Por João Valadares e Estevão Taiar, Valor — Brasília
04/05/2023 12h42 Atualizado há 12 horas
Um dia após a primeira grande derrota para o governo no Congresso, com a derrubada de trechos dos decretos do saneamento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mandou um recado direto ao ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
“Espero que ele [Padilha] tenha a capacidade de organizar, de articular, que ele teve no conselho, dentro do Congresso Nacional. Aí vai facilitar muito a vida”, disse em meio a risos da plateia durante discurso no Itamaraty em cerimônia de instalação do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), o chamado “Conselhão”.
Sem uma base sólida no Congresso, o governo está com o alerta ligado para evitar novas derrotas. Na terça-feira, Lula não conseguiu arregimentar votos necessários para garantia de aprovação do Projeto de Lei das Fake News, que pretende regulamentar as redes sociais. Sem ter maioria assegurada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defensor da proposta, retirou a proposta de pauta.
Na semana passada, em entrevista ao jornal “O Globo”, Lira criticou Padilha. Ele disse que o ministro era “um sujeito fino e educado”, mas que tinha dificuldades na articulação com o Congresso. Lira também abordou o assunto durante reunião com Lula na semana passada no Palácio da Alvorada.
Em entrevistas, Padilha costuma repetir que o ambiente no Congresso para aprovar matérias de interesse do governo é sempre bastante positivo.
A aprovação na Câmara dos Deputados, por 295 votos a 136, do projeto de decreto legislativo (PDL) que susta trechos dos decretos do governo que alteraram o marco legal do saneamento básico foi considerada um recado de aliados ao Planalto. A proposta segue para análise do Senado, mas o governo espera que os senadores barrem a apreciação.
O texto foi aprovado na esteira da decisão do governo de ignorar o prazo estabelecido pelo presidente da Câmara para alterar os decretos que modificaram o marco do saneamento, o que fez Lira e líderes decidirem analisar o PDL. Na última quarta, Lira tinha estabelecido sete dias de prazo para o Palácio do Planalto mudar o texto.
Os decretos causaram insatisfação no Congresso porque contrariaram a lei aprovada na legislatura anterior com o objetivo de universalizar o serviço. Entre as mudanças, por exemplo, estão permitir a contratação de empresas estatais sem licitação e a flexibilização de exigências financeiras para as atuais empresas prestadoras dos serviços.
No mesmo evento, durante o discurso, Lula voltou a criticar o atual patamar de juros no Brasil. O presidente se referiu nominalmente ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Na quarta-feira, o BC manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano. Lula critica a condução da Selic pela autoridade monetária desde fevereiro. Não tomou, contudo, nenhuma iniciativa para rever a independência da autarquia.
“O povo mais pobre sofre as consequências dos juros, mas ele não reclama, porque para ele o que interessa é se a prestação do bem que vai comprar cabe no bolso”, discursou. “ Eu não estou dizendo isso, Roberto Campos, porque concordo com você, não”, complementou.
Na sequência, afirmou que “todo mundo sabe que esse conselho pode até discutir taxa de juros, se quiser. Todo mundo aqui pode falar sobre tudo, mas não pode falar de juros, né?”, reclamou, citando entidades representantes das indústrias como aquelas que não poderiam comentar as taxas de juros. “Como se um homem sozinho pudesse saber mais do que a cabeça de 215 milhões de pessoas”, continuou. As falas do presidente sobre o tema têm causado impacto negativo no mercado.
Logo no início do discurso, Lula ressaltou que a diversidade do Conselhão “é um espelho para uma sociedade que estamos criando para este momento”. O grupo consultivo para formulação de políticas públicas conta com 242 integrantes. A lista inclui nomes de diversos segmentos da sociedade e não apenas empresários, como aconteceu no primeiro mandato do petista.
O presidente embarcou para a Inglaterra no início da noite desta quinta-feira (4). Lula participa, em Londres, neste sábado (6), da cerimônia de coroação do rei Charles III, do Reino Unido. A previsão é de que retorne ao Brasil no domingo (7).
Fonte: Valor Econômico

