A eletrificação da economia e o desenvolvimento da inteligência artificial (IA) vão tornar cada vez mais relevantes as reservas e o processamento de minerais críticos. Fundamentais para a construção de baterias e outros equipamentos, cobre, níquel, lítio e terras raras, entre outros, se transformaram em assunto de segurança nacional para Estados Unidos e China e estiveram no centro das conversas entre os países sobre tarifas. Os minerais estratégicos também entraram na agenda do Brasil com os EUA, que taxaram as exportações brasileiras com tarifas de 50%.
Em conversa com o Valor, o vice-presidente sênior de geopolítica e relações internacionais da S&P Global Commodites Insights, Carlos Pascual, diz que o Brasil pode ter papel relevante não apenas como fornecedor desses insumos, mas no processamento da matéria-prima. “Para o Brasil, existe a capacidade potencial de ser um suprimento de minerais críticos, mas também de ter um papel no processamento futuro desses minerais, o que será importante para reduzir o controle que a China tem sobre o mercado”, afirma.
Nascido em Cuba e criado desde pequeno nos Estados Unidos, Pascual diz que a escalada tarifária terá efeitos sobre a economia global e, consequentemente, na demanda por petróleo. O executivo estima que os preços da commodity devem fechar o ano entre US$ 55 e US$ 60 por barril, fruto também do crescimento acelerado da oferta.
Diplomata, Pascual atuou como embaixador dos EUA na Ucrânia entre 2000 e 2003. Com base nessa experiência, diz que a solução para o conflito com a Rússia, que dura mais de três anos, depende de proposta que traga “algum grau de realismo” para o cessar-fogo, permitindo que seja aceita pelos ucranianos. Pascual também afirma que o Brasil terá um grande desafio ao organizar a COP 30, em novembro, em Belém, em momento marcado por diversas questões geopolíticas e econômicas.
A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: Como o senhor enxerga o cenário para o petróleo em meio à escalada de tarifas comerciais?
Carlos Pascual: Estamos em um ambiente em que, para o petróleo, veremos preços baixos no futuro próximo, causados por mudanças de balanço entre oferta e demanda. Havia expectativas de que o preço do óleo aumentaria significativamente por causa da instabilidade no Oriente Médio, particularmente após os ataques de Israel e dos Estados Unidos contra o Irã. Isso não aconteceu.
Valor: Por quê?
Pascual: Uma das principais razões é que o Irã não fechou o estreito de Ormuz porque não seriam capazes de exportar se o fizessem. E por causa de uma nova dinâmica geopolítica que vemos ao redor do golfo [Pérsico], dirigida pelas relações diplomáticas restauradas entre Arábia Saudita e Irã e também pelo papel da China. A China tem jogado um papel comercial importante entre os dois países. A China é o cliente principal do Irã, o investidor principal do Irã. A maioria do óleo que sai do estreito de Ormuz vai para a China. É claro que a China não tem interesse, e provavelmente expressou isso para o Irã, que o estreito de Ormuz seja bloqueado. O principal interesse da China no Oriente Médio é na Arábia Saudita. A China investiu muito na Arábia Saudita e a Arábia Saudita investiu na China. Isso criou um ambiente que reduziu as chances de que o estreito de Ormuz fosse bloqueado. Essa é uma das razões pelas quais não vimos um pico de preços após os ataques [ao Irã].
Valor: Qual é a tendência para os preços do petróleo?
Pascual: Os países da Opep+ decidiram retomar a produção que tinham cortado em 2023 e 2024. Nos últimos meses, vimos mais de 1,5 milhão de barris [adicionais] por dia no mercado vindo dos países da Opep+. Como resultado, o suprimento está crescendo muito mais rapidamente que a demanda e está criando uma pressão de desaceleração no preço. E estimamos, para o fim deste ano, que o preço do Brent estará abaixo de US$ 60, provavelmente em uma banda entre US$ 55 e US$ 60.
Valor: As tarifas sobre o comércio global podem ser um impulso extra para queda de preços?
Pascual: Há dois fatores críticos a considerar: um é o aumento de veículos elétricos na China e o impacto que isso teve na demanda de petróleo naquele país. Na década passada, a demanda chinesa por petróleo foi o principal fator desse mercado e base de preço para a commodity. A demanda chinesa estagnada é um fator crítico. Os economistas da S&P projetam que o crescimento nos EUA pode ser de menos de 1% no quarto trimestre. Vimos as disrupções que as tarifas causaram nas redes de suprimento e a incerteza que isso criou para investimentos em muitos países. Houve um efeito global no crescimento econômico e em economias maiores também. Esses fatores, quando somados, tiveram um lado amortecedor para a demanda. E contribuíram para a queda no preço do petróleo, em adição ao aumento da oferta pela Opep+.
Valor: Como o senhor vê as discussões sobre minerais críticos relacionados ao Brasil e ao tarifaço?
Pascual: Os minerais críticos estão no topo da agenda nacional de segurança nos Estados Unidos. Eles estão diretamente ligados ao ritmo de desenvolvimento da inteligência artificial e ao que os EUA veem como uma luta contra a China pelo domínio da inteligência artificial, particularmente pelas suas implicações militares e de IA. Para ter sucesso com a IA, é necessário ter eletricidade. A demanda de eletricidade é, potencialmente, a maior limitação ao desenvolvimento da IA. E os minerais críticos se tornaram absolutamente importantes. O cobre, por exemplo, é o metal da eletrificação e é crucial para o desenvolvimento de centros de dados e também para a transmissão e distribuição de eletricidade. Além disso, vemos outros minerais críticos que são essenciais para as baterias, como o lítio e o grafite. Os minerais críticos estão conectados a um objetivo de segurança nacional. E, para o Brasil, existe a capacidade potencial de ser um supridor de minerais críticos, mas também de ter um papel no processamento futuro desses minerais, o que será importante para reduzir o controle que a China tem sobre o mercado.
Valor: E as terras raras?
Pascual: As terras raras se tornaram essenciais para o desenvolvimento de magnetos de alta potência, usados em qualquer forma de motor no mundo. Em maio, os principais fabricantes de automóveis americanos levantaram a bandeira vermelha e indicaram que, por causa da falta de suprimento de magnetos pesados, que vêm da China, teriam que começar a fechar suas plantas. Esse chamado por ajuda foi o que levou às negociações entre os Estados Unidos e a China e a uma trégua na guerra de tarifas que havia se desenvolvido entre os dois países, com a volta das exportações de terras raras e magnetos pesados para os Estados Unidos. A China foi capaz de extrair dos Estados Unidos um comprometimento de exportar [para o país asiático] os chips para inteligência artificial. Não é o chip de maior qualidade, mas é de qualidade significativa e importante para a China para que eles avancem na IA. E o que isso começa a mostrar é que os minerais críticos se tornaram o centro do debate comercial entre China e EUA. E também se tornaram questão essencial da segurança nacional.
Valor: E o Brasil como se encaixa nesse debate global?
Pascual: O país pode ajudar na produção e processamento de minerais críticos. Isso é algo estratégico para os Estados Unidos. E eu espero que [o tema] se torne importante e possa superar outros tipos de questões políticas que se tornaram problemáticas nos debates de tarifas entre os EUA e o Brasil.
Valor: Qual a possibilidade de novos embargos dos EUA a países que fazem comércio com a Rússia?
Pascual: Devo começar dizendo que qualquer coisa que se diga hoje pode mudar na sexta-feira [15], quando os presidentes [Donald] Trump e [Vladimir] Putin se encontrarão no Alasca. Eles podem alcançar decisões diferentes. Mas o presidente Trump expressou frustração com Putin por não obter um cessar-fogo [na Ucrânia]. Ele indicou que os países que importassem cargas de energia da Rússia enfrentariam tarifa de 100% nas exportações dessas nações para os EUA. A primeira indicação do que poderia acontecer se deu com a Índia. Na semana passada, o que era tarifa de 25% foi aumentada em outros 25%, totalizando 50%, por causa das importações de óleo cru da Rússia pela Índia. A implicação agora seria: que outros países estão importando energia da Rússia e, claro, isso preocupa o Brasil, devido a importações significativas de diesel russo. A taxa seria muito difícil de prever. Se alguém usasse a Índia como exemplo, poderia ser outro [valor de] 25% que poderia ser adicionado aos 50% de taxas do Brasil, mas honestamente, não sabemos. E o contexto pode simplesmente mudar a partir das discussões do presidente Trump.
Valor: A paz na Ucrânia é possível a curto prazo?
Pascual: São equações complicadas e, inevitavelmente, deve depender da concordância da Ucrânia com qualquer acordo de paz. Mas o que a Ucrânia deixa bem claro é que gostaria do fim da guerra sem pré-condições. A Rússia diz que, para concordar com o fim de guerra, a Ucrânia teria aceitar se render e ceder territórios específicos. O presidente Trump indicou que incluiria a discussão de uma troca de áreas como parte de sua conversa com a Ucrânia. Se esse for o caso, não está claro se a Ucrânia considera colocar em pauta o arranjo para cessão de uma parte [de território]. Acho que, neste momento, tem de haver algum grau de realismo para a Ucrânia concordar com algum cessar-fogo e um acordo de paz. Eles não estão preocupados somente com questões territoriais, mas como garantir que qualquer acordo que venha a ser alcançado não vai simplesmente resultar em futuras invasões da Ucrânia pela Rússia. Mas teremos que ver qual será a natureza exata das discussões na sexta-feira, quais propostas serão colocadas na mesa. E, fundamentalmente, se a Ucrânia será envolvida em qualquer tipo de discussão sobre paz ou cessão [de territórios]. Porque é absolutamente claro que, se a Ucrânia não for parte do processo, então não será possível obter um cessar-fogo que permaneça viável para o longo prazo.
Valor: Como o senhor vê a importância do COP30?
Pascual: Acho que o Brasil tem um dos desafios mais difíceis em gerenciar a presidência de uma COP. Um fator é que os Estados Unidos se retiraram do Acordo de Paris, mas ainda assim poderiam enviar um representante para o COP, como membro da Convenção Framework de Mudanças Climáticas da ONU. Tenho certeza de que vamos ver uma presença muito forte da China nesta COP. Para a China, é uma grande oportunidade, por causa da competitividade que eles têm em tecnologias como painéis solares e turbinas eólicas. Tenho certeza que vão estar lá em peso para poder mostrar capacidade como vendedor. E como vocês já viram no Brasil, eles têm grande interesse em ser vendedores de veículos elétricos. Para o resto da comunidade internacional, haverá grandes perguntas sobre financiamento para transição energética e, em particular, para economias emergentes e desenvolvidas. Haverá desafios, porque os Estados Unidos estão reduzindo o financiamento para combater as mudanças climáticas. A Europa está sendo desafiada com mais gastos de defesa hoje em dia. Então, há grandes questões feitas antes da presidência do Brasil na COP e o país terá um desafio significativo para levar todos a responder a essas questões. Acredito que será uma COP crítica para manter o “momentum” da ação climática em um ambiente com incertezas significativas. Tenho certeza de que a presidência da COP30 está muito focada em enfrentar esse desafio.
Fonte: Valor Econômico

