Os mercados dão como certa uma paralisação da máquina pública nos Estados Unidos. Apesar de, historicamente, causar danos modestos à economia americana, a ameaça de um novo “shutdown” chega em um momento de maior fragilidade e pode fazer com que os mercados exijam prêmios adicionais pelos ativos financeiros americanos.
No site de apostas Polymarket, a chance de um “shutdown” nos EUA neste ano saltou para 76% na manhã desta quinta-feira, diante do impasse em torno dos projetos de lei para financiar as agências federais no novo ano fiscal, que tem início em 1º de outubro. O Congresso tem até o fim deste mês para aprovar 12 propostas, mas, caso elas não passem a tempo, o governo não teria, portanto, uma autorização legal para gastar em diversas áreas.
E, neste momento, um acordo parece distante, o que tem elevado os riscos de um “shutdown”.
“Por si só, uma paralisação curta teria apenas um impacto modesto sobre o crescimento econômico (uma semana pode reduzir em cerca de 0,1 ponto percentual o PIB a uma taxa anualizada). No entanto, pode ter um efeito importante ao atrasar a divulgação de dados econômicos”, observa o economista Atakan Bakiskan, do banco alemão Berenberg. Isso porque a Casa Branca poderia classificar os funcionários das agências de estatísticas como “não essenciais”, o que interromperia os trabalhos de pesquisa.
É nesse sentido que Bakiskan avalia que há um potencial elevado de instabilidade nos mercados, diante do “mood” bastante “dependente de dados” que o Federal Reserve (Fed) tem adotado. “Num momento em que a incerteza sobre a economia já é elevada e o Fed pretende basear sua próxima decisão de juros (29 de outubro) em grande parte nesses dados, atrasos nas publicações provavelmente aumentariam a volatilidade dos mercados.”
O chefe de estratégia de juros americanos do BMO Capital Markets, Ian Lyngen, vai na mesma linha.
Em breve comentário, Lyngen lembra que, no recorde de 35 dias de “shutdown” que ocorreu no primeiro mandato de Donald Trump, houve reação na curva de juros americana. “É certo que uma paralisação breve não representaria um risco material para a economia americana (em termos de PIB real), embora devamos lembrar que a reação do mercado de Treasuries no episódio de 2018-2019 foi de ‘bull steepening’”, ou seja, uma inclinação da curva puxada por queda mais forte nos juros de curto prazo.
“Se houver algum efeito, o risco de ‘shutdown’ seria consistente com um prêmio modesto na ponta curta da curva e com um viés de inclinação no momento”, avalia Lyngen. Assim, o nível atual dos Treasuries de dez anos, que têm operado com taxas entre 4,0% e 4,2% nas últimas semanas, pode sofrer alguma pressão extra.
O economista Michael Pugliese, do Wells Fargo, observa, porém, que o possível “shutdown” atual não tem relação com o teto da dívida, já que o limite do endividamento americano foi elevado em US$ 5 trilhões pelo projeto de lei de cortes de impostos de Trump aprovado em julho. “Portanto, o governo não ficará sem capacidade de se financiar e a emissão de Treasuries não será impactada”.
Pugliese, porém, concorda com Bakiskan, do Berenberg, ao avaliar que uma paralisação prolongada da máquina pública nos EUA e atrasos em dados-chave “injetariam ainda mais incerteza na política monetária”.
Além disso, ele avalia que a incerteza não deve ser dissipada tão cedo. “Mesmo que um projeto de curto prazo seja aprovado nos próximos dias, evitando um ‘shutdown’ agora, é provável que um novo embate orçamentário ocorra ainda antes do fim deste ano.”
Com um Fed cada vez mais dependente de dados e um mercado atento à curva de Treasuries, até um ‘shutdown’ historicamente visto como ruído pode ganhar contornos de risco real neste ciclo.
Fonte: Valor Econômico

