Por Alice Hancock — Financial Times, de Bruxelas
24/08/2022 05h02 Atualizado há 4 horas
Quase metade do território da União Europeia (UE) continua sob condições de seca, disse um órgão da bloco. O clima deverá permanecer mais quente e mais seco ao menos até novembro.
Isso agrava os temores de quebras de safra e escassez de oferta de energia, numa região já atingida por uma redução significativa dos fluxos do gás natural da Rússia.
“A combinação de seca grave e ondas de calor criou uma crise sem precedentes dos níveis de água em toda a UE. Temos uma temporada de incêndios florestais acima da média e impacto importante na produção agrícola”, disse Mariya Gabriel, da Comissão Europeia.
“Condições de secas grave a extrema saltam à vista na Itália, no sudeste e noroeste da França, no leste da Alemanha, na Europa Oriental, no sul da Noruega e em grandes faixas dos Bálcãs, segundo relatório publicado ontem pelo Centro de Pesquisa Conjunto (JRC, na sigla em inglês).
Segundo o estudo, cerca de 47% da UE está em condições de aviso de seca e 17% em “alerta” de seca, o que significa que a vegetação e plantações foram afetadas. O estudo também alertou sobre os “graves impactos” para os setor energético, especialmente para usinas hidrelétricas, que estão incapacitadas de funcionar, e dos sistemas de resfriamento de outras usinas de geração de energia elétrica.
Este verão (de junho a setembro na Europa) tem sido um dos mais secos já registrados no continente, que, segundo cientistas, está se aquecendo mais do que a média mundial. Incêndios florestais se propagaram rapidamente por toda a Europa, queimando uma área mais de 4,6 vezes maior que a média de extensão territorial atingida nos últimos 19 anos de temporadas de incêndios florestais, enquanto as geleiras dos Alpes derreteram a um ritmo recorde.
A temperatura anual média sobre a massa territorial europeia nos últimos dez anos foi cerca de 2°C superior à vigente no período pré-industrial, segundo relatório da Agência Europeia de Meio Ambiente publicado em junho, o dobro do 1°C em termos globais.
O Reino Unido também sofreu com um período prolongado de clima quente e seco, que fez a Inglaterra declarar formalmente estado de seca em agosto. O governo anunciou ontem que 10 de 14 regiões ingressaram em situação de seca, acrescentando que as chuvas recentes não foram suficientes para reconduzir o volume de água dos rios, do lençol freático e dos reservatórios aos “níveis normais”.
Essa grave crise de falta de água e altas temperaturas sobre as plantações reduziu as previsões para a colheita do deste ano na Europa, estando entre as mais afetadas as safras de milho, girassol e soja. As previsões de produtividade para essas safras estão entre 12% e 16% abaixo da média dos últimos cinco anos, segundo dados da JRC.
Esse quadro também exacerbou os problemas de abastecimento de energia em todo o continente. As barragens de geração de energia hidrelétrica secaram em países como Portugal e Noruega, fazendo com que a Noruega, a segunda maior fornecedora de gás natural à UE depois da Rússia, advertisse que poderá ter de reduzir as exportações se a situação não melhorar.
A geração de energia elétrica por usinas nucleares também teve de ser reduzida devido à falta de água para refrigerar os reatores.
O relatório da JRC, que se baseia em dados do Observatório Europeu de Seca, alertou que as condições mais quentes e secas poderão avançar até o outono (de setembro a dezembro no hemisfério Norte) no Mediterrâneo Ocidental. Uma volta a condições climáticas mais normais “para a maior parte da Europa” pode “não bastar para recuperar plenamente o déficit [de água] acumulado em mais de meio ano”.
Cientistas acrescentaram que se prevê que “condições climáticas severamente mais secas do que o normal” se prolongarão no oeste da Espanha, no leste de Portugal e na costa da Croácia.
O impacto dos incêndios florestais é especialmente significativo em Portugal, onde, segundo a JRC, o risco de incêndios é de “alto a extremo na maior parte do país”.
A Comissão Europeia, o braço executivo da UE, disse ontem que mobilizou dois aviões de combate a incêndios pela primeira vez a fim de ajudar Portugal a debelar incêndios florestais no norte do país.
Fonte: Valor Econômico

