Depois de criticar a meta fiscal e surpreender deputados e senadores, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai se reunir hoje com líderes e presidentes de partidos que compõem a base do governo na Câmara dos Deputados. O governo nega que o encontro seja uma tentativa de Lula baixar a temperatura política, mas admite que uma das ideias é pedir ajuda dos congressistas para aprovar projetos que ampliam a arrecadação e fazem “justiça tributária”, como é o caso da medida provisória (MP) que trata da subvenção do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
O motivo é que o governo estima que deixará de arrecadar R$ 70 bilhões neste ano em Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), porque empresas estão abatendo da base de cálculo desses tributos justamente as subvenções do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência estadual. A redução no recolhimento do IRPJ impacta diretamente os cofres dos Estados e dos municípios, pois o tributo alimenta os Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios (FPE e FPM).
Esse é um dos argumentos que a equipe econômica tem utilizado nas conversas com integrantes do Congresso. Pela MP, as subvenções estaduais para investimentos são preservadas, mas não na forma de dedução. Na prática, as empresas passarão a receber um crédito tributário, uma espécie de “voucher”.
“A prioridade da pauta com os líderes partidários é a aprovação das medidas que ampliam a arrecadação. Também vamos tratar de discutir a MP 1.185”, admitiu o ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Alexandre Padilha (PT), em coletiva de imprensa.
Neste ano, Estados e municípios já precisaram de socorro financeiro de R$ 15 bilhões. A área econômica acredita que, se a MP não for aprovada, a tendência será de aumento nas perdas do IRPJ e CSLL. Porém, ela tem alertado que não haverá espaço fiscal para repetir o socorro financeiro em 2024. No próximo ano, serão realizadas eleições municipais.
A perda dos R$ 70 bilhões, fruto de reduções da base de cálculo que chegarão a cerca de R$ 200 bilhões, decorre de decisões que não foram tomadas pela União. São incentivos fiscais estaduais, concedidos na chamada “guerra fiscal”, que provocaram essa queda, informam os técnicos.
Eles têm dito a parlamentares que há invasão de competência, pois decisões sobre o Imposto de Renda deveriam ser tomadas pelo governo federal e pelo Congresso Nacional, e não por governos estaduais. Os técnicos têm afirmado, ainda, que a MP não interfere na competência dos Estados em conceder benefícios fiscais. Ela trata dos impactos deles na base de arrecadação federal.
Além disso, eles asseguram aos deputados e senadores que a MP em nada altera as regras especiais para projetos da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), que contam com redução de 75% do Imposto de Renda. As bancadas regionais são as que mais se mobilizaram conta a proposta.
A MP sofre oposição também das grandes empresas, que temem aumento de carga tributária com a aprovação da proposta. São potencialmente afetadas cerca de 500 companhias que declaram o Imposto de Renda pelo regime de lucro real. As demais, que estão no lucro presumido ou no Simples, não têm acesso ao abatimento. Esse é outro argumento usado pelos negociadores da Fazenda: a situação atual cria distorção na concorrência, potencialmente beneficiando empresas de maior porte.
A MP 1.185/2023 é a principal aposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no esforço de zerar o déficit das contas públicas em 2024. A expectativa é que arrecade R$ 35,4 bilhões. Nos bastidores da área econômica, a MP é apontada como o “fiel da balança” do resultado fiscal.
Além disso, avalia-se que é preciso conter o avanço das deduções de subvenções. Elas passaram de R$ 39,3 bilhões em 2017 para R$ 149,1 bilhões no ano passado. Neste ano, são estimados R$ 200 bilhões.
O problema da erosão da base fiscal federal provocada pelo impacto de subsídios estaduais começou em 2017, quando foi aprovada a Lei Complementar 160. Ela equiparou subvenções a investimentos com subvenções a custeio, o que está na raiz das perdas de receitas da União. Essa equiparação estava em uma emenda que foi vetada pelo presidente à época, Michel Temer. Porém, o veto foi derrubado. Por isso, há empresas que hoje fazem duplo abatimento de uma mesma despesa de custeio. É isso que a MP busca evitar.
Padilha aproveitou a coletiva de imprensa ontem para tentar desfazer ainda a “falta de sintonia” entre Haddad e Lula. O motivo é que na sexta-feira, o presidente criticou a proposta de déficit zero para a meta fiscal, o que repercutiu negativamente tanto no mercado quanto no Legislativo.
“O presidente Lula vai reforçar total sintonia entre o governo e a política econômica. Aliás, quem especula de que não há sintonia [entre os dois] vai perder dinheiro de novo. Que tem déficit neste ano, isso está absolutamente contratado. Isso não afeta o equilíbrio macroeconômico”, argumentou.
Fonte: Valor Econômico

