Por Gabriel Caldeira e Augusto Decker — De São Paulo
19/09/2023 05h03 Atualizado há 6 horas
As bolsas americanas e o Ibovespa caminharam em direções parecidas até aqui em 2023: acumulam altas este ano – embora os índices de Nova York estejam com desempenho superior -, mas tiveram um mês de agosto negativo e mantêm a tendência em setembro. Entretanto, há diferenças no contexto dos países. Enquanto os Estados Unidos discutem se os juros podem subir ainda, por exemplo, o debate no Brasil é o ritmo de queda e o nível da taxa no fim do ciclo. Além disso, enquanto a perspectiva de queda de juros impulsionou a bolsa no Brasil, os índices americanos foram sustentados principalmente por ações de tecnologia.
Para gestores, ainda há expectativa positiva para a bolsa americana. Já a correlação com o Ibovespa tende a não seguir, dada a diferença na composição dos índices – com o setor de tecnologia mais pesado nos Estados Unidos e o de commodities no Brasil – e a situação de outros países emergentes, em especial a China.
“O que parecia impossível no início do ano, a inflação americana acalmar sem a economia cair em recessão forte, é o que está acontecendo. Isso é positivo para risco e ações [dos EUA]”, afirma o diretor de investimentos da WHG, Andrew Reider. “Por mais que a revisão de lucro continue para baixo, o mercado começa a ficar mais confortável com o final do ciclo de aumento de juros, que foi bem forte nos últimos 18 meses.” Para o gestor, os próximos indicadores americanos ainda devem mostrar desaceleração da atividade. “Agosto teve muitos dados fortes e achamos que isso não foi um retrato correto”, diz. “Se a inflação realmente estiver caindo como achamos, o ciclo de altas nos juros americanos acabou ou então vem mais uma alta, e a dúvida passa a ser quando começa a cortar”, afirma.
Mesmo que os juros nos Estados Unidos subam mais ou sigam no atual patamar, superior a 5%, por muito tempo, o ímpeto das ações americanas não deve arrefecer, de acordo com Mathieu Racheter, estrategista-chefe de ações do Julius Baer. Segundo ele, as empresas americanas de alta capitalização se beneficiaram do ambiente de juros altos para comprar Treasuries e outros instrumentos de mercados monetários de curto prazo. Assim, o amplo caixa dessas companhias pôde ser revertido em rendimentos com a aquisição desses títulos.
“O ‘bull market’ estrutural está intacto”, avalia Racheter, utilizando o jargão do mercado financeiro que designa um período de busca por ativos atrelados a um maior risco. Na opinião do estrategista, os indicadores fortes da economia americana apoiam o cenário de “pouso suave” do país.
Uma das consequências de indicadores fortes no início do mês foi a alta expressiva dos rendimentos dos Treasuries, que pesou negativamente sobre as bolsas. Ruy Alves, gestor de macro global da Kinea, diz que esse movimento não deve durar. “Não temos uma visão de taxa de juro longa que saia de controle. Então, nessa concepção, o cenário para bolsa americana talvez seja o cenário de bolsa mais positivo do mundo, porque o resto do mundo tem economia em desaceleração e a economia chinesa vive problemas.”
O cenário positivo para as ações nos EUA não significa, contudo, que os índices não devem passar por alguma correção no segundo semestre. O S&P 500, por exemplo, acumula alta em torno de 16% de janeiro para cá, e teve em agosto apenas seu segundo mês de perdas em todo o ano.
Racheter crê em uma correção, mas espera que ela seja moderada, de menos de 10% de queda. “Acreditamos que os mercados irão se consolidar e voltar a subir a partir do quarto trimestre, quando tivermos evidência suficiente para que o pouso suave seja o cenário-base” do mercado.
Embora a visão geral do mercado esteja positiva, nem todos os gestores compartilham do otimismo. “Se olharmos a história de todos os ciclos de ajuste monetário nos últimos cem anos, é muito difícil ter um ciclo de aperto forte como tivemos que não desacelere a atividade de maneira muito significativa”, lembra Fabiano Godoi, sócio e diretor de investimentos da Kairós Capital.
Godoi destaca dois principais fatores que podem estar “empurrando” a desaceleração para o futuro: o longo período de juros próximos de zero durante a crise da covid-19; e o perfil fiscal expansionista do governo do presidente Joe Biden. Segundo ele, ambos fatores devem deixar de influenciar o desempenho da economia e das ações americanas nos próximos meses. “Nossa visão é a de que as ações estão caras, [é necessário] pelo menos uns 10% a 15% de correção pra achar que as coisas estão mais adequadas com o que esperamos de desaceleração à frente.”
O cenário de recuo das bolsas em Nova York tende a prejudicar ações de mercados emergentes, incluindo o Brasil, afirma o executivo. “Somos uma pequena parte do mecanismo econômico global. Se de fato tivermos uma desaceleração mais forte nos países desenvolvidos e na China, é difícil imaginar que a vida de forma geral para países emergentes vai ser uma maravilha.”
Fonte: Valor Econômico

