Por Fernando Exman, Isadora Peron e Marcelo Ribeiro — De Brasília
03/04/2023 05h01 Atualizado há 6 horas
Em meio à preocupação de especialistas em governança corporativa, avançam as negociações entre governo e Senado para alterar a Lei das Estatais. Uma minuta do texto que está sendo construído, à qual o Valor teve acesso, altera o artigo que estabelece quarentena de 36 meses para políticos serem indicados a cargos de direção dessas empresas, flexibilizando-o ao ponderar que a restrição deve ocorrer desde que a participação em estrutura decisória de partido ou campanha eleitoral “não tenha sido de natureza intelectual”.
Além disso, a minuta traz um dispositivo para explicitar que manifestações do comitê de elegibilidade não vinculam o voto do acionista controlador. E muda um trecho da legislação para assegurar que “os limites da supervisão ministerial previstos” na lei não afastem “a possibilidade de o acionista controlador orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação”.
Por outro lado, a proposta fixa alguns parâmetros para a seleção das indicações políticas, com o objetivo de afastar quem já teve contas rejeitadas pela Justiça Eleitoral ou órgãos de controle. Prevê ainda que a Comissão de Ética Pública da Presidência dê parecer sobre as indicações, atestando inexistência de conflito de interesses. A ideia do governo, diz o documento , é alinhar a Lei das Estatais à Lei das SA.
Uma fonte envolvida nas negociações diz que se busca um meio termo entre o texto que foi aprovado pela Câmara, considerado excessivamente permissivo, e algo que poderia ser mais bem-recebido pelo mercado. Essa saída é considerada fundamental no Palácio do Planalto para acelerar nomeações de aliados e consolidar uma base de sustentação no Congresso.
Para o presidente-executivo da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Fábio Coelho, as discussões devem prever o estabelecimento de regras que tragam transparência e mantenham requisitos para a ocupação dos cargos. “É um princípio que a sociedade demanda quando se fala em Lei das Estatais”, afirma.
“Regredir ao cenário anterior, em que partidos escolhiam ocupantes de cargos de gestão de empresas públicas e sociedades de economia mista, é ceder às tentações do jogo político entre Executivo e Legislativo, abrindo-se mão dos interesses maiores da coletividade”, diz Danilo Gregório, gerente de relações institucionais e governamentais do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.
Para ele, a Lei das Estatais gerou ganhos de transparência, eficiência, patrimônio líquido, retorno aos acionistas e à sociedade. “Não há motivo nobre para a eliminação das barreiras atuais, não há benefício para contribuintes e usuários finais dos produtos e serviços prestados pelas empresas estatais.”
Em outra frente, a atual articulação entre governo e Senado também pode evitar que o Supremo Tribunal Federal (STF) acabe se antecipando. Na sexta, o ministro Dias Toffoli, do STF, pediu vista e interrompeu o julgamento que trata da nomeação de ministros de Estado e secretários em conselhos e diretorias de estatais.
Ele tem até 90 dias para devolver o caso ao plenário. Enquanto isso, vale a decisão de Ricardo Lewandowski que derrubou a quarentena para pessoas ligadas a cúpulas partidárias ou que participaram de campanhas. Ela permite ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazer indicações políticas aos cargos.
Segundo o Valor apurou, uma possibilidade é que as mudanças previstas na minuta constem de uma emenda apresentada à Medida Provisória 1.154/2023, que definiu a nova estrutura do governo, mas está com a tramitação parada devido aos desentendimentos entre Câmara e Senado sobre o rito de apreciação das MPs.
Em caráter reservado, lideranças da Câmara avaliam que os ajustes no texto têm potencial para contaminar ainda mais a interlocução “já prejudicada” se os senadores descaracterizarem o texto aprovado por deputados em 2022. À época, o governo não quis interferir na aprovação, que contou com o apoio de lideranças do Centrão e de partidos de esquerda.
Integrantes da cúpula da Câmara disseram ao Valor que o fato de o Senado ter acertado as mudanças no projeto com o governo dá aos deputados a liberdade de as reverterem, quando o texto chegar para uma nova análise na Câmara.
O senador que apresentará a emenda ainda é incerto. Na justificativa do texto, argumenta-se que a emenda não busca “descontruir os avanços alcançados” e “há muito tempo recomendados e esperados por especialistas e organismos internacionais”. Mas cita que a atual lei se choca com a Constituição ao “ofender” o “direito fundamental à igualdade, à liberdade de expressão e participação política”.
Fonte: Valor Econômico

