O mal entendido envolvendo declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na tarde de sexta afetou um mercado já com uma postura arredia em relação ao governo e a disputas envolvendo as alas política e econômica. Os preços dos ativos, que já atravessam um momento delicado desde abril, pioraram ainda mais.
Informações desencontradas sobre uma reunião privada entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e agentes do mercado circularam nas mesas de operação e provocaram estrago nos preços, levando o dólar a R$ 5,32 e os juros de longo prazo, acima de 12%.
O ministro veio a público e esclareceu declarações dadas durante o encontro, mas a reação do mercado mostrou que também têm pesado as preocupações sobre as consequências do embate de forças que Haddad tem de enfrentar no governo para a política econômica no futuro.
A maior parte das fontes ouvidas pelo Valor que estava presente na reunião negou que Haddad teria feito qualquer comentário sobre Lula ter poder decisório em relação a um eventual contingenciamento. Esses interlocutores também disseram que não houve, no evento, qualquer comentário que pudesse justificar tamanho estresse dos ativos financeiros.
O próprio ministro da Fazenda, momentos depois, deu novas declarações à imprensa e destacou que não falou, durante a reunião, sobre a possibilidade de o limite de despesas do arcabouço fiscal ser aumentado.
“A pergunta que me foi feita por um dos integrantes, que nem lembro quem foi, é se havia possibilidade de contingenciamento neste ano, se algumas despesas obrigatórias crescessem para além do previsto. E eu falei que sim, que se algumas despesas crescessem além do previsto poderia haver um contingenciamento de gastos, o que é absolutamente normal e aderente ao que prevê o arcabouço fiscal. Então, não entendi a intenção da pessoa que vazou uma informação falsa a respeito do que eu disse”, apontou o ministro à imprensa.
Mesmo após Haddad ter desmentido as informações, a percepção de piora no risco doméstico permaneceu. O dólar futuro para julho, por exemplo, subiu ainda mais após o fechamento do dólar à vista e chegou a R$ 5,37, enquanto o Ibovespa futuro também se manteve pressionado até o fechamento e anotou queda de 2,05%. Embora incipientes, os sinais reforçam a leitura do mercado de alguma perda de força do ministro da Fazenda, o que pode indicar um compromisso menor do governo com as regras fiscais.
O mercado já estava estressado desde o início da sessão de ontem, após novos dados americanos reforçarem que os juros devem demorar mais a cair nos Estados Unidos. No entanto, uma sequência de eventos locais durante a tarde piorou a percepção de risco entre os agentes. O anúncio de uma coletiva de imprensa do ministro, às 15h30, já havia provocado alguma deterioração nas cotações, ainda que leve. No entanto, durante a fala aberta de Haddad à imprensa, os mercados sofreram piora expressiva. Não foram as declarações naquele momento que pesaram nos ativos, e sim informações sobre uma reunião anterior de Haddad com agentes de mercado.
O encontro ocorreu a portas fechadas, entre 14h e 15h, e foi organizado pelo Santander. Estiveram presentes executivos do banco e profissionais de outras instituições financeiras e gestoras.
Relatos de participantes do encontro feitos ao Valor não foram homogêneos. Em um primeiro momento, circularam informações de que, durante a reunião, o ministro teria dito que irá mostrar ao Congresso que não será possível aumentar gastos sem fonte e que ele também não teria descartado novos contingenciamentos de despesa. No entanto, outras fontes sinalizaram que o ministro teria dito que o poder decisório sobre esse item seria do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que poderia haver um aumento do limite de gastos do arcabouço fiscal.
Os boatos provocaram forte estresse nos ativos financeiros, com movimentos de “stop-loss” e perdas muito expressivas em todos os mercados.
De acordo com um dos presentes, a estratégia da Fazenda será continuar a defender a desvinculação de despesas previdenciárias do salário mínimo, mas ainda não se tem certeza sobre o apoio de outras alas do governo, ao mesmo tempo em que não parece haver uma alternativa caso esse plano não avance.
Na semana passada, Haddad já havia apontado a discussão sobre as desvinculações em entrevista ao Valor, em um momento no qual a desconfiança do mercado com a condução futura da política econômica já era crescente.
Na visão de outro profissional do mercado, o momento de estresse nos ativos brasileiros foi um exagero, mas revelou a desconfiança dos investidores de que a política fiscal está ainda mais enfraquecida, diante da percepção de que um contingenciamento grande das despesas não deve ser apoiado por outras alas do governo. “Existe uma agenda que pede um contingenciamento de despesas e que não é enfrentada, o que alimenta um sentimento negativo no mercado. É como se o Brasil não tivesse mais âncora e, assim, qualquer ruído ganha outra dimensão.”
Segundo fonte de uma gestora que estava presente na reunião, as intenções do ministro da Fazenda são boas, mas a estratégia é ruim, o que provocou uma disparada dos prêmios de risco nos mercados locais. “O fiscal está indo para o buraco e todo mundo já sabe o que vai acontecer: inflação sobe sem parar, BC fica para trás e não sobe a Selic, atividade afunda… Não dá para esperar até agosto para começar a discutir a questão sem saber o resultado.”
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/O/M/6KZdhKROe6rlkdDrDQLg/0d4a3536.jpg)
Fonte: Valor Econômico

