Por Adriana Cotias — De São Paulo
12/09/2022 05h03 Atualizado há 48 minutos
Correr no Parque Ibirapuera, em São Paulo, e fazer viagens de “trekking” para combinar o exercício com a beleza de trilhas e montanhas estão entre as atividades que Luis Stuhlberger pratica com certa regularidade. “É um jeito bom de desestressar, com algum esforço físico, e olhando a natureza”, afirma o sócio-fundador da Verde Asset Management, que lidera, há mais de 25 anos, o multimercado que é um dos símbolos da indústria de “hedge funds” no Brasil, o fundo Verde.
Desligar a mente desse ícone da gestão de recursos, que se acostumou a processar informações 365 dias por ano, não é uma tarefa fácil, já está incorporado ao seu modo de pensar, virou instinto e também uma paixão. “É meio que automático, é uma coisa que se adquire com o tempo. Então, toda e qualquer informação que vem ou algo que aconteça, de qualquer natureza, pode ser climática, política, geopolítica e econômica, você naturalmente processa. Isso é altista ou baixista? Para qual mercado, então?” É um cacoete de gestor. “O que não quer dizer que eu não vá encontrar um tempo para fazer um esporte, viajar, dá para cuidar da família.”
Aos 67 anos, Stuhlberger mantém o apego ao hábito de se desafiar para identificar o próximo “big money” em meio a um turbilhão de informações diárias e à custa de algumas noites de sono. Não pretende parar tão cedo. “Não estou nem de longe pensando em me aposentar, o que não significa que a Verde não tenha que se diversificar e ter mais gente competente para ir agregando valor e um dia, lá na frente, daqui a uns 20 anos…”
Quem investiu R$ 10 mil 25 anos atrás no fundo Verde, de Stuhlberger, teria uma bolada de mais de R$ 2 milhões
Até 2019, ele passava 10, 12 horas no escritório, mas a pandemia trouxe a conveniência do trabalho remoto e uma reorganização corporativa que permite que seu tempo hoje seja muito mais dedicado à gestão do fundo em si, encurtando o período de expediente.
De ‘vira-lata’ a ‘pedigree’
Como resumiu certa vez num evento da XP, a Verde de hoje é fruto de uma história de persistência, em que um “grupo de cachorros vira-latas” ganhou “pedigree”. Para quem começou a carreira no mercado financeiro em 1978, aos 23 anos, “naquele Brasil bagunçado”, tornou-se gestor aos 42, e alcançaria o primeiro bilhão de reais de investidores só em 2002, levou tempo para o negócio vingar.
Criado sob estrutura de fundo condominial na antiga Hedging-Griffo, o Verde teve sua primeira cota em 2 de janeiro de 1997. Começou com patrimônio de R$ 1 milhão, sendo R$ 500 mil de um programa de incentivos da então BM&F (hoje incorporada à B3) para dez corretoras, com o restante de amigos e familiares.
De lá para cá, o fundo acumula valorização de 20.574%, ganhando de lavada do CDI, referencial do segmento, em 2.513%. Isso significa que quem tivesse investido R$ 10 mil 25 anos atrás teria uma bolada de mais de R$ 2 milhões.
A ressaca do investidor com ativos de risco
Ao fim de julho, com uma base diversificada de produtos, quatro times de gestão e mais de 70 profissionais, a Verde reunia quase R$ 38 bilhões. Chegou a ter R$ 55 bilhões em meados de 2021. Não passou ilesa à onda de saques dos fundos de maior risco em meio à escalada da Selic, de 2% para os 13,75% atuais. Em sete meses, os resgates somavam cerca de R$ 13 bilhões, segundo a gestora. O movimento sucedeu o segundo ano de cota negativa em 2021 (-1,13%) para o principal fundo da casa, e de performances que deixaram a desejar nos outros produtos, destacam alocadores.
“Nenhum país pode sequer pensar no juro real de 6% que o Brasil tem hoje, não dá para imaginar isso na perpetuidade, mas no momento em que isso ocorre há uma fuga muito grande para a renda fixa”, diz Stuhlberger. A sua avaliação é que houve uma ressaca pós-pandemia, depois que milhões de investidores testaram classes de maior risco no período de juros ultrabaixos, aqui e no exterior. “Claramente houve uma bolha nos IPOs, no valuation de ações, e que acabou provocando uma queda no mercado. E aí a maioria das pessoas que tem perda muito grande dos seus investimentos em renda variável acaba resgatando.”
O curioso é que “os multimercados enfrentaram uma onda absurda de saques logo antes de um dos melhores semestres da história”, diz Luiz Parreiras, estrategista-chefe e segundo sócio principal da Verde. Neste ano, até agosto, o fundo liderado por Stuhlberger tinha ganho de 11,81%, ante 7,75% do CDI.
Os dois receberam o Valor, no escritório da Verde, no 11º andar do Faria Lima Square, edifício situado no coração financeiro de São Paulo. Após os cliques para fotos, numa conversa de quase duas horas, contaram alguns capítulos dessa história de resiliência e como pensam o futuro da gestora.
A trajetória do Fundo Verde
O fundo que depois batizaria a asset surgiu na esteira da consolidação do Plano Real, que pôs fim a uma inflação crônica de quase três décadas. Pouco depois do início da estabilização monetária, de 1994, veio o arcabouço regulatório para os fundos mistos. Até então, havia apenas carteiras de ações e de renda fixa, e quase tudo dentro dos bancos. Hoje, a classe agrega R$ 1,57 trilhão. “Eu imaginava que a indústria ia crescer baseado no que via no exterior, mas não que a gente ia crescer dessa forma, virar uma gestora tão grande”, diz Stuhlberger.
A arte do gestor foi ganhar dinheiro em meio a uma sucessão de episódios que atingiram duramente os mercados. Em 1997, na crise da Ásia, foram posições pró-alta de juros que frutificaram. Em 1999, na maxidesvalorização do real, o Verde estava comprado em dólar, e encerraria aquele ano com ganhos de 135,4%. Em 2001, surfou bem a debacle argentina. Aproveitou os anos de ouro da bolsa no governo Lula, e fez um diagnóstico assertivo da inflação entre 2007 e 2017, persistentemente acima da meta.
Na contabilidade do gestor, o fundo teve sete, oito grandes acertos, que trouxeram impacto significativo para a cota.
“Em 2008 foi o grande erro da vida do Verde, que foi entrar na crise muito comprado em ações. Houve uma perda muito grande [-6,44%], mas voltou tudo em 2009”, diz Stuhlberger. Numa apresentação à plateia da Expert XP, em 2019, o gestor classificou o colapso das hipotecas de alto risco americanas, que levou à derrocada do banco Lehman Brothers, como uma quebra completa da história do fundo. “Até então tinha aquela sensação de que éramos imortais, não tinha havido antes nenhum grande erro. Nos anos de sucesso, me perguntava: e o dia em que cometer um grande erro? Vai ter resgate maciço?” Os investidores, principalmente os estrangeiros, não perdoaram a escorregada e o patrimônio encolheu em torno de 30%. “A partir de 2009, passamos a ver o mundo sob outra ótica, de que não somos infalíveis e tivemos que seguir em frente.”
A equipe da Verde Asset
A Verde Asset como é conhecida hoje é resultado da reformulação da sociedade com o Credit Suisse (CS), em 2015, após o fim da cláusula de “não competição” assinada anos antes, quando o grupo suíço exerceu o direito de comprar o restante da Hedging-Griffo. Stuhlberger voltou à condição de controlador e levou o histórico do fundo. No acordo, o time da Verde ficou com 75,1% da sociedade e, atualmente, a “partnership” tem 16 sócios.
A compra de 51% da Hedging-Griffo, em 2006, foi o atalho para o CS escalar seu private banking no Brasil. Mas foram os sócios da corretora que bateram às portas do banco de investimento com a intenção de abrir o capital, lembra o ex-CEO do grupo suíço no Brasil Antonio Quintella. Era um período de atividade intensa no mercado de capitais, com inúmeras ofertas públicas de ações (IPO, na sigla em inglês). “Num determinado momento do processo, ficou a impressão que dado o portfólio de negócios [corretora e asset], não era uma candidata muito natural a ser listada”, diz. “Pela natureza, era difícil de projetar as margens da atividade, que eram boas, mas dependentes de pessoas-chave.”
Para o Credit Suisse era um encaixe perfeito. Foi nessa ocasião que Quintella conheceu Stuhlberger. “É alguém não só com talento, é alguém difícil de replicar, que tem profundo prazer pelo que faz e é um dos caras mais longevos em atividade no Brasil.”
Stuhlberger conta que na época era uma pequena asset dentro de uma corretora de ações e de futuros e que ia muito bem pelo desempenho do Verde, que representava de 80% a 90% dos resultados do negócio. Os sócios tinham participações parecidas e ninguém mais queria vender suas fatias, era uma estrutura destinada a implodir. “A gente pensou em fazer um epílogo, criando-se a condição de que pudessem vender suas ações na bolsa e sair.” Outros bancos já tinham feito proposta pela Hedging-Griffo, mas a do grupo suíço foi “concreta e bem decente e o banco via a gente como uma plataforma de private bank”, afirma o gestor.
Da engenharia para a gestão de recursos
Stuhlberger fez o antigo colegial no Bandeirantes, escola tradicional em São Paulo, e é um politécnico formado em engenharia civil por insistência do pai, naquele tipo de argumentação difícil de rebater: “você vai fazer porque eu quero e acabou”, lembra o gestor. O projeto era que algum dia ele assumisse a empresa de engenharia da família.
O destino parecia traçado, mas já no meio do curso ele percebeu que não era o que queria, não tinha vocação. Terminou a Poli, mas simultaneamente fez administração à noite na Fundação Getulio Vargas (FGV). Já cumpria expediente num banco pequeno ligado ao grupo familiar, mas a crise dos anos 70, 80, em pleno regime militar, também afetou o setor de construção civil.
Foi convidado para trabalhar na Griffo e passou a ocupar um cantinho operando derivativos. Quando tentou explicar o que fazia, aqueles mecanismos de margem, de comprar o futuro, sem nunca pagar por aquilo e nunca receber quando vendia, ouviu o desabafo do pai. “Seu avô lutou na Primeira Guerra Mundial, foi ferido, saiu da Polônia, veio para o Brasil, era encanador. Seu avô e sua avó lutaram para eu poder ter uma profissão de engenheiro, eu abro uma empresa de engenharia e você, meu filho, vai trabalhar num cassino?”
Stuhlberger estava no lugar certo, na hora certa, quando algo novo começava acontecer no Brasil. O mercado financeiro era muito rudimentar e não existia ainda a BM&F. Ele negociava, na chamada “bolsinha”, commodities agrícolas como café, algodão, soja e boi gordo, “uma terra de ninguém”, em que os especuladores da ocasião eram fracos em matemática. “Vi muita arbitragem que poderia fazer praticamente sem risco, aproveitando as diversas distorções.” Ele passaria depois a administrar uma carteira conservadora para cerca de 20 clientes. Emergia a veia de gestor.
Foi no mercado de ouro, em 1981, que encontrou o seu lugar. “O Brasil estava quebrado, tinha garimpo, extraía ouro em mina e exportava. Era mercadoria quando comecei, depois teve a mudança legal e virou ativo financeiro”, contou Stuhlberger numa live com o amigo e gestor Pedro Cerize, da Skopus.
Inflação, ouro e bolsa
O primeiro grande acerto veio em 1986, com o Plano Cruzado. Houve o congelamento de preços e um carismático ministro da Economia, Dilson Funaro, ia à TV pedir à população que virasse um exército de “fiscais do Sarney”. Nos primeiros meses, a bolsa subiu alucinadamente. Como não havia ainda os contratos de juros, a taxa prefixada longa era dada pela arbitragem de ouro e café.
O contrato de ouro para dezembro de 1987 negociava com prêmio de 100%, enquanto a inflação corria a 5%, 6% ao mês, num ritmo não linear, e muita gente não percebeu isso. “Ao longo de dois, três meses, a inflação foi de 80%, 90% ao ano para 400%, 500%, e a barra de ouro, um ano depois, virou cinco vezes mais, meus clientes ganharam muito dinheiro e eu também. Mudei da Vila Madalena para um apartamento na Nova Conceição”, contou Stuhlberger.
O nome Verde vem da origem como operador no mercado de commodities. Foi também uma referência ao dólar, numa época em que o Brasil insistia no câmbio fixo. O gestor não acreditava que aquela paridade duraria e queria acertar o momento da desvalorização — o que se confirmaria depois. A marca da asset casaria ainda com a cor do time do coração, o Palmeiras.
A orquestra e o maestro
Parreiras entrou nessa história em 2002, na estrutura da Hedging-Griffo, quando estava no quarto ano de engenharia industrial, também na Poli. Começou como estagiário do time de ações e no ano seguinte foi trabalhar na equipe de Stuhlberger. Nunca mais saiu do seu lado, tornando-se estrategista em 2008. O primeiro multimercado sob sua gestão surgiria em 2006, e na estrutura da Verde Asset passou a tocar os fundos de previdência, replicando o conceito de “asset allocation” da estratégia principal da casa. Hoje é responsável por cerca de 30% dos ativos sob gestão.
“O que fazemos é extremamente difícil e complexo. Mas até por isso atrai pessoas extremamente talentosas. Tive a sorte de, no primeiro emprego que eu tive na vida, trabalhar para uma dessas pessoas”, afirma Parreiras. “Ele sempre foi incrivelmente generoso comigo e deu espaço para eu fazer o que eu imaginava que queria fazer.”
Quando olha adiante, Parreiras diz já haver uma diversificação de risco feita nos próprios fundos, com um livro de cerca de R$ 2,5 bilhões em crédito, por exemplo. Algum dia isso pode virar uma estratégia própria. Para entrar em classes ilíquidas, como private equity ou venture capital, seria preciso encontrar as pessoas certas, algo que destoaria das competências existentes hoje.
Ele diz que Stuhlberger atua como um maestro da orquestra e que o resto da equipe complementa as sonoridades. Pode-se adicionar um trompetista novo, um flautista. Mas partir para algo totalmente novo seria como montar uma banda de rock. Ainda é música, mas é outra coisa. “A gente vai fazer só se achar um baita guitarrista, um baita baterista e um vocalista, que funcionem bem juntos”, afirma.
O espírito crítico
Há quem atribua a desafinada recente da captação dos fundos da Verde a críticas feitas ao governo de Jair Bolsonaro em cartas e aparições públicas. Na Expert XP de 2021, Stuhlberger comentou, por exemplo, que o presidente, que aparecia como uma história econômica mais ligada ao centro, aderiu a “uma proposta de política de extrema direita tupiniquim, como um aprendiz do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump”. Antes, ele já tinha dito se arrepender de ter votado em Bolsonaro, na eleição de 2018.
No início de fevereiro, no relatório “Terraplanismo Econômico”, o economista-chefe Daniel Leichsenring escreveu que o governo entrou em seu último ano recorrendo a um “populismo eleitoreiro barato”, “totalmente irresponsável” e que lembra as “piores práticas do ex-presidente dos EUA Donald Trump”.
“Nosso dever é analisar o que está acontecendo e projetar o cenário para cuidar do dinheiro do cliente, e não tem como analisar e não ser crítico, do mesmo jeito que a gente foi com Lula 1 e 2, Dilma 1 e 2, no pré-impeachment, no governo Temer fomos críticos em várias coisas”, afirma Parreiras. “Quem quer que ganhe, a gente vai continuar fazendo nossa análise e escrevendo o que acredita. Infelizmente, gostaria que as pessoas conseguissem ver além do ‘Fla Flu’, mas essa polarização vai continuar.” O mundo pós Donald Trump e Brexit virou um grande Fla Flu mundial, acrescenta Stuhlberger, mas um gestor costuma comentar as políticas públicas porque interferem nos mercados em que investe, diz.
Fonte: Valor Econômico

