Por Victor Rezende e Gabriel Roca — De São Paulo
04/04/2023 05h03 Atualizado há 4 horas
Os temores quanto à possibilidade de uma crise de crédito e a preocupação com a saúde do setor financeiro global tornaram ainda mais nubladas as perspectivas para a política monetária e os reflexos já têm sido vistos no comportamento dos ativos financeiros. Se, no fim de 2022 e no começo deste ano, o mercado colocou nos preços um cenário de juros em nível ainda mais contracionista, o que não se concretizou, agora os agentes financeiros começam a precificar a chance de um ciclo antecipado de flexibilização da Selic, enquanto os economistas se mostram mais alinhados ao discurso conservador emitido pelo Banco Central e o consenso só aponta para um processo de redução da taxa no fim deste ano.
“A dicotomia entre os traders e o Focus já vem de algum tempo”, observa o sócio e gestor de juros da Genoa Capital, Luiz Alberto Basqueira. “O Focus reflete, principalmente, o valor de face das sinalizações do Banco Central e um arcabouço que ainda tem uma meta de inflação de 3%. Com essa meta de hoje, o BC precisaria segurar os juros parados durante um período suficientemente prolongado para chegar ao redor da meta e, mesmo assim, os modelos mostram um IPCA mais alto. O Focus reflete essa comunicação”, diz. Já a curva de juros embute nos preços alguma mudança de meta, o que poderia abrir espaço para um corte antecipado na Selic. “É o que pode explicar essa divergência”, afirma.
Nas últimas semanas, o mercado começou a se ajustar para um cenário cujo balanço de riscos tem um viés mais baixista em relação à inflação. Os agentes embutem nos preços alguma possibilidade de cortes em junho e esperam uma Selic em torno de 12% no fim do ano. Esse cenário, inclusive, se manteve após a apresentação, na semana passada, das diretrizes do plano de arcabouço fiscal pelo Ministério da Fazenda, cuja recepção foi positiva no mercado, mas com alguma cautela diante das metas de resultado primário contidas na proposta.
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“Embora a ata da última decisão do Copom aponte para juros parados por um período prolongado e declare explicitamente que a aprovação de uma regra fiscal não era um sinal verde para a flexibilização da Selic, a incerteza fiscal e as questões relativas à independência do BC foram pilares para o aumento das expectativas de inflação e, portanto, para uma postura monetária cautelosa”, afirma, em relatório, o estrategista-chefe para mercados emergentes do Deutsche Bank, Drausio Giacomelli.
“Uma análise de regressão simples indica que o aumento inexplicado das expectativas em prazos mais longos responde pela maior parte do movimento nos últimos meses, e o descasamento coincidiu com declarações favoráveis a políticas heterodoxas”, diz Giacomelli. Ele, porém, avalia que a menor incerteza fiscal pode criar um círculo virtuoso, já que as expectativas inflacionárias poderiam cair, ajudadas pela inflação corrente menor.
“Em segundo lugar, a inflação e as expectativas mais baixas permitiriam que o BC se tornasse menos ‘hawkish’ [consevador], reduzindo, assim, as ameaças à independência. Uma vez que os mercados avaliam mais de perto os fundamentos econômicos do que os riscos políticos, eles também devem levar em consideração o aperto mais rápido que o esperado nas condições de crédito, mostrado em dados recentes. Ao todo, isso levaria toda a estrutura a termo da curva de juros para baixo”, diz o estrategista. O Deutsche, inclusive, tem posições que apostam na queda dos juros em prazos mais longos – em 2029, via NTN-Fs (títulos prefixados de longo prazo), e em 2031, via juros futuros.
A Schroders é outra casa que mantém posições que apostam na queda dos juros de mercado. Inicialmente, as apostas da gestora se concentravam nas taxas de curto prazo, diante da perspectiva de que as condições para o início do ciclo de cortes na Selic começaram a se estabelecer de modo mais evidente. Com os prêmios sendo cada vez mais consumidos nos juros de curto prazo, as posições foram sendo ligeiramente alongadas, relata o diretor de renda fixa da Schroders, Huang Seen.
“O primeiro ponto é que houve uma correção dos exageros do mercado no início do ano, que, por conta da expectativa de um risco fiscal maior, acabou retirando toda a precificação de cortes da curva e, no pior momento, chegou a esperar uma extensão do ciclo de aperto pelo BC Ainda que a autoridade mantenha essa possibilidade em aberto, a realidade é que o debate hoje está na possibilidade de cortar os juros e em quando isso deve acontecer.”
Seen aponta que a crise dos bancos regionais nos Estados Unidos e os problemas no setor financeiro levaram a uma precificação menor para os juros americanos. Já no Brasil, ele aponta que o aperto monetário já é sentido por diversas empresas, que têm apresentado dificuldade em rolar suas dívidas, ao mesmo tempo que há sinais positivos vindos da inflação e da desaceleração da atividade. “Aos poucos, vão sendo criadas as condições para um ciclo de afrouxamento monetário”, afirma.
O profissional da Schroders avalia que, embora o mercado mantenha um ceticismo grande com as questões fiscais do país, a reoneração dos combustíveis e a antecipação da proposta do novo marco das regras públicas parecem ter retirado um “risco de cauda” para os ativos locais. “Assim, o mercado está entendendo que existe espaço para esse ciclo voltar a acontecer, se não no primeiro semestre, no começo do segundo semestre”, diz.
É o que aponta, também, Basqueira, da Genoa, ao revelar que a gestora vinha com posições aplicadas em juros recentemente. “Nós víamos algum prêmio e achávamos atrativo nos juros de médio prazo devido a um cenário de desaceleração um pouco mais forte da atividade e a um viés mais positivo no sentido baixista para a inflação. Era a razão por nós estarmos com posições aplicadas. Além disso, veio a crise externa e o movimento do mercado foi muito forte nessa direção”, afirma. Ele observa que a curva de juros, no momento, precifica um ciclo de redução da Selic de quase 3 pontos percentuais até o fim de 2024 “e isso me parece estar mais justo pelas informações que nós temos hoje”.
Bancos estrangeiros, em particular, têm visto espaço para apostas em queda dos juros futuros já há algum tempo. Além do Deutsche Bank, o J.P. Morgan e o Barclays têm recomendação para posições aplicadas no DI para janeiro de 2026, enquanto os estrategistas do Citi veem espaço para queda adicional das taxas de curto prazo, com posições aplicadas no DI para julho de 2024. Em prazos mais longos, o Goldman Sachs tem posições aplicadas no DI para janeiro de 2029.
De acordo com André Kitahara, gestor macro da AZ Quest, os sinais de desaceleração da economia brasileira têm aumentado desde o fim do ano passado e, agora, há uma ampla confirmação desses indícios. “Começamos a colher dados macro de atividade desacelerando em todos os setores, exceto em serviços. Os dados são confirmações dessa hipótese de que a atividade vem perdendo força e dá para dizer que a desaceleração ocorre até de forma surpreendente”, diz. Ele, inclusive, acredita que, na medida em que os sinais de desaquecimento da economia ficarem ainda mais evidentes, o BC passará a dar mais importância ao fenômeno, que pode ter efeitos nas expectativas de inflação.
Para o gestor, mesmo com a queda recente dos juros locais, ainda há prêmios para serem retirados da curva. “Se a gente começar a discutir corte de juros, vai ser bem maior [que o precificado hoje]. Os juros estão muito restritivos e estamos muito longe do nível neutro. Acredito que vai ser um ciclo de cortes muito maior que 2,5 pontos, então vejo espaço para os juros caírem bastante ainda”, diz Kitahara.
Fonte: Valor Econômico
