A Argentina passará por um período de estagflação, estagnação econômica combinada com inflação alta, no próximo ano, alertou ontem o presidente eleito Javier Milei, como resultado de um duro ajuste para zerar o déficit público em 2024, de estimados 15% do PIB neste ano. Apesar do choque que se prenuncia, o setor bancário argentino não está preocupado e avalia que o plano de déficit zero do futuro ministro da Economia, Luis “Toto” Caputo, pode ajudar a abrir caminho para uma ajuda adicional do Fundo Monetário Internacional (FMI).
“Se ao atual governo, o FMI deu muito apoio, imagina então como seria com um governo que apresenta um plano de déficit zero”, comentou com o Valor, Claudio Cesario, o presidente da Associação Argentina de Bancos (ABA), que reúne as instituições financeiras com capitais estrangeiros instaladas no país.
Ao desembarcar ontem de volta dos EUA, Milei disse que haverá estagflação na Argentina porque a necessária reestruturação fiscal terá um impacto negativo na atividade econômica. “O que estamos fazendo é criando os mecanismos para parar a oferta monetária e pôr fim à inflação num período de 18 a 24 meses”, afirmou.
Caputo e Nicolas Posse (futuro chefe de Gabinete de Milei) viajaram junto com o presidente eleito para os EUA, mas ontem ficaram em Washington para uma reunião com a vice-diretora-gerente do FMI, Gita Gopinath.
Caputo busca apoio financeiro para renegociar a dívida de quase US$ 50 bilhões com o organismo. Nos próximos seis meses, os vencimentos são de aproximadamente US$ 3,6 bilhões e a Argentina não possui dólares o suficiente para honrar estes compromissos.
Foi uma “reunião positiva”, qualificou Gopinath nas redes sociais. “Discutimos os desafios complexos que a Argentina enfrenta e os planos para fortalecer urgentemente a estabilidade”, disse, acrescentando que “nossas equipes permanecerão estreitamente engajadas no futuro próximo”.
Na avaliação de Cesario, o governo eleito poderia conseguir cerca de US$ 15 bilhões em empréstimos novos. No entanto, Milei tem sinalizado que não pretende endividar mais a Argentina e que a economia deverá se recuperar bem depois dos ajustes que aplicar.
Na reunião que a ABA teve com Caputo na sexta-feira, o futuro ministro afirmou que não haverá nenhuma medida compulsória, nem reestruturação. Também antecipou que o programa para 2024 será de déficit zero, sem emissão monetária e com equilíbrio das contas. “Esse é um compromisso que nos tranquiliza”, afirmou Cesario. Perguntado se o choque prometido por Milei que levará à estagflação no próximo ano assusta, disse que não, mas ponderou que “é preciso ver se os 56% de eleitores que votaram em Milei aguentam o arrocho monetário e financeiro”.
O presidente da ABA não considera que o elevado volume de Letras do Banco Central – as chamadas Leliqs, títulos de curto prazo – seja um problema financeiro para o país porque, segundo ele, os bancos “vão continuar renovando pelo valor de mercado” e porque o futuro ministro de Economia já disse que “não haverá reestruturação desta dívida”. As Leliqs são usadas para esterilizar o excedente de pesos no mercado e estão estimadas em cerca de US$ 40 bilhões equivalentes em pesos argentinos.
No entanto, na última terça-feira, do vencimento de 1,5 bilhão de pesos em Leliqs, o BC só conseguiu renovar 352 milhões de pesos, ou 22,8% dos vencimentos. Os agentes financeiros colocaram o restante principalmente em um instrumento chamado Passe, uma espécie de overnight. As dúvidas sobre o que o novo governo poderá fazer com esses passivos remunerados do BC estão levando os bancos a reduzir gradualmente as suas posições em Leliqs, elevando proporcionalmente o estoque de Passe.
Sobre o plano de dolarização da economia argentina, Cesario disse que não considera isso possível, muito menos o fechamento do BC. Com relação à tensão que isso provocou durante a campanha, afirmou que a solvência do sistema tem permitido enfrentar sem dificuldades as demandas dos depositantes, de pesos e de dólares.
Fonte: Valor Econômico

