13/05/2022 05h00 Atualizado há 10 horas
Economista responsável pelo Boletim Macro do FGV Ibre, Silvia Matos não compartilha do movimento que grandes bancos estão fazendo nas projeções de crescimento do país. Quem está aumentando os prognósticos do PIB para a faixa de 1% para este ano está reduzindo os de 2023, observa. “Continuo com 0,6% para este ano e 0,7% para o ano que vem e não pretendo mudar essas previsões tão cedo.” Silvia chama a atenção para um dado curioso: a economia voltou a crescer, mas trata-se de uma normalização das atividades no pós-pandemia. Não voltou para o nível de tendência de crescimento que havia antes da pandemia, de cerca de 1,4%.
“O país não consegue voltar à tendência de avanço pré-pandemia. Mesmo com dados melhores no curto prazo, devemos rever nosso PIB do primeiro trimestre para um valor acima de 0,4%. A normalização mais rápida da economia, porém, não altera a perspectiva para o ano como um todo”, observa.
Potencial de crescimento é baixo pela nossa ineficiência
Ela faz, também, um alerta de que, talvez, estejamos em uma fase da economia global que traga junto com a recuperação mais inflação de forma mais persistente. Durante um bom tempo a China exportou inflação baixa de bens industrializados. Agora, em cenário com conflitos e um processo contra a globalização, é um mundo em que talvez não se tenha mesmo inflação baixa de bens industrializados.
O Brasil tem as commodities agrícolas e minerais, o petróleo, energia, que estão dando algum fôlego à recuperação, mas são setores que também geram muita inflação. Isso se junta com a liberação do FGTS e com a antecipação do pagamento do 13º para os aposentados, dentre outras medidas oficiais, que reforçam a ajuda ao processo de recuperação que ela está convencida de que não se sustenta no tempo.
“Minha visão é de que vamos ver ainda no segundo trimestre uma desaceleração nos indicadores de emprego do Caged”., adiantou. Parte do consumo das famílias está voltada para a área de serviços, mas isso não se configura uma aceleração. É uma normalização do consumo, depois de dois anos de clausura por causa da pandemia.
A inflação está muito alta, disseminada e resistente. Estamos, provavelmente, no pico da inflação e a expectativa é que a taxa caia dos 12,13% nos 12 meses até abril para algo abaixo de 10% este ano. São choques em cima de choques. Há guerra na Ucrânia, covid-19 na China, que atrapalhou a logística e desorganizou o processo produtivo, gerando ainda mais inflação.
“Estou com a previsão de inflação de pouco mais de 8% para este ano, mas esse é um número que muda praticamente todos os dias”, disse Silvia. Para 2023, a expectativa é que o IPCA caia para a casa dos 4%
Há fatores externos, que são inegáveis, e tem fatores internos. “A dificuldade de controlar a inflação gera mais inércia e o Banco Central tem de puxar mais o freio de mão e ficar com juros mais altos por mais tempo”, prevê. A taxa de câmbio, que poderia jogar a favor, com uma apreciação, não sai do patamar de mais de R$ 5. Temos, à frente, uma eleição que não deixará o câmbio mais valorizado. Isso compromete o investimento.
O país vai ter que voltar a conviver com taxas de juros elevadas por mais tempo. O BC só vai começar a reduzir a Selic quando tiver garantia de desinflação. Trata-se de um período inflacionário diferente, tem choques de oferta sobre choques de oferta. Assim é muito difícil combater a inflação. Tarefa que será melhor executada no ano que vem, acredita.
São vários desafios para o novo governo que sairá das urnas em outubro. Estamos falando de juros reais mais altos no ano que vem, algo superior a 4% ao ano, o que leva a uma alta nos custos do serviço da dívida interna, pressionando a relação dívida/PIB que é o principal indicador de solvência do país.
“Um gol de placa que não vingou foi a reforma tributária. A indústria é intensiva em capital e sofre com a estrutura de impostos”, salientou Silvia. O Brasil, que é um superprodutor de soja, não consegue ter uma indústria de óleo de soja próxima ao centro produto. Esta foi se instalar na Argentina, cita ela. “Não conseguimos ofertar energia barata”, acrescentou. O setor do gás faria uma revolução na reindustrialização do país, segundo o ministro Paulo Guedes.
Não dá pra culpar os fatores externos pelo nosso baixo crescimento. O potencial de crescimento do país é baixo porque somos muito ineficientes. No último trimestre de 2021 a produtividade estava abaixo da de 2019. “Não dá para comemorar um crescimento sem ganhos de produtividade. Ele não se sustenta”, disse Silvia.
Aumenta-se a produtividade do trabalho com investimentos em capital humano. Uma educação de melhor qualidade é o básico. E a reforma tributária seria muito bem-vinda para melhorar a produtividade do capital.
O legado do governo Bolsonaro para a economia será mais inflação, mais juros e menos crescimento.
Fonte: Claudia Safatle é jornalista da equipe que criou o Valor Econômico e escreve às sextas-feiras
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