Investidores voltaram a adicionar prêmios de risco aos ativos locais ontem com a persistência de pressões externas e locais. As taxas dos contratos de juros futuros indicam que o mercado praticamente já não vê mais espaço para que o Banco Central (BC) continue a cortar a Selic em 2024. Enquanto isso, durante o dia o dólar bateu no maior patamar em mais de um ano e o Ibovespa fechou no menor nível desde novembro.
O dólar terminou a sessão com alta de 1,64%, a R$ 5,2697, no maior nível de fechamento desde 23 de março de 2023. Na máxima do dia, a moeda americana chegou a R$ 5,2873. A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2027 disparou de 10,765% para 11,06% no ajuste; enquanto a do DI para janeiro de 2029 saltou de 11,315% para 11,60%. O Ibovespa recuou 0,75%, aos 124.388,62 pontos, seu patamar de fechamento mais baixo desde 14 de novembro.
As incertezas em relação a quando começará o ciclo de afrouxamento monetário nos Estados Unidos e a consequente reprecificação dos juros americanos seguem punindo os ativos de risco. E os mercados locais ainda sofrem com a piora na percepção de risco interno, à medida que investidores exigem prêmios de risco mais elevados após o governo ter sinalizado que o ajuste fiscal será mais lento que o anteriormente anunciado.
Parte dessa piora já é refletida, inclusive, no comportamento do credit default swap (CDS) de cinco anos, medida usada para calcular as chances de calote externo. O CDS brasileiro começou o mês de abril em 137 pontos e, ontem, chegou a 161 pontos, maior nível desde novembro. Assim, no acumulado do mês, o risco Brasil exibe uma alta de 17%, mais intensa que o movimento de outros mercados emergentes no mesmo período.
Adicionalmente, a ação inesperada do Banco do Povo da China (PBoC) de enfraquecer a defesa do yuan emitiu um sinal de dólar mais forte para o mercado. Não por acaso, a Indonésia promoveu uma intervenção no câmbio e a Coreia do Sul alertou sobre os riscos da depreciação da moeda.
O sentimento externo, assim, guiou os mercados e as moedas de países da América Latina sofreram de forma expressiva durante a sessão. No fim da tarde, o dólar saltava 2,06% contra o peso mexicano; subia 0,74% em relação ao peso chileno; e tinha alta de 0,84% ante o peso colombiano. Nessa linha, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou durante entrevista em Washington, nos EUA, que notícias externas ao Brasil explicam “dois terços” do que está ocorrendo com o câmbio local.
Na avaliação do economista-chefe do Banco Fibra, Marco Maciel, o nível do câmbio atual, em torno de R$ 5,25 por dólar, é um patamar de “overshooting” (exagero), com riscos superdimensionados. Em seus cálculos, acredita que, em situações extremas, especialmente derivadas de um agravamento do conflito no Oriente Médio, o dólar poderia ir a R$ 5,45 ou R$ 5,50. “Mas, no momento atual, para o nível dos juros americanos que temos visto hoje, o dólar a R$ 5,25 me parece um exagero.”
Um valor justo para o câmbio, na visão de Maciel, estaria, neste momento, entre R$ 5,05 e R$ 5,10 por dólar. “Por que não R$ 4,90 ou R$ 5,00, como muitos no mercado ainda defendem? Porque aí entra a questão fiscal no Brasil. O mercado já tem números piores de resultado primário no futuro, mas a mudança nas metas de 2025 e 2026 faz diferença. É um pouco prematuro já apresentar um cenário desses. Por isso o mercado digeriu mal, pelo menos por agora. As coisas podem melhorar um pouco mais à frente, mas vejo um valor justo perto de R$ 5,10”, afirma.
O economista destaca, como fator essencial, o rumo dos juros nos EUA e a dinâmica dos Treasuries, os títulos do Tesouro americano, de curto prazo. Com as taxas americanas dos papéis mais curtos entre 4,9% e 5%, o dólar estaria mais consistente com o nível de R$ 5,17. Já com os juros americanos um pouco mais baixos, com a taxa de dois anos caindo a 4,7%, seria possível o câmbio buscar o nível de equilíbrio projetado por Maciel.
No curto prazo, diz Leonardo Morales, sócio da SVN Gestão, a piora aguda dos ativos é provocada por um movimento de “stop loss” (limitação de perdas) nos Treasuries, até para gestores brasileiros que tinham posição montada na curva americana. Isso, em sua visão, gera um efeito cascata nos mercados locais, com fundos multimercado sofrendo e fazendo com que gestores vendam outras posições. Pensando nesses produtos mais macro, diz, a bolsa ganha mais competição no curto prazo, já que a piora dos outros mercados pode criar pontos de entrada.
O executivo também opina que, quando ocorrem movimentos como o dos últimos dias, não é possível atribui-los a uma só razão. “Depois da precificação fortemente otimista – que me pareceu exagerada na altura – de cortes de juros nos EUA neste ano não se materializar, o pêndulo do mercado está caminhando para o outro lado, o que também me parece extremado. A revisão da meta por aqui traz, obviamente, ruído adicional, mas vejo a dinâmica recente como algo muito mais técnico”, diz, notando que sua visão é taticamente mais construtiva do que o que tem visto por parte de outros investidores.
Projeções para a Selic ao fim do ciclo de cortes têm sido revistas e, com a piora local, ganharam mais corpo. Enquanto isso, os preços de mercado praticamente anulam o espaço para que o BC continue a cortar a taxa em 2024.
Segundo os economistas do BTG Pactual, a deterioração do cenário externo e doméstico levará o BC a reduzir o ritmo de flexibilização monetária a partir da reunião de junho e a cortar a taxa básica de juros menos que o esperado. A projeção do banco para a Selic no fim deste ano passou de 9,5% para 9,75%, enquanto a expectativa para o juro em 2025 subiu de 8,5% para 9%.
Na mesma direção, o BNP Paribas espera agora uma Selic de 9,5% no fim do ano, de 9%. A revisão foi justificada pela piora nas perspectivas de inflação no ano corrente.
Já os preços de mercado embutem um cenário ainda mais restritivo para a taxa Selic no fim do ano, que, segundo a precificação extraída da curva de juros, pode encerrar 2024 em 10,5%. Isso indicaria que o Banco Central não realizaria o corte de 0,5 ponto percentual em maio, que foi sinalizado pelo Copom na reunião de março.
No contexto de piora do ambiente doméstico, o Citi encerrou a recomendação de apostar na queda do DI com vencimento para janeiro de 2025. “O BC mencionou os riscos fiscais como um fator importante para as perspectivas de inflação e taxas, especialmente porque a política fiscal teve um efeito importante na ancoragem da expectativa de inflação. Nesse sentido, estamos preocupados com a possibilidade de o BC voltar atrás em sua orientação futura para a reunião de maio e cortar menos de 0,5 ponto percentual”, dizem os estrategistas do banco.
fonte: valor econômico