Por Shefali Anand — Dow Jones Newswires
29/04/2024 05h02 Atualizado há 5 horas
À medida que as maiores eleições do mundo acontecem na Índia, os candidatos precisarão superar algo mais perigoso do que os rivais: o calor extremo.
Segundo alerta do Departamento Meteorológico da Índia, durante as eleições deste ano, que começaram na semana passada e vão até o início de junho, a maior parte do país terá temperaturas acima das habituais para esta época do ano, com a possibilidade da ocorrência de até o dobro de dias de calor extremo.
Isso expõe os cerca de 970 milhões de eleitores e os cerca de 15 milhões de trabalhadores eleitorais a temperaturas escaldantes, que podem chegar a 49°C em algumas partes do país.
As eleições escalonadas da Índia são, pela própria natureza, uma proeza de resistência. Os eleitores podem passar horas em comícios ao ar livre para ouvir candidatos locais ou à espera nas filas para votar. Muitos trabalhadores eleitorais precisam cruzar o país de helicóptero e barco, pegar carona em elefantes ou percorrer a pé as montanhas do Himalaia para levar as 5,5 milhões de urnas do país às aldeias mais remotas, que serão as próximas a votar.
Por sua vez, milhares de candidatos passam seus dias a vociferar as mensagens de campanha por alto-falantes em veículos abertos ou pouco sombreados, ou sentados em palcos sob o sol à espera para fazer um discurso.
Há algumas semanas, V. Vaithilingam, um parlamentar de 73 anos do Partido do Congresso, acenava aos apoiadores de seu caminhão de campanha quando, de repente, desmaiou. Ele estava na rua desde cedo, entre discursos e caminhadas por bairros em Puducherry, uma cidade litorânea no sul do país conhecida pelo clima quente e úmido. Seus assessores o colocaram de pé e, após uma pausa de 15 minutos e alguns goles de suco, ele prosseguiu a campanha.
“Não há outra opção”, disse Vaithilingam, acrescentando que não tinha muito tempo para fazer campanha, já que o território deveria votar na primeira etapa. Agora que sua votação terminou, ele poderá ficar fora do sol.
O serviço de monitoramento climático da União Europeia informou que o mês passado foi o março mais quente já registrado na Terra, e o décimo mês seguido de recorde de calor para o planeta. As mudanças climáticas, assim como o fenômeno El Niño, que eleva as temperaturas, influenciaram no aquecimento.
Em 2023, dezenas de pessoas passaram mal e mais de dez morreram de insolação após participarem de um evento do governo ao ar livre no Estado de Maharashtra, no oeste do país. Kieran M.R. Hunt, pesquisador do departamento de meteorologia da Universidade de Reading, no Reino Unido, que estuda eventos climáticos extremos no sul da Ásia, considera imprudente realizar eventos ao ar livre nos meses mais quentes do país.
“Esse risco poderia ser facilmente evitado realizando as eleições vários meses antes ou vários meses depois, quando o calor extremo não é mais um risco”, disse.
A primeira eleição da Índia, no fim de 1951 e início de 1952, durou cerca de quatro meses, mas ocorreu na época mais fresca do ano. Outras foram mais rápidas. Em 1980, quando a população era de 700 milhões, a votação ocorreu em dois dias de janeiro. E, em 1999, as eleições ocorreram em setembro e outubro.
No entanto, em 2004, o Partido Bharatiya Janata (BPJ, na sigla em inglês), então no governo, transferiu as eleições para o verão indiano, na crença de que poderia aproveitar uma tendência a seu favor, e lançou uma campanha chamada “India Shining”. A jogada fracassou e o partido foi retirado do poder. Ainda assim, o cronograma das eleições no verão permaneceu.
A edição deste ano, com seis semanas de duração, é uma das eleições mais longas até agora. Há dias, a Comissão Eleitoral da Índia montou um grupo de trabalho para analisar as temperaturas e a umidade antes de cada fase de votação e dar orientações.
Nas duas eleições nacionais anteriores, o Estado de Odisha, oeste do país, concluiu a votação em abril, antes do pior calor do verão. Neste ano, o Estado só começará a votar em maio e terminará em junho, o que preocupa o oficial responsável pelas eleições na região. Na semana passada, as temperaturas na capital do Estado atingiram 43°C, o que normalmente só ocorre em maio.
“Nossa missão é zero fatalidade”, disse Nikunja Bihari Dhal, chefe do comitê eleitoral do Estado. Sua equipe eleitoral distribuirá panfletos com conselhos para a prevenção da insolação antes do início da votação. Por exemplo, as pessoas devem viajar para as cabines de votação com uma toalha molhada na cabeça.
Para refrescar os eleitores, também se recorrerá a uma forma tradicional de proteção contra o sol: talos cortados e compactados da planta do arroz, que são colocados nos telhados de escolas ou em outros prédios usados como locais de votação. Dhal também estuda redirecionar equipamentos agrícolas normalmente usados para espalhar fertilizantes nos campos para pulverizar os eleitores com água.
“Não queremos que o calor afete a participação dos eleitores”, disse Dhal.
Os dados da primeira rodada da eleição mostram que a participação foi menor, mas as autoridades ainda não atribuíram a queda a alguma causa específica. A baixa participação em Estados do norte, do chamado cinturão do idioma hindi, como Uttar Pradesh e Bihar, que votam em todas as fases da eleição, poderia ser uma preocupação para o primeiro-ministro Narendra Modi e o BJP, atualmente no poder, que esperam conquistar um terceiro mandato com uma maioria ainda maior.
A expectativa geral é que o partido de Modi, no poder desde 2014, saia como vencedor.
Fonte: Valor Econômico

