Por Lu Aiko Otta e Jéssica Sant’Anna — De Brasília
24/04/2024 05h01 Atualizado há 45 minutos
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que uma mudança da meta fiscal de 2024 “não está em jogo”, mas é preciso acompanhar a evolução do ano para saber se será possível atingi-la. Um percalço no meio do caminho, disse, poder ser a proposta que instituí um acréscimo salarial por tempo de serviço para carreiras jurídicas. Porém, o objetivo da equipe econômica segue sendo o de atingir o déficit zero ainda neste ano.
“Isso não está em jogo. Não está em discussão [mudança na meta de] 2024. O que nós estamos fazendo agora é garantir que o Orçamento aprovado pelo Congresso em 2023 tenha o exato equilíbrio entre receitas e despesas”, disse em entrevista exclusiva ao Valor. Ele ponderou que, caso medidas não previstas no Orçamento pressionem as contas públicas, o plano de ação aprovado pelo Legislativo não conseguirá ser cumprido.
Por isso, disse, é preciso “acompanhar como o ano vai se decorrer, porque há outros temas que podem machucar o fiscal que estão em discussão no país”, numa referência à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do quinquênio, em tramitação no Senado Federal. Parecer da consultoria de Orçamento da Casa estima que a medida pode ter impacto fiscal de R$ 81,6 bilhões em três anos. O texto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e agora segue em análise no Plenário. A medida é defendida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Apesar dos percalços que podem surgir no caminho, Durigan descartou uma mudança da meta mesmo que haja risco de o déficit ser maior do que o intervalo de tolerância, acionando gatilhos de contenção de gastos no ano que vem. “Quando essa meta está fixada, vamos procurar cumprir com afinco. Não tenho dúvidas quanto a isso.”
“Para seguir nessa trajetória crível de cumprimento de meta, precisamos aprovar em 2024 novas medidas”
O recado surge uma semana após a equipe econômica flexibilizar a trajetória de ajuste fiscal, reduzindo de superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para zero o resultado esperado para as contas do governo central em 2025. Já as metas de 2026, 2027 e 2028 apontam superávits crescentes, de 0,25%, 0,5% e 1% do PIB. Antes da revisão, o governo pretendia atingir superávit de 1% do PIB já em 2026.
Na avaliação do secretário, a mudança foi feita para tornar a meta do próximo ano “mais crível”. Ainda assim, haverá desafios – o governo precisará aprovar neste ano cerca de R$ 50 bilhões em receitas extras para viabilizar a meta de déficit zero em 2025. Durigan não antecipou quais são as medidas estudadas para envio ao Congresso Nacional, mas disse que, a princípio, a equipe econômica não conta com a reforma da renda, que trará a taxação de dividendos, para a arrecadação do ano que vem.
Confira, a seguir, as principais declarações do secretário:
Arcabouço e corte de despesas
“É importante reforçar que não estamos mudando em nada a nossa agenda. Tudo que fizemos no ano passado, numa parceria muito bem-sucedida com o Congresso, tem de seguir. Claro que há dificuldades para atingir os resultados, mas do ponto de vista da agenda não há descolamento sobre o que devemos fazer. O país vem desde 2015 gastando mais, em proporção do PIB, do que arrecadando. No ano passado apontamos esse problema, dissemos qual caminho a ser trilhado para começar a resolver esse problema, e fizemos, em grande medida, isso. Tanto que estamos vendo no começo deste ano a recomposição fiscal do Estado brasileiro [arrecadação forte]. O Brasil segue gastando em torno de 19%, 19,5% em relação ao PIB. Este ano teremos um pouco menos que isso, porque na parte da despesa, o arcabouço já está cumprindo o seu papel. No ano passado, a economia cresceu 2,9%. A receita esse ano está crescendo quase 10%, nominal. E a despesa [neste ano] cresceu 1,7% [real]. Então, a despesa está crescendo menos. O arcabouço vai cumprir esse objetivo de ir reduzindo, em proporção do PIB, a despesa do país ao longo do tempo.”
Ajuste fiscal
“O governo faz o ajuste fiscal não de qualquer jeito, mas corrigindo injustiça: vendo o que é benefício ineficiente, indo atrás de grandes distorções. Nós estamos fazendo um ajuste fiscal muito dosado, muito conversado, muito negociado. E por que a gente faz ajuste fiscal? Queremos cumprir com esse objetivo de estabilizar a dívida do país, porque o Orçamento público tem um colchão social importante. Gastamos quase R$ 1 trilhão com a Previdência, quase 1% do PIB com o BPC [Benefício de Prestação Continuada], 1,5% do PIB com o Bolsa Família. E essas despesas sociais só vão se manter. De um lado, fazemos o ajuste fiscal para manter íntegros os colchões sociais. De outro, fazemos o ajuste fiscal para ter credibilidade, porque com credibilidade o custo do crédito diminui. O segundo efeito é a inflação. O fiscal, principalmente no mundo pós-pandemia, tem um bom impacto na inflação. O anúncio que foi feito no PLDO [Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, com metas menores] e o ajuste temporal que o Congresso fez [ao adiantar a autorização do governo para um crédito suplementar de R$ 15 bilhões] não mexem qualitativamente no arcabouço. O arcabouço segue íntegro.”
Cenário externo
“Tem muito do cenário externo trazendo impactos importantes para o Brasil e para o mundo. Se compararmos o impacto que teve no mundo as declarações do Fed [Federal Reserve, banco central dos EUA] da semana passada, o Brasil, inclusive, fica melhor que outros países, como o México e a Indonésia, por exemplo. Mas as bolsas do mundo sentiram e as moedas sentiram essa reprecificação global de ativos que se deu a partir da semana passada e que seguimos vendo, com menos intensidade.”
Judicialização de medidas
“Conseguiremos avançar nessa agenda econômica não é quebrando o prédio público, é avançando e prestigiando as instituições. Então, repropusemos ao Congresso e ao debate público temas que estavam fora do orçamento. Aqui nós estamos, de fato, prestigiando o Congresso. Ao repropor as quatro medidas que estavam na MP 1.202/2023 [desoneração da folha de setores, municípios, fim do programa de incentivo ao setor de eventos e limitação de compensações tributárias], dissemos que há uma incongruência entre algumas coisas que foram aprovadas e as grandes decisões do Congresso do ano passado que estão cristalizadas no Orçamento. Esses quatro temas que são os que estamos agora tratando de fechar a discussão, antes de abrir a discussão da tributária. Então, se alguns desses temas não conseguem avançar no Congresso, dada a realidade política do ano, dadas as eleições municipais e outros temas políticos, talvez tenhamos que nos socorrer do Judiciário, mas garantindo que o espaço de acordo político tenha sido ofertado ao Congresso. Agora, o debate político não avançando, é preciso garantir que a gente tenha o olhar do Supremo aqui sobre esses temas que afetam a Previdência. Será feito, sim, o questionamento no Supremo sobre esses dois temas. [desoneração da folha dos setores e dos municípios].”
Dívida dos Estados
“Esse é um tema que tem sido estudado pelo Tesouro em reunião com secretários dos Estados. Isso ainda está pendente de fechar uma avaliação técnica para levar à consideração do ministro [da Fazenda, Fernando Haddad]. O ministro é sensível a esse tema e tem se mostrado aberto a esse diálogo com todos os Estados – do Nordeste, do Norte, do Centro-Oeste, do Sul e do Sudeste. E é importante ter esse olhar de sensibilidade, porque é um tema que também gera judicialização, e o nosso espírito aqui é tentar resolver.”
Meta de 2024
“Isso [mudar a meta] não está em jogo. O que foi projetado para os próximos anos é manter a trajetória de estabilização da dívida. O que foi anunciado na semana passada foi a trajetória da meta para os próximos anos. Estamos vendo que temos um espaço político menor do que tivemos, por exemplo, em 2023. Atualizando os contextos, chegamos em novos números, que são críveis. Ou seja, a gente fixa uma meta e, quando essa meta está fixada, vamos procurar cumprir com afinco. O que estamos fazendo em 2024 é garantir que o Orçamento aprovado pelo Congresso em 2023 tenha o exato equilíbrio entre receitas e despesas. Então, as medidas que nós temos adotado são justamente para prestigiar o Orçamento aprovado pelo Congresso. Para chegar nesse zero. Porque se temos um Orçamento aprovado pelo Congresso e uma série de obrigações extraorçamentárias, como é o caso da desoneração da folha dos municípios, o Perse, não conseguimos cumprir o plano de ação passado pelo Congresso.”
Vai atingir meta zero em 2024?
“Para 2024, o que precisamos é acompanhar como o ano vai se decorrer. Porque há outros temas que podem machucar o fiscal que estão em discussão no país. Já para 2025 e para os próximos anos, teremos de adotar novas medidas. Para 2024, o que nós aprovamos no ano passado é suficiente desde que outras pautas não nos impactem no meio do caminho.”
Novas medidas
“Não posso antecipar nada, mas vão ser necessárias medidas em torno de R$ 50 bilhões. Então, para seguir nessa trajetória crível de cumprimento de meta, precisamos aprovar em 2024 novas medidas para que o governo cumpra a meta em 2025.”
Revisão de gastos
“O arcabouço fiscal cumpre esse primeiro grande objetivo de conter a evolução dos gastos. Eu tenho reconhecido que o governo precisa acelerar e aprofundar essa agenda de revisão de gastos. Revisão de gastos é como escovar os dentes, precisamos fazer sempre. E revisar para priorizar. Então, temos que olhar os gastos que temos no Orçamento e canalizá-los para o que é decisão do governo, para o que é correto, para o que é necessário ser investido. Mas esse é um tema que é liderado pelo Ministério do Planejamento. Eu tenho o propósito de que a Fazenda fortaleça essa agenda junto com o Planejamento, para que aceleremos daqui em diante.”
Reforma da renda
“A reforma da renda está no nosso radar, mas a princípio é algo que não contamos para a arrecadação de 2025.”
Reforma tributária
“Toda essa agenda, MP 1.185/2023 [da subvenção de investimentos], [tributação de] fundos fechados, revisão dos títulos isentos, a reforma da renda que vem por aí, isso é curto e médio prazos [como revisão de gastos tributários]. No longo prazo, é a reforma tributária quem vai, de alguma maneira, sacramentar os nossos buracos fiscais, resolver a grande distorção que temos com gasto tributário. É a reforma tributária quem dá a resposta definitiva. Os benefícios ligados a PIS/Cofins, por exemplo, eles acabam, mas haverá uma transição lenta e gradual. A reforma vai começar a entrar em vigor em 2026 e vai fazer a transição completa em 2032, com o ICMS nos Estados.”
Fonte: Valor Econômico

