Ethel Maciel, secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente, aponta desinformação como obstáculo a ser superado pelo Programa Nacional de Imunizações
Por Rafael Vazquez — De São Paulo
22/05/2023 05h01 Atualizado há 5 horas
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Ethel Maciel: “Um dos objetivos é conscientizar que médicos que desinformam sobre vacinas estão cometendo crime” — Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
A missão de recuperar o padrão do internacionalmente reconhecido Programa de Imunizações (PNI) brasileiro tem como capitã atualmente a doutora em epidemiologia Ethel Maciel, que assumiu no início do ano o cargo de secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde.
Formada em enfermagem antes de ser epidemiologista, ela foi uma das cientistas atacadas durante o governo anterior, quando foi eleita, em 2019, por professores, alunos e pelo Conselho Universitário para ser a reitora da Universidade Federal do Espirito Santo (Ufes), mesma faculdade onde se formou e lecionou, mas foi preterida na lista tríplice apresenta ao governo federal e não teve a nomeação confirmada pelo então presidente Jair Bolsonaro.
Diante da pandemia de covid-19, atuou ativamente em favor da vacinação ágil e compôs um grupo técnico que ajudou o Ministério da Saúde, na época, a definir grupos prioritários para imunização.
Preocupada com a desinformação em torno das vacinas e o risco da poliomielite voltar ao Brasil após a confirmação de um caso no Peru, Ethel trabalha agora para bloquear as ameaças e retomar os índices de cobertura vacinal do país, que caiu de 95%, em 2015, para 67% em 2022. Em 2019 chegou a 49%.
Na entrevista a seguir ela explica qual a estratégia em seus quatro primeiros meses à frente da Secretaria de Vigilância do Ministério da Saúde:
Valor: O governo Bolsonaro foi muito criticado no tema vacinação tanto contra a covid quanto para outras doenças. A situação que a senhora encontrou ao assumir o cargo confirma essas críticas?
Ethel Maciel: Infelizmente, confirma. Encontramos uma absoluta ausência de estoque para vacinas que nós precisávamos. As vacinas contra covid para criança, por exemplo, tínhamos pouquíssimas. E as doses da bivalente contra covid não davam nem para iniciar uma campanha. Também faltavam doses de outras vacinas do nosso calendário vacinal que tivemos que ir atrás urgentemente para repor. Estamos superando agora essa dificuldade inicial com estoques. Por outro lado, tínhamos algumas vacinas estocadas em quantidades enormes e com o prazo de validade vencendo, o que nos obrigou a fazer um descarte que representou prejuízo de quase R$ 2 bilhões. Vacinas que podiam ter protegidos pessoas e, por falta de planejamento, viraram prejuízo.
Valor: A cobertura vacinal no país, que era de 95% em 2015, hoje está em 67%. Qual a estratégia para devolver os índices do passado?
Ethel: Temos um desafio muito grande e estamos trabalhando com algumas frentes. Uma delas é com os médicos que podem ajudar na questão durante os atendimentos. Estive recentemente com a Associação Médica Brasileira [AMB], que foi um importante órgão de combate à desinformação durante a pandemia. A entidade vai nos ajudar a trabalhar com as sociedades médicas e as sociedades científicas em algumas ações para possamos colocar essa questão. A ideia é fazer com que a pessoa que vai a uma consulta com qualquer especialidade médica seja perguntada sobre o cartão de vacina e receba informações. Também vamos nos reunir com os conselhos de medicina para elaborar ações mais próximas dos médicos.
Valor: Há algum plano para lidar com a desinformação e o negacionismo em torno das vacinas?
Ethel: Sim. Um dos objetivos dessa aproximação com a comunidade médica é conscientizar que médicos que desinformam sobre vacinas estão cometendo crime. Também queremos combater atos de desinformação na sociedade. Já estamos conversando com o Ministério Público e o Ministério da Justiça para iniciar ações efetivas que coibam essas práticas criminosas de espalhar mentiras sobre vacinas. Precisamos criminalizar os criminosos e, se preciso, judicializar coisas que impactam negativamente a saúde pública. Já vimos que mentiras espalhadas sobre vacinas estão afetando a procura por imunização e isso traz riscos de vermos doenças como a poliomielite voltarem ao país.
Valor: Agora que está dentro do Ministério da Saúde, acha que o negacionismo às vacinas é maior ou menor do que imaginava antes de assumir o cargo?
Ethel: Está pior do que eu pensava. Realmente virou um obstáculo considerável.
Valor: Além da imputação criminal, o que mais pode ser feito na frente de educar as pessoas sobre o benefício da vacinação?
Ethel: Vamos fazer campanhas dentro das escolas a partir deste mês de maio. Vamos começar com uma ação bem forte no Amazonas e no Acre porque temos a ameaça de um caso de poliomielite identificado no Peru. Também vamos fazer uma ação em municípios de mais de 100 mil habitantes com coberturas vacinais baixas.
Valor: O governo trabalha com alguma meta específica relacionada à cobertura vacinal?
Ethel: Estamos considerando que 2023 ainda é ano de transição porque o estrago dos últimos anos foi bem grande. Nossa meta é retomar o índice de 90%. Para algumas vacinas, como a BCG, a meta é 95%. Vamos colocar nossa meta onde ela tem que estar. Nesse primeiro ano sabemos que teremos mais dificuldades, mas vamos buscá-la.
Valor: A estrutura atual do Ministério da Saúde permite trabalhar com essa meta que, diante dos dados atuais, soa bastante ambiciosa?
Ethel: Temos uma questão financeira a resolver. A recomposição do orçamento do Ministério da Saúde [proporcionada pela PEC da transição] ajudou, mas é insuficiente. Recompôs sem considerar as perdas inflacionárias. Então, temos um orçamento muito aquém do necessário. Vamos precisar de mais financiamento. Estamos trabalhando em ações muito integradas com secretarias estaduais e municipais para que possamos compartilhar orçamentos. Estamos desenvolvendo planejamento que ajude a superar dificuldades.
Valor: Quais as vacinas mais importantes dentro da estratégia desenhada até o momento, além da bivalente contra covid e da imunização contra a gripe?
Ethel: Nas ações que vamos executar dentro das escolas, daremos foco especial para as vacinas contra poliomielite e sarampo. Essas duas são como sentinelas. Se as duas estão em atraso, muito provavelmente faltam outras vacinas. Vamos usá-las como marcadores para alertar que a criança precisa ir na unidade de saúde para se vacinar. Aproveitar essa presença nas escolas, que pesquisas demonstraram ser bem aceitas pelos pais, para verificar a carteira de vacinação e vacinar quem precisa. Estamos trabalhando para integrar sistemas de informação, pois vimos na crise dos Yanomami que os últimos anos geraram um apagão de dados do ministério.
Valor: Qual a sua expectativa pessoal diante desse desafio de levar a cobertura vacinal do país de volta ao patamar acima de 90%?
Ethel: Acredito que é possível. O movimento nacional pela vacinação lançado pela ministra Nísia Trindade e pelo presidente Lula é um marco importante. É muito bom ver, de novo, um presidente sendo vacinado publicamente. É um ato simbólico que reforça a importância da imunização. Temos a expertise do melhor programa de imunização do mundo, o PNI, que vai fazer 50 anos em setembro. Temos a obrigação de recuperá-lo e colocá-lo no patamar de sempre.
Fonte: Valor Econômico