Por Sérgio Tahuata — De São Paulo
18/11/2022 05h00 Atualizado
Um cenário no qual a dívida bruta do governo em relação ao PIB suba para 108,9% até 2026 pode ocorrer, caso a chamada PEC da Transição for aprovada da forma como foi apresentada, com a retirada por tempo indeterminado dos gastos do programa Auxílio-Brasil/Bolsa Família, afirma o economista da XP, Tiago Sbardelotto, em relatório divulgado nesta quinta-feira. Segundo o especialista, o impacto fiscal da proposta pode ser superior a R$ 225 bilhões.
“Apenas a elevação de despesas trazidas pela proposta pode trazer um crescimento de quase 12 pontos percentuais em um cenário que as despesas adicionais sejam corrigidas apenas pelo IPCA”, diz o economista. Nesse cenário, a relação dívida bruta/PIB alcançaria 87,6% em 2026. Caso as despesas tenham expansão real, ou seja, acima da inflação, a trajetória seria bem mais acentuada.
Para Sbardelotto, a sinalização do governo eleito aponta para a possibilidade de um crescimento real das despesas de 2% ao ano. Nessa situação, o endividamento público pode alcançar 92,9% no fim do mandato do presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva., com acréscimo de 17 pontos. O maior patamar atingido pelo indicador foi de 89% do PIB, em 2020, como reflexo das medidas tomadas para reduzir os efeitos econômicos da pandemia.
O problema, no entanto, pode se tornar ainda maior. De acordo com a XP, em um quadro de deterioração fiscal o Banco Central pode ter de, ao menos, manter os juros elevados por mais tempo. Caso a Selic permaneça em 13,75% ao ano e as despesas tenham crescimento de 2% acima da inflação, a dívida bruta do governo pode alcançar 108,4% do PIB em 2026.
A economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, acredita que o cenário de um endividamento acima de 100% do PIB seria o mais extremo. “A gente não tem ainda clareza sobre o tamanho da ‘ousadia’ do futuro governo Lula”, afirma. “Que terá uma política orientada para mais gastos, acho que isso parece claro, mas o grau de manobra para a expansão está menor porque agora existem regras que passaram a existir a partir do governo [Michel] Temer”, acrescenta.
Segundo Abdelmalack, “o esperado é que o Congresso venha a reduzir os excessos da PEC”. Na visão da economista, “o governo eleito parece querer incluir o máximo de espaço possível para as políticas sociais agora para evitar ter de negociar com o Congresso mais hostil que vai assumir em 2023”. A especialista pondera ainda que “política social é necessária, mas existe jeito de fazer uma reforma social baseada em uma reforma de gastos, com redesenho de programas e busca de maior eficiência sem recorrer a gastos fora do teto”.
A economista da Veedha aponta ainda que a discussão da PEC já foi suficiente para “empurrar a expectativa embutida na curva futura de corte de juros [pelo Banco Central] do meio de 2023 para a virada de 2024”. Desse modo, “dependendo de como for conduzida a negociação da proposta e se os gastos do Auxílio Brasil/Bolsa Família ficarem fora do teto por tempo indeterminado, isso, por si só, já seria suficiente para que o mercado passe a precificar um aumento de juros”.
O problema de deixar o Auxílio fora do teto por tempo indeterminado é a incerteza que se cria em torno da expansão fiscal sem controle. Sbardelotto explica que a retirada do programa do teto, da regra de ouro e da meta de superávit implica em isenção de limitações legais para criação ou expansão de despesas públicas, como a exigência de compensação. “Embora o custo [de manter o Auxílio em R$ 600] esteja estimado em R$ 175 bilhões, não há qualquer impeditivo à expansão além desse valor no ano que vem”, avaliou. E, mesmo que em 2024 as limitações voltassem, “não está claro se uma eventual expansão além dos R$ 175 bilhões em 2023 precisaria ser reduzida” no ano seguinte.
Para chegar ao impacto fiscal acima de R$ 225 bilhões, o economista cita a excepcionalização do teto de gastos e da meta de resultado primário das despesas com investimentos em montante que corresponda ao excesso de arrecadação de receitas correntes do exercício anterior referida na lei orçamentária, limitadas a 6,5% do excesso de arrecadação de receitas correntes do exercício de 2021. “Por ora fala-se em um impacto de R$ 22 bilhões [considerando-se excesso de arrecadação em relação às receitas projetadas].”
Além disso, a saída do teto de despesas com projetos socioambientais ou relativos às mudanças climáticas custeadas por doações, além das despesas das Universidades Federais custeadas por receitas próprias, doações ou convênios representaria um impacto de R$ 3 bilhões a R$ 5 bilhões.
Uma elevação de despesas da ordem de R$ 24 bilhões acima do teto pode vir ainda da mudança de atualização da estimativa de IPCA, que corrige o teto de gastos. De acordo com o economista da XP, uma mudança realizada na Lei de Diretrizes Orçamentárias deste ano estabeleceu que a definição do IPCA caberia ao Congresso, que mostra pouca disposição para alterar a estimativa original de 7,2%. “Somente essa ausência de atualização já implica elevação de despesas de R$ 24 bilhões”, diz o especialista.
Fonte: Valor Econômico

