Por Marina Guimarães — Para o Valor, de Buenos Aires
23/10/2023 05h00 Atualizado há 4 horas
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Os argentinos foram às urnas ontem e colocaram no segundo turno da eleição presidencial o atual ministro da Economia, Sergio Massa (Unión por la Partia), e o candidato de extrema direita, Javier Milei (La Libertad Avanza). O resultado surpreendeu. Com 92,37% da apuração concluída, ele tinha 36,37% dos votos enquanto Milei tinha 30,15%. Durante as primárias, o opositor é que tinha sido o mais votado e pesquisas apontavam que ele sairia na frente ontem. O segundo turno das eleições será realizado no dia 19 de novembro. Ontem, a candidata do Juntos por el Cambio, Patricia Bullrich, ficou fora do páreo ao obter 23,83%.
Em discurso no QG da LLA, Milei – cuja principal bandeira é a dolarização da economia argentina – disse que há dois anos ninguém acreditaria que ele estaria disputando com o grupo político de Cristina Kirchner, a quem o candidato tratou ontem como “deliquentes”.
“Os aliados de Cuba nunca mais, nem todas as ditaduras do mundo porque queremos avançar livres. Todos que queremos uma mudança temos que trabalhar juntos, se trabalhamos juntos podemos acabar com a casta politica”, disse Milei a aliados. E acrescentou, mantendo a beligerância em alta: “O kirchnerismo vai fazer de tudo para reter o poder, eles vão mentir, sujar, vão dizer que viemos para tirar direitos. Não acreditem, viemos para quitar privilégios, não direitos”
Nas primeiras horas da noite, o clima de otimismo dos coordenadores da campanha e dos convidados da campanha de Javier Milei começou a enfraquecer à medida em que os canais de TV divulgavam os dados extra-oficiais das pesquisas de boca de urnas que sinalizavam a vantagem do governista Massa.
Ontem passava das 23h, quando Massa se dirigiu aos eleitores. “Quero falar aos argentinos e argentinas que, desesperançados e com bronca, ficaram em casa. Quero falar aos radicais que compartilham com a gente o direito à educação pública, o respeito à democracia, aos valores constitucionais. Quero falar com aqueles que elegeram outra opção, pensando numa Argentina com paz, com ordem, com respeito às instituições. Que querem um país sem dúvidas e incertezas”, disse ele. “Meu compromisso é construir mais Argentina, mais segurança, mais ordem, regras claras diante da incerteza, de construir uma pátria sem dúvida de que tenhamos uma capacidade escolher um computador na mochila em lugar de uma arma. Vou convocar um governo de unidade nacional quando eu assumir no dia 10 de dezembro, construir uma base e convocar os melhores sem importar sua força política”, disse o candidato, afirmando ainda que o país deve dar um não ao improviso.
Em uma referência a declarações que Milei fez de que, se eleito, cortaria relações com o Brasil e com o Mercosul, e também com China e Rússia, o candidato governista afirmou: “Ao longo do dia recebi a ligações de muitos presidentes e líderes de outros países que, obviamente, olhavam com enorme interesse a eleição da Argentina porque sabem que queremos uma Argentina integrada, porque sabem que queremos multilateralismo e somos garantia de segurança e garantia na hora de estabelecer relações com o mundo”.
Para a analista Muriel Fornoni, da Management & Fit, “a porcentagem de Massa cresceu mais do que o de Milei, porque funcionou a campanha oficial contra o opositor e o medo do desconhecido que representa Milei em uma situação econômica tão complexa”. Na análise de Fornoni, tudo indica que o fator desse crescimento de Massa está relacionado com os resultados que o governador kirchnerista de Buenos Aires, Axel Kicillof, obteve ao ser reeleito no primeiro turno 44,87%.
A candidata de Milei, Carolina Piparo, ficou em terceiro lugar com 24,62% dos votos, depois de Nestor Grindetti (Juntos por el Cambio), com 26,60%.
“Kicillof se reelegeu e terminou dando-lhe uma vantagem mais importante a Massa do que parecia ao princípio”, disse Fornoni.
A disputa entre Massa e Milei no segundo turno “não necessariamente significa que é uma discussão com respeito ao desempenho econômico” do ministro, na avaliação do consultor Carlos Fara. Para ele, “também pode ser uma discussão com respeito à incerteza que pode gerar Milei”.
O resultado surpreendeu os três principais candidatos. Durante as duas últimas semanas houve uma grande expectativa de que Massa pudesse ficar em terceiro lugar, devido à forte campanha de Milei e Patricia ao culpar o ministro pela inflacao de quase 140% e a profunda desvalorização do peso argentino. Também havia um cenário no qual Milei vendeu a ideia de que poderia ganhar no primeiro turno.
“Houve muitas surpresas”, disse Enrique Zuleta Puceiro, analista econômico. A grande perdedora foi Bullrich, que logo reconheceu a derrota. E declarou: “Aceitamos mas temos uma convicção profunda, nunca vamos ser cúmplices do populismo e das máfias que destruíram este pais”.
De acordo com a autoridade eleitoral da Argentina, 74% dos eleitores tinham votado no pleito, índice semelhante ao das primárias realizadas em agosto, mas o menor desde o retorno da democracia ao país, em 1983.
Um segundo turno entre Massa e Milei deve provocar mais um mês de instabilidade cambial e alta descontrolada da inflação, um problema que assolada a Argentina há décadas. O país registrou em setembro uma inflação anual de 138% e o valor do dólar no câmbio paralelo já passou dos 1.000 pesos. Em razão da enorme impopularidade do governo, o atual presidente, Alberto Fernández, decidiu não concorrer à reeleição.
Esta segunda-feira será a prova de fogo no mercado, e os investidores se preparam para mais volatilidade nos preços dos ativos do país, dada a alta incerteza sobre como serão as fórmulas para lidar com os desafios da inflação e da falta de dólares.
O resultado surpreende pela força demonstrada por Sergio Massa, em especial na região da Grande Buenos Aires, onde se concentra o maior número de eleitores do país e cujo histórico é de apoiar candidatos peronistas, grupo político do ministro da Economia.
Fonte: Valor Econômico
