Valor — São Paulo
09/10/2022 10h19 Atualizado há uma hora
Governo cria nova modalidade de empréstimo para a baixa renda, o consignado garantido Auxílio Brasil Agência Brasil
O governo está promovendo uma forte expansão fiscal neste ano, o que vem dificultando os esforços do Banco Central para trazer a inflação de volta para a meta. O novo impulso poderá vir de instrumentos parafiscais, ou seja, engrenagens que, embora sejam movidas pelo governo, não integram a contabilidade oficial das contas públicas.
No meio das eleições, o governo pretende colocar na rua uma nova modalidade de empréstimo para a baixa renda, o consignado garantido pelos benefícios do Auxílio Brasil. Na prática, a operação permite que os beneficiários do programa social antecipem algo como R$ 2.500 de seus benefícios.
As estimativas iniciais do governo são de que essas operações teriam potencial de injetar perto de R$ 40 bilhões na economia, algo como 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB), ajudando a turbinar a demanda.
O mercado, porém, está reavaliando as estimativas de impacto da medida. Os grandes bancos privados vão ficar fora do programa, devido a riscos de imagem. O receio, no caso, é serem acusados de lucrar com um produto que muitos acreditam que poderá provocar excesso de endividamento nas faixas de renda mais vulneráveis.
No entendimento do governo, o programa tem potencial para gerar renda e riqueza, alavancando pequenos negócios de quem tem pouco acesso ao sistema bancário. Não se trata de uma oposição dos bancos à expansão do crédito e outros serviços financeiros entre a população de menor renda. A preocupação é que a inclusão financeira ocorra de forma consciente. A pressa eleitoral está atrapalhando as coisas e pode matar um programa que, se bem desenhado e executado , poderia tirar muita gente da pobreza.
O Banco Central publicou um estudo no ano passado que ilustra o potencial do crédito para tirar as famílias do Cadastro Único de benefícios sociais. Segundo esse levantamento, quem não tem acesso a nenhuma modalidade de crédito tem 67% de chance de seguir no cadastro, bem acima dos 46% observados entre os que tem algum acesso ao crédito. Faltou comprovar a causalidade entre uma coisa e outra, mas esse é um bom indício de que o acesso ao crédito pode ser uma porta de saída dos programas sociais.
A mesma pesquisa do Banco Central mostra que o acesso de crédito a esse grupo vinha evoluindo positivamente, mas recuou recentemente. Em 2012, 22% das famílias ativas no cadastro único tinham acesso a crédito e, em 2016, esse percentual havia se elevado a 31%. Mas houve um recuo nos anos seguintes, terminando em 29% em 2019.
Outras pesquisas feitas pelo Banco Central mostram que os beneficiários do Auxílio Brasil, o antigo Bolsa Família, têm acesso sobretudo a linhas de crédito rotativas e mais caras, como o cartão de crédito, crédito não consignado e cheque especial, que têm juros mais elevados. Esse foi um dos motivos, inclusive, para o Banco Central criar um teto para os juros cobrados no cheque especial.
Mas, ao mesmo tempo que pode ajudar a aumentar a renda das famílias mais pobres, a oferta de crédito a quem ainda não tem letramento financeiro pode causar o problemas. Nos primeiros governos Lula, o Banco do Brasilcriou o Banco Popular do Brasil, que tinha o objetivo de oferecer microcrédito de forma massificada. A inadimplência da instituição financeira subiu fortemente, e ela teve que ser incorporada ao BB. As pesquisas feitas na época pelos dirigentes do BB descobriram que uma boa parte da população entendia o microcrédito apenas como mais uma transferência de recursos do governo.
Com a relutância dos grandes bancos privados em participar do crédito consignado do Auxílio Brasil, a expectativa inicial é que esse mercado fosse movimentado pelas empresas dos chamados “pastinhas”, os mesmos que fazem a oferta ativa de crédito a aposentados e pensionistas. Mas, segundo especialistas ouvidos pelo Valor, a tendência é que essas empresas fiquem de fora do mercado, depois que o governo decidiu estabelecer um teto de 3,5% ao mês para os juros cobrados nessas operações.
Os cálculos mostram que, com esse limite, a margem fica apertada para remunerar os custos operacionais da captação de clientes e cobrir os riscos de inadimplência. A operação é garantida pelo governo, que paga o auxílio emergencial, mas há o risco de exclusão de beneficiários que, pela regra do Auxílio Brasil, não deveriam recebê-lo. Esse risco é, hoje, ainda maior porque o governo desorganizou a base de dados do Cadastro Único.
Se todas essa instituições de fato pularem fora, restarão no programa basicamente da Caixa Econômica Federal e dois ou três bancos médios. A perspectiva no mercado é que algo como 30% dos R$ 40 bilhões sejam emprestados, ou algo como R$ 12 bilhões.
O número exato vai depender do apetite da Caixa para turbinar o crédito, por isso o programa está ficando cada vez mais com a cara de uma política creditícia parafiscal. A presidente da Caixa, Daniella Marques, disse que o banco pretende fazer uma “ação de crédito consciente”, mas será um desafio ter uma política efetiva num espaço de tempo tão curto e na escala que o programa deve assumir. Há uma evidente pressa de colocar ao programa na rua antes do segundo turno das eleições presidenciais.
No governo Dilma Rousseff, na época das pedaladas fiscais, a Caixa fez pagamentos de programas sociais em nome do governo. O Banco do Brasil assumiu em seu balanço custos de subsídios agrícolas. Ambos os bancos tinham crédito em balanço contra o governo, mas eles não estavam explícitos nas estatísticas fiscais oficiais. Embora, como naquela época, o governo esteja comandando toda a operação para mobilizar o balanço de um banco público, agora do ponto de vista formal há uma diferença importante.
Nessa nova modalidade de consignado, a Caixa vai antecipar aos beneficiários do Auxílio Brasil fluxos futuros de renda. No seu balanço, o banco terá como credor os beneficiários do programa. Mas, na essência, todo o risco é do fisco. As operações têm lastro nos pagamentos futuros a serem feitos pelo Tesouro. Se o beneficiário do programa não pagar, quem perde no fim é o Tesouro, que detém 100% do capital da Caixa.
Fonte: Valor Econômico

