A percepção de que o ambiente econômico em vigor requer juros mais elevados e que precisarão ficar em níveis bastante restritivos por um tempo ainda maior tem tido cada vez mais adeptos. Na semana passada, o Santander elevou sua projeção para a Selic de 13,5% para 14,25% no fim deste ano e passou a ver a taxa em 12% em dezembro de 2023, diante de um processo de desinflação que será ainda mais lento à frente e que, portanto, exige uma Selic ainda alta por um longo período.
“O cenário que o Banco Central utilizou na última reunião do Copom ficou antigo muito rápido, ao se ter em vista que, desde então, foram aprovadas novas legislações relacionadas a combustíveis e que aumentavam as transferências do governo. Isso tem implicações no cenário. Além disso, o mercado de trabalho está evoluindo muito bem e está muito mais aquecido do que nós imaginávamos. A economia está mais forte que o antecipado, com uma composição do mercado de trabalho forte, o que indica uma ociosidade menor do que o BC imaginava”, afirma o superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander, Mauricio Oreng.
Para ele, a autoridade monetária deve elevar suas projeções de atividade e de inflação, o que pode gerar uma revisão do plano de voo da política monetária. “O BC continua comprometido com uma estratégia de levar a inflação para o redor da meta. Com uma atividade mais forte e expectativas de inflação que subiram desde o último Copom, tentamos antecipar a ideia de plano de voo do BC”, diz Oreng ao apontar para a expectativa do Santander de uma Selic a 14,25%.
Para o próximo ano, o banco ainda projeta uma inflação bem acima da meta, com o IPCA em 5,7%. Em relação a 2024, porém, o Santander estima um IPCA em 3%, mas em um cenário em que o juro fica restritivo por bastante tempo. “O horizonte de convergência da inflação será mais longo e, então, o BC tem de se comprometer com a meta de 2024, onde a incidência dos choques deve ser menor e, assim, ele vai ter melhores condições para levar a inflação para o centro da meta”, avalia.
Uma fonte de preocupação de boa parte no mercado no momento está no fato de as expectativas de inflação de 2024 terem se afastado ainda mais do centro da meta, ao subirem de 3,25% para 3,30% no Focus. Em agosto, o ano-calendário de 2024 passa a ser contemplado oficialmente no horizonte relevante da política monetária.
“Ainda é cedo para as expectativas de 2024 subirem e elas já iniciaram esse movimento. É um filme parecido com o que vimos no ano passado, mas claro que há uma diferença no nível dos juros. O BC tinha números bem baixos, até bem diferentes do mercado, e as expectativas foram convencendo [a autoridade] a alterar o plano de voo”, lembra o economista-chefe para Brasil do Bahia Asset Management, Luiz Maciel, cuja projeção para a Selic subiu de 13,75% para 14,25%.
Maciel se mostra preocupado não só com a dinâmica das expectativas de inflação, mas também com os níveis elevados dos núcleos em um ambiente de mercado de trabalho mais aquecido e política fiscal mais expansionista. Para o economista, se o cenário da gestora se confirmar e os próximos meses mostrarem núcleos de inflação ainda pressionados, as expectativas podem continuar a subir e, assim, o BC pode encontrar dificuldade para interromper o ciclo.
“No último trimestre deste ano já entra o ano de 2024 no horizonte relevante [em igual peso em relação a 2023]. Ele pode se apoiar nessa narrativa, mas acredito que ele tenha que parar de uma maneira muito ‘hawkish’ [inclinada ao aperto monetário], deixando claro que pode voltar a subir, se necessário, para as expectativas não saírem de controle”, afirma Maciel. O Bahia Asset projeta o juro básico em 12,25% no fim de 2023, nível bem acima do consenso do mercado revelado no último Focus (10,5%).
O economista-chefe da WHG, Fernando Fenolio, também incorpora em seus cenários um processo de desinflação da economia brasileira bastante lento, ao projetar o IPCA em 5,3% no próximo ano. Para ele, a persistência das pressões inflacionárias deve deixar pouca margem para reduções mais agressivas nos juros no próximo ano. “É uma inflação que fica consistentemente acima da meta. Inclusive, para 2024, acreditamos que a inflação pode ficar ao redor de 4%.”
A WHG espera que o juro básico fique em 13,75% no fim do ciclo e avalia que o BC só encontrará as condições para reduzir a Selic em junho de 2023. “Rodando alguns modelos, nos parece que 13,75% é menos do que ele deveria fazer em termos de juros, mas manter essa taxa parada por um longo período de tempo é o que ele vai acabar fazendo. A partir de junho, os cortes devem ser suaves, levando a Selic para 12,25% no fim do ano”, diz.
Para Fenolio, há inclusive riscos que podem levar a autoridade a retomar as altas de juros no ano que vem. “Seja por conta do câmbio mais elevado; de um Federal Reserve mais ‘hawkish’; da atividade mais forte em 2022; ou devido ao afrouxamento fiscal, que pode ser permanente.”
O estrategista-chefe da Constância Investimentos, Alexandre Lohmann, observa que a inflação corrente acima do teto da meta e uma política monetária nos Estados Unidos bem mais apertada tornam difícil um encerramento do ciclo de elevação da Selic em agosto, ainda mais em um contexto de desancoragem das expectativas. “Parar de subir os juros em um cenário tão complicado pode ser prejudicial. A curva de juros está precificando uma Selic acima de 14%. O BC vai ter dificuldade de parar o ciclo.”
Em seu cenário básico, Lohmann projeta a Selic em 14,25% neste ano e em 11,75% no fim de 2023, mas adota um viés de baixa em relação à projeção para a taxa básica no próximo ano. “As expectativas de inflação vão ser super importantes. Até agora, vimos uma deterioração forte, mas os cenários não pegaram tanto a queda nos preços das commodities e a possibilidade de acordo entre Rússia e Ucrânia sobre exportação de grãos, o que pode reduzir o prêmio de risco. Aos poucos, as expectativas podem sofrer uma reversão e, assim, o BC pode achar espaço para cortar os juros no ano que vem”, diz o estrategista.
“O mundo está caminhando para uma recessão e isso pode fazer as expectativas derreterem”, afirma Lohmann, ao justificar o viés de baixa para a Selic em 2023.
Fonte: Valor Online