Mesmo com empresas em dificuldades começando a aparecer nas manchetes, a parte mais arriscada do mercado de bônus é a que vem tendo melhor desempenho. Tomadores com classificação de risco “CCC”, os mais próximos do “default”, mostram retorno de 10% no ano. A pior performance é de tomadores com grau de investimento, com bônus corporativos de nota “AA” mostrando retorno de 2,7%.
Por enquanto, é só entre as empresas menores que os acionistas parecem se importar. Assim como investidores de “junk bonds” gostam dos investimentos mais inúteis, as grandes ações com os balanços mais fracos estão batendo aquelas com os balanços mais fortes, segundo análise de Andrew Lapthorne, chefe de pesquisas quantitativas do Société Générale.
Essa corrida para o lixo faz certo sentido. A grande surpresa macroeconômica deste ano é o fato de a economia dos EUA estar forte mesmo com a moderação da inflação. Os tomadores mais fracos se beneficiaram porque a recessão mais previsível da história se recusou a chegar. A qualidade de crédito não ganha muita coisa porque o Federal Reserve (Fed) vai manter os juros mais altos por mais tempo como resultado disso. Na linguagem da gestão de investimentos, o risco de crédito tem se saído bem, enquanto o risco das taxas de juros tem se saído mal. A história não acaba aí. As taxas continuam subindo. A economia será freada pela necessidade de se amparar empresas muito endividadas.
É útil pensar em diferentes tipos de companhias e como elas podem ter problemas. Eu coloco os elos fracos em três cestas.
A primeira são os desastres óbvios: as perdedoras super-especulativas que se financiaram nos estágios finais do boom pós-pandemia, a maioria usando Spacs, mais algumas zumbis financiadas por dívida que deveriam ter falido, mas foram salvas pelas taxas de juro zero. Pense nas startups de carros elétricos de segunda linha, embora haja muitas outras com planos de negócios feitos às pressas para aproveitar o fluxo de dinheiro que o mercado fornecia. Com seus modelos de negócio implodindo, o mesmo acontecerá com elas.
O segundo tipo de companhia fraca é mais preocupante. Empresas decentes com fluxos de caixa sólidos acumularam dívidas enormes na era do dinheiro fácil, mas agora enfrentam um acerto de contas. Os juros em alta tornam mais difícil cumprir com o serviço da dívida e até empresas supostamente seguras e estáveis podem ter problemas.
No Reino Unido, a Thames Water, concessionária bastante endividada e principal fornecedora de água e saneamento de Londres, precisa pagar mais por sua dívida, enquanto gasta muito para lidar com seu mau desempenho, e seus bônus estão sendo negociados a patamares perto do nível de falência. Na França, o Casino Guichard-Perrachon, a rede de supermercados que cresceu com aquisições alimentadas por dívida, negocia um swap de dívida por capital.
Nos EUA, aqueles que acumularam dívida em escritórios e hotéis de San Francisco lutam com o declínio da cidade e os defaults corporativos crescem. Em sua maioria, essas companhias têm operações principais lucrativas, mas a combinação da tomada excessiva de empréstimos e a lucratividade menor que a esperada se mostrou tóxica.
O terceiro tipo de empresa fraca é aquela que deveria estar se saindo melhor, com lucros que oscilam muito e sem muita dívida. Essas deveriam estar se beneficiando do crescimento da economia, sem sofrer muito com os juros mais altos. Elas têm maior probabilidade de serem listadas do que empresas com alto grau de endividamento com engenharia financeira; as firmas de private equity não gostam tanto delas porque sua maior volatilidade significa que não podem tomar muito dinheiro emprestado.
Com certeza, este ano as ações do S&P 500 com maior volatilidade superam o desempenho das de baixa volatilidade, que acumulam pequena queda, mesmo com o índice entrando em nova fase de alta. Algumas das mais sensíveis ao ciclo econômico, como Ford e General Motors, dispararam em junho.
O maior perigo que as empresas de risco trazem ao sistema como um todo é a engenharia financeira do private equity. A economia forte ajuda negócios básicos, mas refinanciar as dívidas no vencimento será muito mais caro. Em geral, taxas mais altas por mais tempo significam que a economia precisa de mais capital e menos dívida, um obstáculo ao crescimento que pode dar muito errado se muitas empresas precisarem se reestruturar para corrigir seus balanços.
Os investidores que acham que o Fed terá de continuar seu aperto deveriam se preocupar com investir em qualquer um desses três grupos. É improvável que o primeiro seja resgatado com quantidades exageradas de dinheiro de pessoas dispostas a fazer apostas loucas, porque os juros mais altos prejudicam a disposição geral de assumir riscos. O segundo terá ainda mais dificuldades para cumprir com o serviço de dívidas. E o terceiro será arrastado para baixo se e quando o Fed finalmente conseguir desacelerar a economia.
A atual corrida para o lixo se encaixa no quadro mais amplo de uma economia capaz de suportar juros mais altos e, ainda assim, apresentar inflação mais baixa. É no que todos gostaríamos de acreditar. Mas é difícil conciliar as evidências de problemas nas companhias alavancadas com a história financeira. As taxas de juros ainda poderão provar que têm garras.
Fonte: Valor Econômico

