Por Liane Thedim — Do Rio
05/10/2023 05h04 Atualizado há 18 horas
A maioria dos fundos quantitativos, aqueles que usam modelos matemáticos como ferramenta para a gestão dos ativos, não conseguiu aproveitar a melhora do mercado entre abril e julho, com um maior otimismo dos agentes econômicos em relação a crescimento, juros e inflação. Levantamento feito para o Valor pelo consultor Einar Rivero, com apoio da plataforma Mais Retorno, mostra que, de 25 fundos da categoria multimercados livre que se utilizam de algoritmos para suas alocações, apenas quatro superaram o CDI (8,86%) no ano até agosto, com rendimentos acumulados entre 18,52%, caso do Canvas Vector, e 10,14%, ganho do Kadima LT. Os outros dois são o V8 Abrolhos Quant (11,94%) e o Santander Quantitativo (12,75%). O Smartquant FIM empata (8,84%).
Frente ao Ibovespa, o desempenho melhora, com 12 fundos superando os 5,47% do índice em 2023 até agosto. Mas, como são classificados como multimercados, esses fundos indicam o CDI como benchmark.
A principal vantagem apontada pelos gestores desse segmento de fundos é a de que, por serem automatizados, com base em inúmeros dados que são adicionados aos algoritmos, são capazes de mudar rapidamente de direção e se aproveitar dos momentos mais turbulentos do mercado, gerando assim retorno descorrelacionado e diversificado.
Rivero ressalta que períodos longos são mais representativos do desempenho de um fundo, mas diz que o cálculo da mediana é um bom parâmetro comparativo em seu levantamento. “Até 23 de março, quando começou o rali da bolsa, os ‘quant’ foram melhor que o Ibovespa, que caía muito (-10,76%). A mediana dos fundos era de 1,63%, e portanto atingia menos da metade do CDI (2,94%).” Já no segundo momento, durante o rali das ações, esses fundos têm mediana de 4,53%. Ou seja, passam a perder do Ibovespa, que sobe 18,19% de 23 de março até 31 de agosto, e se aproximam do CDI (5,76%). “No acumulado do ano até agosto, a mediana (5,53%) bate o Ibovespa e fica abaixo do CDI”, conclui.
Francisco Furnari, diretor de investimentos na área de produtos sistemáticos da Canvas Capital, explica que o Vector tem gestão ativa, com objetivo de rendimento de CDI mais 5% ao ano. Segundo ele, o fundo é sensível a movimentos nas taxas de juros globais. “Um ambiente de juro alto não atrapalha a vida do Vector. O que atrapalha são juros abrindo. Como nos últimos três anos esse movimento foi muito forte, o Vector sofreu muito. Basta estabilizar que somos capazes de entregar nosso objetivo de retorno.”
Com patrimônio líquido de R$ 300 milhões, o fundo foi lançado em dezembro de 2017 e rendeu CDI mais 35% até agora. Sua carteira tem alocações em mais de 40 países e mais de cem ativos nos mercados de juros globais, spread de crédito, swap de volatilidade, renda variável, moedas e commodities. No Brasil, a alocação está em LFTs. “O algoritmo tem o papel apenas de diversificar a carteira. A gente dá os parâmetros e ele escolhe os ativos, entre milhares. Todo dia ele monta uma carteira ideal rica em ‘yield’ e um segundo algoritmo verifica se vale a pena mexer. O ‘turnover’ é de 30% apenas ao ano, porque muitas vezes o custo de mudança não justifica.”
Sócio e gestor da Kadima Asset Management, Rodrigo Maranhão diz que a gestora usa vários modelos em cada um de seus fundos. No caso do Kadima LT, afirma, os ganhos mais expressivos vieram dos “seguidores de tendência (‘trend following’) de longo prazo”, que tentam capturar movimentos mais longos. “O Kadima LT conseguiu pegar muito bem o movimento de fechamento dos juros no Brasil.”
Segundo ele, outros modelos foram bem este ano, como o de alocação sistemática em diversas classes de ativos. “Fomos mais posicionados na direção do otimismo, captando a melhora dos mercados, e pegamos movimento de bolsa, NTN-B, juros e dólar.” A Kadima foi fundada em 2007 e é a gestora quantitativa mais antiga do mercado, com R$ 3 bilhões sob gestão em 11 fundos de estratégias diferentes em renda fixa, multimercados, ações e previdência.
Já o Claritas Quant, da Principal Claritas, rende 6,98% no ano e supera o Ibovespa, conforme o estudo de Rivero. De acordo com o gestor Gustavo Linari, até abril o mercado não apresentava tendência. “Em maio tivemos um mês mais forte e em junho nos posicionamos de uma forma mais otimista”, diz. Linari comenta que o fundo tem um universo próximo a 140 ativos. “Nunca uma posição passa de 3%.”
O Claritas Quant está registrado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) como multimercado livre, mas Linari explica que a alocação está concentrada em ações. As duas principais estratégias são de valor e momento. A de valor consiste em comprar papéis mais baratos e vender os caros, fazendo isso de forma mais diversificada para se defender de não conhecer cada empresa profundamente (já que a análise é pelo algoritmo). A de momento visa a adquirir papéis que estão bem e se desfazer de ações que estão mal. “Num momento em que todas estão indo bem, ainda assim vamos vender as que estão subindo menos.”
Na Daemon Investimentos, o fundo Nous Global supera somente o Ibovespa no ano, depois de passar os primeiros três meses do ano quase no zero a zero, segundo o estudo de Rivero. Os 5,53% acumulados em 2023 até agosto, portanto, foram obtidos sobretudo a partir de abril. Sérgio Rhein, sócio-fundador da gestora, avalia que “a utilização de estratégias sistemáticas pelo Daemon Nous fez com que o fundo tivesse resultados bastante robustos nos mercados globais de commodities agrícolas e moedas no primeiro semestre”. Ele afirma que, no mercado local, a carteira “long and short” (de arbitragem) teve “resultado satisfatório” no período.
Em setembro, o fundo teve rendimento de 4,62% e, no ano, acumula retorno de 10,40% (105% do CDI). Desde o início do fundo, fevereiro de 2020, o retorno é de 74,61% (235% do CDI).
Rhein diz que houve uma mudança no perfil do investidor neste ano, com menor participação do varejo e aumento dos institucionais. Lançado há três anos, o fundo tem 250 ativos negociados ao redor do mundo. “Se fôssemos uma casa tradicional que dependesse de analistas para fazer pesquisa detalhada, teríamos que ter 3 mil funcionários. Somos uma equipe de 45, sendo que o time de gestão está majoritariamente operando dos EUA agora”, comenta.
De acordo com ele, o sistema funciona 17 horas por dia e é feito para não ter viés direcional. “É um fundo neutro. Não interessa para onde o mercado está indo, estamos olhando posições relativas sempre.” Mas “não é um computador trancado numa sala”, frisa Rhein. “Somos nós que programamos os algoritmos e sabemos exatamente por que fizemos ou não alguma coisa.” A Daemon tem sob gestão, no Brasil e nos EUA, US$ 5 bilhões.
Já o fundo Estee Quant, da Ujay Capital, que tem R$ 7 bilhões sob gestão, rendeu até agosto 4,04%. A gestora veio ao mercado em 2021 com uma proposta diferente. Ao contrário de outras, que têm algoritmos proprietários, a Ujay fez uma joint-venture com a indiana Estee, que usa 300 modelos quantitativos. O fundo tem 140 posições. “A meia-vida dos modelos quantitativos é de dois anos e os fundos revisitam a cada ano. Na Ujay, a cada três meses fazemos essa revisão, para que outros fundos não se beneficiem do nosso modelo”, diz Paulo Ferreira, sócio da gestora, que tem 45 funcionários.
Os fundos quantitativos no Brasil representam apenas 3% do total da indústria, enquanto nos Estados Unidos eles chegam a ter 30% do mercado. “Acredito que o segmento possa chegar a 7% a 8% do mercado em até dez anos. É um universo muito pouco conhecido do brasileiro, que é refém do CDI e da poupança há muito tempo.” Na Ujay, a maioria do passivo, 70%, também é de investidores institucionais, e o restante de pessoas físicas.
Fundada há 16 anos em Porto Alegre, a Seival está entre as pioneiras do segmento quantitativo, com R$ 150 milhões sob gestão. Seu fundo Seival FGS vinha em torno de 14% negativos até agosto e, a partir de setembro, avançou 4,88%. No ano até 22 de setembro, perde 9,33%. “O Seival FGS busca capturar tendências de longo prazo em quatro classes de ativos globais: moedas, taxa de juros, índices de ações e commodities. Não fazemos previsões. Seguimos o movimento do preço: se sobe, compramos; se desce, vendemos. Se as tendências não se materializam, utilizamos ordens de ‘stop loss’. Caso as tendências se materializem, iremos segui-las até que elas terminem”, diz Carlos Groehs Chaves, diretor de gestão e um dos fundadores.
Chaves, no entanto, frisa que é preciso ter um horizonte de pelo menos cinco anos para investir em fundos quant. “Nesse período é possível obter um retorno satisfatório. Investir no FGS é um teste de paciência: não é para todos.” Maranhão, da Kadima, concorda com a questão do horizonte: “É muito fácil se iludir pelo acaso. É ótimo quando nosso fundo se destaca, mas é mais seguro olhar períodos mais longos. Nossa visão é de que essa janela intra-ano é muito curta para analisar retorno.”
Fonte: Valor Econômico

