A eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e seus potenciais efeitos sobre a política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) se somam a um cenário doméstico desafiador para o Banco Central (BC), de atividade econômica aquecida, expectativas de inflação desancoradas da meta de 3% ao ano e incerteza com a política fiscal. Após a reunião do comitê de Política Monetária (Copom) na quarta-feira, importantes instituições financeiras locais e estrangeiras aumentaram suas estimativas para o ciclo de aperto monetário do colegiado, sob o pretexto de que as condições macroeconômicas internas e externas devem exigir uma postura mais conservadora nos próximos meses.
O Copom confirmou as expectativas dos agentes financeiros ao elevar a taxa Selic de 10,75% para 11,25% nesta semana. A ausência de uma orientação futura (“forward guidance”) quanto às próximas decisões e as sinalizações lidas pelo mercado como mais duras abriram espaço para uma série de revisões das projeções para a taxa básica de juros.
Segundo a economista-chefe da Tenax Capital, Débora Nogueira, com a vitória expressiva de Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, aumentou a probabilidade de que suas promessas de campanha entrem em vigor já no primeiro ano de mandato. “A vitória de Trump já era o cenário-base, mas com uma votação popular tão elástica e o partido [republicano] comandando as duas casas legislativas, suas promessas de campanha, que devem ser inflacionárias, devem entrar em vigor já no primeiro ano”, afirma.
Em meio ao cenário externo mais desafiador, a mensagem mais conservadora emitida pelo Copom no comunicado de quarta-feira também contribuiu para que a gestora revisasse sua estimativa para o ciclo de aperto monetário no Brasil. A Tenax espera, agora, uma Selic de 13,25% no ano que vem, de 12,75%.
“É um ambiente externo menos benigno para emergentes, com dólar mais forte. Além disso, também esperamos uma inflação mais alta”, afirma Nogueira. Segundo ela, o cenário global de dólar apreciado acaba se encontrando com a situação particular brasileira, que está longe de ser positiva. “Não estamos com uma história doméstica benigna em meio a esse cenário externo desafiador para emergentes. É um piquenique à beira do vulcão”, resume.
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O economista-chefe da Reach Capital, Igor Barenboim, vai na mesma linha da profissional da Tenax Capital. Para ele, a evolução do cenário macroeconômico no Brasil e nos Estados Unidos aumentou a chance de que a Selic tenha de subir a 14%. Além das políticas inflacionárias de Trump, a perspectiva de déficit fiscal maior nos Estados Unidos por conta da eventual redução de impostos ao setor privado tende a pressionar os juros longos no país, o que aumenta o custo do capital para os mercados fora dos Estados Unidos, diz.
Esses dois fatores, somados, indicam que o Copom pode ter que adotar uma postura mais conservadora no curto prazo, avalia Barenboim. Mesmo assim, o economista entende que ainda não é o momento de revisar seu cenário-base de taxa Selic em 13% ao fim do ciclo de aperto monetário, com cortes para 12% até o fim de 2025. Segundo ele, a perspectiva para a política monetária local depende muito do que o governo fará no campo fiscal.
“Se a gente tiver realmente a desancoragem total das expectativas [de inflação], o câmbio continuar depreciando, aí realmente vou ter que rever o cenário, de repente indo para 14% de Selic e sem espaço para cortar. Mas não estou convencido de que esse dólar ao redor de R$ 5,70 seja algo permanente. Isso vai depender muito da reação do governo”, afirma Barenboim.
A XP, por outro lado, revisou de forma agressiva a sua expectativa para a taxa Selic ao fim deste ciclo, de 12% para 13,25%, “diante de um cenário mais desafiador para a inflação e a nova previsão do Copom” para o IPCA, que passou de 3,5% a 3,6% dentro do horizonte relevante de projeção do BC mesmo com a estimativa de juros mais elevados.
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Entre as instituições estrangeiras, o banco americano J.P. Morgan aumentou a sua projeção para a Selic no fim de ciclo de 12% para 13%. “O ambiente global agora parece mais incerto, e a redução da flexibilização [da política monetária] no exterior provavelmente manterá o real mais depreciado do que esperávamos inicialmente”, escrevem Cassiana Fernandez, economista-chefe para América Latina do banco, e os economistas Vinicius Moreira e Mirella Mirandola Sampaio.
A incerteza externa se soma “a um hiato do produto apertado, um mercado de trabalho restrito e pressões inflacionárias iminentes do aumento dos preços de bens e alimentos, o que provavelmente levará o BC a continuar aumentando os juros por mais tempo”, dizem os economistas do J.P. Morgan. De acordo com eles, é possível que o BC não precise subir tanto os juros até o primeiro semestre de 2025 caso um “plano crível para lidar com desafios fiscais estruturais” seja implementado pelo governo, “mas ainda não se sabe se esse ajuste será feito”, ressaltam.
A política fiscal do governo é, aliás, o principal motivo apontado pelo Rabobank para esperar um ciclo de aperto monetária mais forte do BC, de acordo com os estrategistas Mauricio Une e Renan Alves. Agora, o banco holandês também projeta uma Selic de 13% no fim do ciclo, de 12,5% na estimativa anterior.
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Já o economista-chefe para Brasil do Barclays, Roberto Secemski, considera em seu cenário-base um aumento menor da Selic ao fim do atual ciclo de aperto, para 12,75%, de 12% na projeção anterior.
A revisão leva em conta “as previsões de inflação mais altas do BC em meio à contínua deterioração da inflação corrente; alguma contaminação das expectativas de inflação; o mercado de trabalho muito apertado sustentando a alta inflação dos serviços básicos; e um ambiente externo que pode ser mais adverso para os mercados emergentes em geral, dada a maior incerteza sobre as futuras medidas do Fed”, cita o profissional do Barclays.
Fonte: Valor Econômico

