da era 40 anos de crescimento superturbinado da China.
Fonte: Valor Econômico
