O mercado de crédito tem experimentado um rápido avanço ao redor de todo o mundo, com a demanda elevada dos investidores mantendo os spreads apertados, ao mesmo tempo em que as empresas se mostram bastante saudáveis. Os riscos à frente, no entanto, parecem inclinados para o lado negativo, segundo o presidente da S&P Global Ratings Services, Yann Le Pallec, que vê a geopolítica, a guerra comercial e os problemas internos da economia da China como principais fatores a serem monitorados pelos investidores nos próximos meses.
“São riscos com natureza binária: não os chamaríamos de ‘cisnes negros’ porque já foram identificados. Portanto, não são mais eventos inesperados, mas, se acionados, podem provocar um pouso forçado da economia global, fechamento dos mercados de crédito, migração de investidores para uma postura de aversão ao risco e um efeito cascata”, afirma o executivo, em entrevista exclusiva ao Valor durante passagem pelo Brasil.
A geopolítica ocupa a primeira posição, seguida pela política tarifária do governo dos Estados Unidos. “Esses desdobramentos precisam ser monitorados, pois podem gerar consequências dependendo de como avançarem”, diz.
Outra fonte de preocupação, segundo a S&P, é o mercado imobiliário da China. “O país cresce acima de 4%, o que é positivo, mas sua economia ainda está em processo de estabilização. Em especial, a bolha imobiliária vem sendo administrada de forma relativamente suave pelo governo, mas o processo ainda não terminou. Ele é enorme precisa ser concluído. Na economia global, a China é tão crucial quanto os Estados Unidos e, portanto, a velocidade e a forma como o governo chinês continuará administrando a redução da bolha imobiliária, sem comprometer a estabilidade financeira do país, serão fatores extremamente importantes para o restante do mundo”, alerta Le Pallec.
Para ele, o processo gera incertezas e ainda é somado ao ambiente tarifário e à redução das exportações chinesas para os Estados Unidos, o que implica um problema duplo para alguns mercados emergentes. “Por um lado, bens chineses podem ser redirecionados a mercados domésticos desses países, pressionando suas economias locais; por outro, para economias que exportam para a China, o redirecionamento da demanda chinesa para seu próprio mercado interno aumenta a concorrência, afetando especialmente as exportações de emergentes.”
O presidente da S&P Global afirma que a tendência de desintermediação bancária e o crescimento dos mercados de capitais está acontecendo globalmente. Nos Estados Unidos e na Europa, também há crescimento acelerado dos chamados “mercados privados”, menos líquidos e transparentes, nota.
“Há muito mais crédito direto concedido por fundos de pensão e seguradoras, que participam diretamente dessas transações privadas. Isso ocorre tanto por meio de crédito direto quanto por meio de fundos privados. Esse é o principal desenvolvimento atual nos Estados Unidos e na Europa Ocidental”, aponta.
A tendência, do ponto de vista da estabilidade financeira, tem efeitos mistos, segundo Le Pallec. Sob a perspectiva do tomador de recursos, é essencial ter acesso a financiamento sempre que necessário. “Em teoria, quanto mais fontes de financiamento, melhor. Em nossas metodologias, quando uma empresa tem acesso ao mercado público, além do sistema bancário tradicional, isso geralmente representa um ponto positivo para a liquidez. Ao adicionar os mercados privados, cria-se mais um canal.”
No entanto, ao analisar o sistema financeiro, é fundamental compreender os possíveis vínculos entre os mercados públicos, bancos tradicionais e mercados privados. “Caso contrário, a diversificação se torna apenas nominal. Por isso, reguladores prudenciais globais e locais têm buscado aumentar a transparência dos mercados privados, com o objetivo de identificar se o setor bancário — ou alguns bancos — estão elevando sua exposição a empresas não reguladas que fornecem financiamento”, diz.
Ao mencionar um artigo publicado pela S&P Global Ratings recentemente, Le Pallec afirma que há necessidade de maior transparência nos mercados privados. “Avaliamos muitos bancos e, durante nossa due diligence, analisamos concentrações, inclusive aquelas relacionadas a participantes de mercados privados, às chamadas instituições financeiras não bancárias. Embora os mercados privados não precisem alcançar o mesmo nível de transparência dos mercados públicos, provavelmente há necessidade de maior transparência e divulgação por parte dos provedores de capital no sistema privado.”
Para acompanhar o processo de transformação no mercado de crédito do Brasil e atender às necessidades do mercado, a S&P Global passou a adotar um sistema nacional de ratings no país. Antes, a agência determinava primeiro o rating global e depois o convertia para a escala brasileira por meio de uma tabela de equivalência. Esse sistema, limitado pelo teto soberano e calibrado segundo padrões globais, não oferecia a granularidade necessária aos investidores institucionais domésticos, segundo a agência.
A mudança separou as equipes de análise e estabeleceu metodologias próprias para a escala nacional, com calibração específica para o risco de crédito do país. Com isso, os ratings nacionais deixam de ser influenciados de forma automática pelos critérios globais, oferecendo uma visão mais precisa do risco corporativo interno, conforme avaliação da empresa.
Sobre o rating soberano brasileiro, a S&P acompanha com atenção a trajetória fiscal, especialmente o avanço da dívida pública. Ainda que o país, porém, não esteja sozinho no cenário de aumento do déficit público, um ponto particular do Brasil, segundo a agência, é que grande parte dos investimentos públicos está concentrada no consumo, e não em infraestrutura, o que reduz o potencial de impacto positivo sobre o PIB futuro.
O último “upgrade” da nota de crédito brasileira, em dezembro de 2023, levou em conta a capacidade do governo de avançar em reformas estruturais necessárias para sustentar o crescimento. A S&P pondera, porém, que essas transformações exigem tempo para se consolidar. A projeção atual da instituição ainda é de tendência de aumento do déficit no curto prazo, seguido de estabilização e possível queda somente no longo prazo.
Fonte: Valor Econômico
