Por Marina Guimarães, Para o Valor — Buenos Aires
09/10/2023 13h14 Atualizado há 11 horas
Declarações explosivas do principal candidato à Presidência na Argentina, Javier Milei, de extrema direita, levaram a uma nova escalada do dólar paralelo nesta segunda-feira (09) na Argentina. A cotação do chamado dólar “blue” subiu 7,4% e estabeleceu novo recorde nominal de 945 pesos, ampliando o spread com o oficial a 170%.
A tensão adicional no mercado foi causada por uma entrevista dada por Milei (La Libertad Avanza) hoje a uma rádio local incitando a população a livrar-se dos pesos argentinos antes das eleições do próximo dia 22.
“Jamais em pesos, jamais em pesos”, enfatizou. “O peso é uma moeda emitida pelo político argentino, portanto, não vale nem como esterco, esse lixo não pode ser usado nem como adubo”, afirmou ao ser indagado sobre qual a recomendação que daría a uma pessoa para poupar na Argentina.
A entrevista do candidato líder nas pesquisas de intenção de voto aumentou a pressão de alta do dólar paralelo, que já vinha num ritmo acelerado desde a semana passada. Milei bateu na tecla de que necessita “somente” de US$ 30 bilhões para dolarizar a economia argentina, em lugar de US$ 60 bilhões, como estimam alguns economistas. Ele disse que conseguiria este fundo “rápido” e que já existem investidores com propostas feitas em “reuniões confidenciais”. Também reiterou sua intenção de fechar o Banco Central do país.
“Hoje aumentou a preocupação, claro”, disse uma importante fonte do setor produtivo ao Valor. Destacou que “faltam menos de duas semanas para as eleições e não sabemos como ficaremos porque de um lado está o Milei atiçando e do outro está a Patrícia [Bullrich, candidata de direita do Juntos por el Cambio]”. Essa fonte ponderou que é preciso ver o plano de Milei para analisar com maior detalhe, mas que até agora o que ele diz “preocupa muito”.
Segundo o economista-chefe de Estratégias da Consultoria Cohen Aliados Financeiro, Martín Polo, “a Argentina já estava cambalenado e tudo o que está acontecendo atualmente não ajuda, não é a consequência do que disseram hoje, mas de um processo de decadência”. Para ele, entre um governo com um plano que joga pelos ares qualquer cenário de equilíbrio fiscal, e um candidato líder das pesquisas fazendo declarações que geram ruídos, não ajuda. “Gerar mal-estar e mais incertezas. A reação natural é a busca de cobertura em dólar”, arrematou.
Para o economista Gustavo Ber (Estudio Ber) as principais causas para a escalada do dólar continuam sendo a incerteza eleitoral, a emissão monetária, a queda da demanda de dinheiro e a acelerada inflação — que em agosto estaca em 124% em termos anuais. “A diferença hoje é que a proximidade de 22 de outubro está acelerando o processo de dolarização.”
“A principal variável a acompanhar nestas duas semanas antes das eleições será o volume de pesos que entra no mercado procurando cobertura no dólar, pois isso determinará a pressão de alta no spread com o dólar oficial”, acrescentou Ber.
Em 2023, o dólar blue, como é chamado o paralelo, acumula alta de 173%, 599 pesos. O ano passado, a cotação fechou em 346 pesos por unidade. O mercado financeiro acredita que o governo já não tem poder de fogo para aplacar a corrida ao dólar.
O spread com o dólar oficial atingiu 169,9%, um salto similar ao registrado em julho do ano passado, após a renúncia do então ministro de Economia Martín Guzmán. Em um só dia, a moeda desvalorizou 65 pesos, o equivalente à desvalorização acumulada de setembro.
Para tentar acalmar os mercados, uma vez que as instituções financeiras registram quedas nos depósitos e nas reservas, o Banco Central da República Argentina (BCRA) emitiu ontem um comunicado titulado “Argentina mantém um sistema financeiro líquido e solvente”. O texto afirma que o “sistema financeiro argentino apresenta uma sólida situação de solvência, capitalização, liquidez e provisionamento”.
O esclarecimento do banco central aumentou ainda mais as desconfianças entre os operadores e investidores, que desde a sexta-feira enfrentam novas restrições nas operações com os chamados dólares financeiros. Essas restrições contribuíram para a pressão de alta no paralelo.
Antes do comunicado do BC, o ministro de Economia e candidato governista Sergio Massa (Unión por la pátria), segundo colocado nas pesquisas, fez um alerta para o risco de a Argentina ver uma repetição da crise de 2001, desencadeada pelo fim do regime de conversibilidade, quando um peso tinha o valor que US$ 1. “Não vale tudo por um voto. Não vale pôr em risco as economias do povo por um voto”, afirmou Massa. “Creio que é gravíssimo [o que Milei disse]”, afirmou.
Há cerca de de 13,6 trilhões de pesos atualmente mantidos em depósitos a prazo, disse Amilcar Collante, economista da Universidade Nacional de La Plata ao “Financial Times”. “Esses pesos estão atualmente contidos no sistema, mas se as pessoas ouvirem Milei dizer ‘depois das eleições vamos dolarizar, então livrem-se deles’, isso gera mais demanda por dólares”, acrescentou. “O que pode funcionar bem para ele eleitoralmente é muito prejudicial para as expectativas do mercado.”
Fonte: Valor Econômico

