Indicações de uma possível desaceleração mais forte da atividade econômica deram a sensação de que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central suavizou a sua comunicação na decisão de juros de ontem. Para economistas consultados pelo Valor, o comunicado indica uma postura menos conservadora na primeira reunião sob o comando do novo presidente do BC, Gabriel Galípolo.
O Copom cumpriu a indicação dada na reunião de dezembro ao elevar a taxa Selic em 1 ponto percentual, a 13,25%, além de ter mantido a orientação de outro aumento de 1 ponto na taxa básica de juros na próxima reunião, em março.
O economista-chefe da Occam, Paulo Val, acredita que o comunicado da decisão não indicou uma disposição de aumentar o “orçamento” (total de altas) do aperto monetário, apesar da desancoragem contínua das expectativas de inflação. “Com essa comunicação, tenho dificuldade de ver as expectativas do [boletim] Focus parando de subir”, afirmou.
No último relatório Focus, o mercado elevou a sua expectativa para o IPCA de 2025 de 5,08% para 5,5%. O Copom aumentou sua projeção de inflação no cenário de referência para a inflação no fim deste ano de 4,5% para 5,2%.
Na visão do economista-chefe da Occam, o Copom parece ter incorporado uma desaceleração mais forte da atividade, ao indicar de forma mais clara tal cenário entre os riscos de baixa para a inflação. Na sua visão, contudo, os diretores do BC podem ter se precipitado nessa avaliação.
A economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Natalie Victal, tem visão similar. “Dada a desaconragem das expectativas, acho perigoso o BC correr o risco de ser lido como ‘dovish’ [suave] e ele tomou esse risco. Não é um comunicado que parece que vai contribuir para desacelerar essa desancoragem”, observou.
Para Victal, o comunicado deu a entender que o BC está de olho na defasagem da política monetária ao colocar como risco de baixa da inflação uma desaceleração da atividade econômica doméstica, ao retirar o plural do “forward guidance” (prescrição futura) e ao não colocar nenhuma referência ao ritmo de altas para além de março.
“Pela comunicação, o BC não deu a entender que uma alta em maio é o mais provável”, disse. Diante de uma maior incerteza sobre os passos do Copom a partir de maio, a ata será bem importante para detalhar a avaliação atual do colegiado sobre a conjuntura econômica, segundo a economista da SulAmérica Investimentos.
Embora concorde com a ponderação de que a comunicação do Copom foi suavizada, o diretor-presidente e economista-chefe do Banco Ribeirão Preto (BRP), Nelson Rocha Augusto, classifica como positiva a mudança de tom e considera que está alinhada com o cenário econômico do país.
“Janeiro tem uma sazonalidade complicada, mas os dados de atividade e do mercado de trabalho mostraram sinais bastante importantes em termos de uma freada. Diminuiu o ímpeto, agora nós vamos ver queda”, disse.
Para Rocha, o quadro inflacionário não deve ser tão negativo quanto indicam o cenário-base do mercado e as próprias projeções do BC. Assim, o horizonte do BC para a inflação deve ser ajustado à medida que a alta da inflação de alimentos e o mercado de trabalho desacelerarem, afirmou.
Já para Mirella Hirakawa, economista e coordenadora de pesquisa da Buysidebrazil, a piora das projeções inflacionárias do BC mostra que uma Selic de 15%, conforme mostra o relatório Focus, pode não ser suficiente para levar a inflação à meta.
Como o Copom já tem uma nova alta contratada de 1 ponto para a reunião de março, a avaliação de Hirakawa é que cresceu a chance de uma elevação acima de 0,50 ponto na reunião de maio. “Eles podem anunciar uma alta de 0,75 ponto ou a manutenção do ritmo, a depender das dinâmicas das expectativas”, disse.
Na visão de Val, da Occam, o tom mais suave do comunicado mesmo diante de uma perspectiva inflacionária pior indica uma estratégia de alongamento da convergência da inflação.
“Há uma avaliação de que os juros talvez sejam suficientemente restritivos e que essa convergência vai precisar ocorrer num prazo mais longo”, afirmou Val, que considera que o orçamento de altas da Selic deveria ser maior considerando o quadro inflacionário corrente e projetado.
De olho na possibilidade de que a Selic tenha que ser mais alta que o projetado anteriormente, Hirakawa avalia que o diferencial de juros entre Brasil e EUA poderia ser maior mesmo se o Federal Reserve (Fed, banco central americano) mantivesse os juros estáveis até junho.
Após a decisão, o Bank of America (BofA) elevou a sua projeção para a taxa Selic de fim de ciclo de 13,25% a 15,25%, incluindo mais duas elevações de 1 ponto em seu cenário. Segundo o banco, a mudança se dá diante da “contínua deterioração das expectativas de inflação e a comunicação do BC”.
Fonte: Valor Econômico