O “trade Tarcísio” perdeu força de forma significativa entre os participantes do mercado. A frustração dos agentes financeiros com o cenário eleitoral se fortificou e deu espaço à sensação de que a disputa de 2026 pode resultar na manutenção da atual política econômica.
Grosso modo, as apostas otimistas que os investidores vinham fazendo com a compra de bolsa e do real e a perspectiva de queda dos juros deu espaço a um ambiente de maior volatilidade, o que se refletiu no comportamento dos mercados de ontem.
O gatilho foi a divulgação da pesquisa Genial/Quaest, que consolidou a percepção de perda de força de uma possível candidatura ao Planalto do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) — algo que já fez preço antes mesmo de o levantamento oficial ser divulgado.
O mercado doméstico já deu início ao dia com bastante tensão em meio a rumores sobre números da pesquisa. Durante a tarde, o instituto de pesquisa divulgou os números oficiais — que se comprovaram —, o que deu um alívio momentâneo ao mercado. No entanto, predominou a leitura de enfraquecimento da candidatura de Tarcísio de Freitas, o que frustrou boa parte dos participantes do mercado e voltou a provocar uma piora nos preços, que se tornou ainda mais aguda na reta final da sessão nos derivativos.
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O Ibovespa registrou forte desvalorização de 2,40%, terminando o dia aos 158.578 pontos, enquanto o dólar à vista apreciou 0,73%, cotado a R$ 5,4624. O real teve o segundo pior desempenho das moedas acompanhadas pelo Valor, apenas melhor do que o peso argentino.
Fechados os mercados à vista de bolsa e câmbio, o estresse se estendeu para os negócios com derivativos, com possível acionamento de “stop loss”, mecanismo que encerra posições em meio a uma mudança no comportamento dos ativos. Isso levou o contrato futuro do Ibovespa para dezembro a cair 3,18% e o dólar para janeiro a avançar 1,77%.
No mercado de juros futuros, a taxa do Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2031 saltou de 13,26% para 13,435%. Já nos juros reais, também houve um salto nas taxas das NTN-Bs: a taxa do papel com vencimento em 2029 subiu de 7,841% para 7,930%.
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“O Tarcísio ficou bem mais fraco e o Flávio [Bolsonaro] mais forte. Isso aumentou a chance de o Lula ganhar”, observa o chefe de investimentos (CIO) e sócio da Novus Capital, Luiz Eduardo Portella. Para ele, a nova pesquisa deixou mais distante a possibilidade de que Flávio desista de concorrer à Presidência no ano que vem. Por isso, Portella diz acreditar que a candidatura do atual governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), pode ganhar força, já que será difícil que Tarcísio adote uma postura “contra a família Bolsonaro”.
Diante do aumento do risco eleitoral, Portella afirma ter zerado posições compradas (que se beneficiam da alta) em bolsa local e aplicadas (que ganham com o recuo) em juros futuros. Atento a uma piora ainda maior do mercado, o gestor da Novus diz ter montado posição vendida (que se beneficia da queda) em ações brasileiras e comprada em dólar contra real.
Em virtude do fortalecimento do nome de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na pesquisa de ontem, com mais de 20% das intenções de voto, o CEO da gestora de ações AlphaKey, Christian Keleti, avalia que a tendência é de que Tarcísio saia da disputa presidencial, aumentando assim a chance de uma chapa entre Ratinho e o atual governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). “Porém, o desafio é que o mercado ainda precisa acreditar que essa dupla [Ratinho e Zema] pode ter entre 25% e 30% das intenções de votos no primeiro turno, a ponto de superar os 20% que o Flávio conseguiu agora na pesquisa”, afirma.
Houve reflexos da pesquisa nas bolsas de apostas, que têm sido acompanhadas de perto pelo mercado. Ao longo do dia, no site Polymarket, a chance de vitória de Tarcísio na eleição do próximo ano perdeu força e, no fim do dia, estava em 17% contra 20% de probabilidade de uma vitória de Flávio Bolsonaro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantinha uma chance maior de vitória no site, de 47%.
Assim como a Novus, outros investidores apontaram ajustes em suas carteiras diante da mudança na perspectiva eleitoral. O trader da tesouraria de um grande banco local diz, na condição de anonimato, que, ainda que as eleições estejam distantes, sua estratégia agora é a de operar contra qualquer movimento significativo de mercado nas atuais condições. “As chances de Tarcísio estão diminuindo e, como ele é, atualmente, o candidato potencial mais alinhado ao mercado, há uma reprecificação em andamento.”
A preocupação com o cenário eleitoral não se deu apenas por conta da pesquisa Quaest. Ao longo do dia, relatos sobre uma reunião do presidente nacional do Progressistas (PP), senador Ciro Nogueira (PI), com o mercado, afirmando que Flávio não irá desistir de sua candidatura à Presidência, o que pode ter ajudado a aumentar a pressão sobre os ativos domésticos. “Não acho que isso seja uma novidade, mas como [Ciro Nogueira] é Centrão raiz — e o Centrão ainda não estava aceitando o Flávio tão bem —, talvez tenha sido esse o motivo para a piora adicional dos mercados no fim do dia”, afirma o estrategista de uma importante casa.
Os ajustes feitos repentinamente nas carteiras na sessão de ontem ajudaram a elevar o volume financeiro negociado por alguns ativos. No pregão, o giro financeiro do Ibovespa foi de R$ 21,4 bilhões, bem acima da média diária deste ano, de R$ 16,3 bilhões. Já no mercado futuro de dólar, o volume negociado ontem no contrato para janeiro de 2026 foi de US$ 13,35 bilhões, acima da média do mês até então, de US$ 12,90 bilhões.
Segundo gestores, o forte movimento de reprecificação dos ativos na sessão fez o Índice de Força Relativa (IFR) do Ibovespa se distanciar um pouco mais da zona “sobrecomprada”, que mostra uma certa euforia do mercado. No fim do dia, o IFR, que monitora as oscilações de preço para sinalizar possíveis movimentos de reversão de alta ou de baixa de algum ativo financeiro, estava em 53 pontos, sendo que a região de sobrecompra é acima de 70, patamar que estava antes do anúncio da pré-candidatura de Flávio.
No caso do câmbio, apesar do cenário eleitoral ter sido mencionado como um possível gatilho para a volatilidade forte do começo das negociações de ontem, operadores também mencionaram o fluxo sazonal de fim de ano como outro possível motivo para a dinâmica.
O chefe de futuros da Warren Investimentos, Daniel Paes Manso, corrobora a leitura e diz que o câmbio ontem foi bastante pressionado pelo cenário eleitoral, mas também por possíveis saídas de dólares. “Começo a achar que o estresse no câmbio teve também a ver com o fluxo de saída comum desse período do ano”, diz, apontando que, na manhã de terça-feira, o movimento do dólar frente ao real ficou marcado pela instabilidade, comum em períodos de disfuncionalidade no câmbio.
Fonte: Valor Econômico


