Por Ryan Dube e Gabriele Steinhauser — Dow Jones Newswires, de San Luis
23/01/2023 05h00 · Atualizado
Construído perto de um vulcão, o maior projeto de infraestrutura da história do Equador, um colosso de concreto pago com dinheiro chinês e inaugurado em 2016, exibe milhares de rachaduras e despertam temor de uma ruptura.
A usina hidrelétrica de Coca Codo, de US$ 2,7 bilhões, é um dos muitos projetos que foram financiados pela China ao redor do mundo e agora se veem assolados por falhas de construção. Além disso, a erosão nas encostas montanhosas do rio Coca ameaça danificar a barragem.
“Podemos perder tudo”, disse Fabricio Yépez, engenheiro da Universidade de San Francisco, em Quito, que acompanha de perto os problemas do projeto. “E não sabemos se isso poder acontecer amanhã ou daqui a seis meses.”
Nos últimos dez anos, a China distribuiu US$ 1 trilhão em créditos internacionais como parte da Iniciativa do Cinturão e da Rota (BRI, na sigla em inglês), também conhecida como Nova Rota da Seda, de Pequim, idealizada para desenvolver o intercâmbio econômico e expandir a influência da China por países da Ásia, África e América Latina.
Esses empréstimos converteram Pequim no maior credor governamental do mundo em desenvolvimento, com créditos que somam quase o total combinado dos demais governos, de acordo com o Banco Mundial.
Mas as práticas de empréstimos da China têm sido criticadas por líderes estrangeiros e economistas, entre outras vozes, que dizem que o programa contribuiu para as crises de dívida em países como Sri Lanka e Zâmbia e alertam que muitos outros países enfrentam dificuldades para pagar os empréstimos. Alguns projetos também foram considerados desproporcionais para as necessidades de infraestrutura dos países ou prejudiciais ao ambiente.
Agora, a baixa qualidade da construção de alguns dos projetos ameaça prejudicar partes essenciais da infraestrutura e sobrecarregar esses países nos próximos anos, ou décadas, com ainda mais custos para tentar solucionar os seus problemas.
“Estamos sofrendo hoje em razão da má qualidade dos equipamentos e peças” nos projetos de construção chinesa, disse René Ortiz, ex-ministro de Energia do Equador e ex-secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
A Embaixada da China no Equador não respondeu aos pedidos para comentar o projeto hidrelétrico. Numa carta recente publicada na conta da embaixada no Twitter, em resposta a um relatório da Fundação pela Cidadania e Desenvolvimento, representante local da organização anticorrupção Transparência Internacional, sobre as práticas de empréstimos da China ao Equador, a embaixada destacou que os empréstimos e os projetos chineses proporcionaram “benefícios tangíveis” ao Equador num momento em que o país precisava com urgência de financiamento.
O dinheiro chinês financiou e financia as mais variadas obras, desde um porto no Paquistão até uma linha de transmissão no Brasil e estradas na Etiópia.
Em geral, as construtoras chinesas participam de licitações para projetos públicos ou abordam diretamente as autoridades locais com projetos e a promessa de que podem obter com facilidade pacotes de financiamento de bancos e firmas de seguro chinesas.
Esse tipo de abordagem proporciona vantagem as empresas chinesas, porque libera governos ávidos por construir uma nova represa ou estrada da necessidade de viabilizar financiamento próprio. Na África, mais de 60% das receitas obtidas pelas principais empreiteiras internacionais em 2019 foram de empresas chinesas, segundo um artigo de 2021 da China-Africa Research Initiative, da Universidade Johns Hopkins.
Os críticos dizem que a disponibilidade de empréstimos chineses para projetos de construção chineses pode inflacionar os custos, porque há menos pressão sobre os governos para conter as despesas.
Também vieram à tona falhas em alguns dos projetos de construção chineses. No Paquistão, as autoridades fecharam a usina hidrelétrica Neelum-Jhelum em 2022, depois de terem detectado rachaduras num túnel que transporta água através de uma montanha para acionar uma turbina.
Em novembro, o chefe da agência reguladora do setor de eletricidade do país, Tauseef Farooqui, disse ao Senado do Paquistão ter receios de que o túnel possa ruir, quatro anos depois de a usina de 969 megawatts (MW) ter entrado em operação. Seria desastroso para uma nação assolada pela alta dos preços das fontes de energia, segundo Farooqui. O fechamento da usina hidrelétrica custa ao Paquistão cerca de US$ 44 milhões mensais desde julho, em aumento no custo da eletricidade, de acordo com o órgão regulador.
As usinas hidrelétricas podem ter vida operacional de até 100 anos, segundo o Banco Mundial.
A empresa de geração de energia de Uganda identificou mais de 500 defeitos de construção em uma usina hidrelétrica de 183 MW feita pelos chineses no rio Nilo, que sofre frequentes interrupções desde a entrada em operação em 2019. A China International Water & Electric Corp, que liderou a construção da Usina Hidrelétrica de Isimba, não construiu uma barreira flutuante para proteger a represa de algas e outros detritos, o que provoca entupimentos nas turbinas e cortes de energia, segundo a Uganda Electricity Generation (UEGC). Também houve vazamentos na cobertura da casa de força da usina, onde ficam os geradores e as turbinas, segundo a UEGC. A construção da usina custou US$ 567,7 milhões e foi financiada principalmente por um crédito de US$ 480 milhões do Export-Import Bank of China.
A conclusão de outra usina hidrelétrica de construção chinesa mais abaixo no Nilo, O Projeto Hidrelétrico Karuma, de 600 MW, está três anos atrasado. O motivo, segundo autoridades ugandesas, são vários defeitos de construção, como rachaduras nas paredes.
A UEGC também comunicou que a Sinohydro Corp, empreiteira chinesa responsável, instalou interruptores, cabos e sistemas anti-incêndio defeituosos, que precisaram ser substituídos. Neste ano, o governo de Uganda começou a pagar o US$ 1,44 bilhão que captou do Export-Import Bank of China para custear o projeto, mesmo com a usina ainda não estando operacional.
A Sinohydro e a China International Water não responderam aos pedidos para comentar os projetos em Uganda.
Em Angola, dez anos depois de os primeiros moradores terem se mudado para o Kilamba Kiaxi, um grandioso projeto social de moradia nas aforas da capital Luanda, muitos reclamam de rachaduras nas paredes, mofo nos tetos e da precariedade da obra.
O projeto, construído pelo CITIC Group, da China, foi financiado de início por meio de uma linha de crédito de US$ 2,5 bilhões do Industrial and Commercial Bank of China (ICBC), garantida por produção de petróleo, e depois refinanciado pelo Banco de Desenvolvimento da China, de acordo com o Aid Data Research Lab, da Faculdade William & Mary.
Uma porta-voz do CITIC Group disse que os problemas de umidade num pequeno número de unidades no Kilamba se devem a reformas inadequadas feitas pelos residentes e que a empresa havia realizado as obras de manutenção necessárias.
O governo chinês não respondeu aos pedidos para comentar as críticas às obras infraestrutura feitas pelos chineses na África e na Ásia. Um porta-voz do Ministério da Construção e Obras Públicas de Angola também não respondeu aos pedidos de comentários.
Fonte: Valor Econômico

