Por Juliana Schincariol, Caio Sartori e Paula Martini — Do Rio
07/02/2023 05h00 Atualizado há 5 horas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez uma defesa enfática, nesta segunda-feira, 6, do financiamento de obras brasileiras de engenharia no exterior feitas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nas gestões petistas. Na posse de Aloizio Mercadante na presidência do banco, Lula atribuiu o não pagamento dos empréstimos pelos governos de Cuba e da Venezuela ao governo Jair Bolsonaro. Mas a falta de pagamento desses dois países começou ainda nos governos petistas do próprio Lula e de Dilma Rousseff.
As declarações do presidente reforçam os sinais de que o governo pretende usar o banco para financiar obras e serviços no exterior. Em sua viagem à Argentina, no dia 22 de janeiro, Lula já havia dado sinais nesse sentido ao afirmar que o BNDES pode financiar as obras do gasoduto de Vaca Muerta, no país vizinho.
“O banco financiou serviços de engenharia de empresas brasileiras em 15 países da América Latina e do Caribe. Essas operações deram lucro e geraram empregos”, afirmou Lula. A falta de pagamentos de países como Cuba ou Venezuela se deu porque o então presidente Jair Bolsonaro resolveu cortar relações internacionais para não cobrar, segundo o atual presidente da República. “No nosso governo, eu tenho certeza de que irão pagar, certamente pagarão as dívidas que têm com o BNDES.”
Lula também defendeu uma política de desembolsos que terá a indústria e empresas de menor porte como alvo. Outro setor prioritário, disse, será a “economia verde”.
Mercadante afirmou que a atuação da instituição não deve se restringir ao Brasil, mas também aos países vizinhos. As declarações foram endossadas por Lula e pelo vice, Geraldo Alckmin, titular do Ministério de Desenvolvimento, ao qual o BNDES está vinculado.
A cerimônia, realizada no teatro do banco, teve presença de diversos políticos e autoridades do novo governo Lula. Assistiram à solenidade representantes de cerca de um terço do ministério de Lula, como Rui Costa, da Casa Civil; Márcio Macêdo, da secretaria-geral da Presidência; e Marina Silva, do Meio Ambiente. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não compareceu. Também estiveram presentes o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros, deputados federais, senadores e governadores. O cantor Chico Buarque não foi anunciado, mas foi visto pelos jornalistas presentes.
“Nós estamos aqui não para debater o BNDES do passado, mas para construir o BNDES do futuro, que será verde, inclusivo, tecnológico, digital e industrializante”, afirmou Mercadante. Ele substitui Gustavo Montezano.
Lula defendeu que o BNDES precisa “urgentemente” voltar a ser indutor do crescimento e desenvolvimento econômico desse país. Para ele, não é preciso “ter medo” de emprestar dinheiro para um Estado ou município, desde que possuam capacidade de endividamento. “Na crise de 2008, se não fosse o BNDES, esse país tinha afundado. O BNDES colocou dinheiro à disposição para empreender e por isso fomos o último a entrar na crise e o primeiro a sair da crise”, afirmou.
Ao se dirigir aos servidores do banco, disse que só teriam aumento de salário quando o banco voltasse a emprestar dinheiro. “Por que o BNDES deixou de ser um grande indutor de crescimento e passou a financiar o governo?”, questionou. No discurso, Lula disse que, em 2002, o BNDES desembolsou R$ 37 bilhões e em 2010, R$ 168 bilhões, indo a R$ 190 bilhões em 2013. Em 2021, no entanto, os valores somaram R$ 64 bilhões, lembrou, afirmando que há obras paradas, incluindo as áreas de educação e infraestrutura.
O presidente da República também questionou o fim da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que foi substituída pela TLP (Taxa de Longo Prazo) em contratos de financiamento firmados a partir de 1º de janeiro de 2018. A TJLP era calculada a partir da estimativa de inflação de 12 meses seguintes ao primeiro mês de pagamento do empréstimo.
Mercadante defendeu que a entrada no mercado de produtos industriais de alto valor agregado é fundamental para a economia brasileira e para a visão de longo prazo do banco de fomento. “O Brasil é um dos principais exportadores de produtos agrícolas, mas os produtos de alto valor agregado também são importantes. O Brasil não pode ser só a fazenda do mundo”, disse.
Segundo ele, 98% do mercado mundial está fora do Brasil, e, para serem competitivas, as empresas brasileiras precisam exportar, ganhar escala e se integrar às cadeias globais de valor. O BNDES deverá apoiar pré-embarque e pós-embarque das exportações de bens e produtos. O desenvolvimento de um projeto para a constituição de um Eximbank no BNDES, a exemplo do que existe nas principais economias do mundo, está nos planos de Mercadante.
Segundo Alckmin, o Brasil perde capacidade de exportação industrial justamente porque os países concorrentes têm bancos focados no fomento à exportação. “Perdemos exportação industrial porque nosso concorrente tem Eximbank e financia o exportador. Financiar exportações vai criar empregos no Brasil”, disse.
Ainda segundo Alckmin, a agenda de competitividade é “longa”, mas não vai funcionar se o custo de capital for muito elevado. O vice-presidente afirmou que o Brasil tem uma “oportunidade fantástica” na economia verde e será protagonista na agenda de transição energética. Segundo o ministro, o BNDES será central na operação de recursos do Fundo Amazônia.
“O nosso desenvolvimento passa necessariamente pela integração da América Latina e pela parceria com países do Sul Global [América Latina, África, Oriente Médio, Ásia e parte da Oceania]”, disse Mercadante.
Outro assunto que costuma figurar entre as críticas feitas à política do PT no banco, a ajuda financeira a “campeões nacionais”, também foi classificada por Lula como “mentira”. O presidente reconheceu, no entanto, que a prioridade na nova gestão deve ser dada às micro e pequenas empresas. “É importante ter clareza que o BNDES tem que privilegiar o financiamento de micros e pequenos empreendedores para dar um salto de qualidade na produção e no crescimento econômico do país”, afirmou. Também retrucando falas de Bolsonaro, Lula disse ainda que o BNDES nunca foi “caixa-preta” e lembrou que uma auditoria internacional realizada no banco não encontrou irregularidades na instituição de fomento.
Mercadante disse também que o banco “não pode ter medo” de emprestar dinheiro para um Estado ou município se houver capacidade de pagamento. “O que a gente não pode é emprestar para quem não pode pagar”, disse. Ele afirmou que vai revogar a política de avaliação de funcionários e foi aplaudido pela plateia. “A nota negativa era uma visão punitivista, superada e que não vamos seguir”, disse.
Depois da posse de Mercadante, Lula inaugurou o Super Centro Carioca de Saúde ao lado do prefeito Eduardo Paes e do governador Cláudio Castro, na zona norte do Rio. O presidente prometeu investir nas indústrias naval e de óleo e gás, uma das principais demandas do Estado na relação com o governo federal.
“A Petrobras vai voltar a funcionar aqui no Rio. O BNDES vai voltar a fazer investimento no setor produtivo deste país”, disse. “A gente vai voltar a construir navio outra vez nos estaleiros aqui do Rio. E a gente vai recuperar a indústria de óleo e gás neste país, além de outros projetos importantes que vamos ter para implantar no Rio.”
Fonte: Valor Econômico

