Após receber convite para uma conversa com Donald Trump, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sinalizou que deseja deixar o “mal-estar” de lado para construir uma “pauta positiva” com o chefe da Casa Branca. Lula admitiu que ficou surpreso com a aproximação, elogiou a “simpatia” do americano e também repetiu a expressão utilizada pelo presidente dos EUA de que “pintou uma química” entre os dois. Mas, para além da troca de elogios, Lula fez acenos e buscou mostrar portas abertas para uma negociação comercial. Afirmou, por exemplo, que “não há limites” para acordos econômicos, citou até mesmo a questão dos minerais críticos e disse que os problemas com os americanos serão “resolvidos” a partir de agora.
O presidente falou sobre o assunto ao conceder entrevista coletiva, nesta quarta-feira (24), na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York.
A mudança de discurso do presidente brasileiro coincide com o encontro entre Trump e Lula na terça-feira, durante abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Na ocasião, o americano elogiou Lula e disse que sentiu uma “química” entre os dois. Também ficou acertado que os presidentes do Brasil e EUA vão se reunir na semana que vem, em data a ser marcada.
Lula começou a entrevista reconhecendo que a conversa entre os dois “parecia impossível”, mas admitiu, em seguida, que ficou “feliz” com o possível desfecho de uma reunião entre os dois chefes de Estado. O brasileiro contou que disse a Trump, nos bastidores da ONU, que os dois “têm muito a conversar” e que acredita que eles podem construir uma “pauta positiva” entre Brasil e Estados Unidos.
“Aquilo que parecia impossível aconteceu, e fiquei feliz que ele disse que pintou uma química entre nós. Eu torço para que dê certo porque Brasil e EUA são as maiores economias do continente. Se somos as maiores economias, não há por que vivermos em conflito. Fiz questão de dizer [para o Trump] que temos muito o que conversar, há muitos interesses dos dois países em jogo. Eu fiquei feliz quando ele disse que tem interesse em conversarmos. Quem sabe possamos fazer uma pauta positiva”, disse Lula.
Como parte da troca de afagos, Lula também contou que encontrou com um Trump “simpático” e “agradável” na sede da ONU. “Fui surpreendido com encontro com Trump porque nem sempre encontro com alguém ali [bastidores da tribuna da ONU]. O presidente Trump estava com cara muito simpática e agradável. Acho que pintou uma química com Trump. Foi uma surpresa boa”, elogiou.
Sobre a reunião em si, Lula não deu detalhes de quando o encontro com Trump de fato acontecerá, mas sinalizou que aceitaria até mesmo uma conversa presencial, além de admitir que espera fazer essa conversa o “mais rápido possível” para acabar com o “mal-estar” na relação entre Brasil e Estados Unidos.
Quando questionado se temia ser constrangido por Trump numa visita à Casa Branca, como aconteceu com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, o presidente brasileiro argumentou que não é possível “brincadeiras” numa relação entre dois chefes de Estado.
“Temos que discutir como será a reunião. Como não vou discutir nenhum segredo de Estado com Trump, por mim, pode ser pública”, respondeu. “Não há por que ter brincadeira numa relação entre mim e Trump. Vou tratar Trump com respeito que merece o presidente dos EUA, e ele, certamente, me tratará com respeito. Eu e Trump vamos conversar como dois seres humanos civilizados. Não há espaço para brincadeira com Trump, mas sim para conversar seriamente. Estou otimista”, disse Lula.
Em relação ao teor da conversa bem como sobre as propostas que o governo brasileiro pretende levar para a mesa de negociação, Lula defendeu que a reunião precisa ser feita com base em “dados verdadeiros”. A crítica se deve ao fato de que, no anúncio do tarifaço contra produtos nacionais, o governo americano chegou a afirmar que a economia americana teria uma balança comercial deficitária com o Brasil, o que não corresponde aos números oficiais. Por causa disso, Lula afirmou, mais uma vez, que Trump está “mal informado” e, por esse motivo, tomou “decisões inaceitáveis”.
Apesar dessas críticas, Lula deu a entender que acredita que os EUA podem “mudar de posição” sobre as medidas anunciadas anteriormente. “Estou convencido que algumas decisões de Trump se devem à qualidade de informações que ele tinha com Brasil. Quando Trump tiver informações corretas sobre o Brasil, acho que ele pode mudar de posição, da mesma forma que o Brasil pode mudar de posição”, afirmou Lula, em tom otimista.
“A conversa entre chefes de Estado do Brasil e EUA precisa ser com base em dados verdadeiros. Trump está mal informado sobre Brasil, e acho que isso fez ele tomar decisões que são inaceitáveis”, acrescentou.
Por outro lado, o brasileiro adiantou que gostaria de discutir o papel da Organização Mundial do Comércio (OMC) nas relações entre os países. Isso porque o Brasil acredita que qualquer tipo de taxação precisa ser discutida previamente no organismo multilateral. A questão da OMC é importante para o governo petista porque a diplomacia brasileira defende uma “refundação” do sistema multilateral, a ser proposta na próxima Conferência Ministerial do organismo, prevista para o ano que vem. “Se Trump acha que é preciso taxar produto, é direito dele. Quero debater taxação na OMC para a gente fortalecer o multilateralismo.”
Em outra frente, Lula sinalizou que aceita levar a questão da exploração de minerais críticos e terras raras, que são materiais essenciais para áreas como defesa e tecnologia, para a conversa com Trump. O motivo é que, na visão do presidente brasileiro “não há limite” para negociações comerciais, desde que seja um acordo de “ganha-ganha” para ambos. A única exceção, disse Lula, é que o Brasil não está disposto a se tornar um mero “exportador de minérios”. “Se estabelecermos acordo com empresas, serão bem-vindos parceiros de qualquer parte do mundo. Eu disse a Trump que não tem limite para a nossa conversa, tem que ser acordo de ganha-ganha”, defendeu o chefe de Estado.
A resposta de Lula sobre minerais críticos e terras raras é um claro aceno do presidente brasileiro à Casa Branca. Isso porque, nos bastidores, os americanos já teriam demonstrado interesse nesse tema como forma de recuar do tarifaço.
Por fim, Lula colocou apenas um obstáculo para a reunião: a soberania brasileira, o que inclui a recente decisão do Supremo Tribunal Federal de condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro por golpe de Estado – assunto que levou Trump a fazer pressão contra o Brasil. “Isso não está em jogo”, enfatizou Lula.
Fonte: Valor Econômico

