Por Jennifer Hughes — Financial Times
08/04/2024 05h02 Atualizado há 5 horas
Quantas pessoas contribuem para um bom debate? Quanto mais nos aproximamos do momento esperado para um primeiro corte nas taxas de juros dos EUA, mais quente o tema se torna – e mais indivíduos participam. Dez dos 12 membros votantes responsáveis pela definição de taxas de juros do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) fizeram pelo menos 20 aparições públicas na última quinzena.
Isso deu aos observadores do mercado financeiro um volume enorme de comentários para analisar, apesar de o direcionamento dos ativos negociados não sugerir qualquer certeza sobre a trajetória da política monetária do Fed mesmo antes que esse volume todo de declarações começasse a surgir.
Na verdade, há uma maior sensibilidade em torno do tema. Na última quinta-feira, o S&P 500 reverteu um ganho matinal de 0,8% para fechar em baixa de 1,2% – a pior sessão em oito semanas. A queda não foi atribuída apenas ao nervosismo relacionado às taxas de juros, mas não ajudou o fato de os preços do petróleo terem atingido o maior nível em cinco meses, ultrapassando os US$ 90 o barril.
Isso ocorreu quase ao mesmo tempo em que o chefe do Fed de Mineápolis, Neel Kashkari, afirmava que tinha dúvida sobre a necessidade de cortes nos juros caso a inflação não diminuísse ainda mais. Kashkari nem sequer é membro votante do comitê que define as taxas no Fed neste ano – os presidentes das regionais do Fed alternam essas posições -, mas seus comentários foram próximos dos de alguns colegas com maior influência nas decisões.
Toda essa conversa e incerteza não estão facilitando a vida nos mercados. De volta a dezembro, os investidores podiam aguardar com satisfação uma série de cortes que começariam no (então) longínquo verão do Hemisfério Norte. Nesse ponto, a escala da flexibilização monetária – sejam, àquela época, os seis cortes de 0,25 ponto percentual então precificados pelos investidores ou, atualmente, as três reduções projetadas pelo Fed – importava menos porque o ímpeto se baseava no alívio geral, pelo motivo de que as taxas tinham atingido o pico. Agora, o momento preciso e a escala de qualquer flexibilização tornaram-se muito mais importantes.
Entre os dirigentes do Fed, a série de comentários feitos nas últimas duas semanas foi em sua maioria no lado “hawkish” (favorável ao aperto), liderados pelo presidente do Fed de Atlanta, Raphael Bostic, e pelo governador do Fed, Christopher Waller. A voz mais moderada foi a da presidente do Fed de Cleveland, Loretta Mester, que apesar da reputação “hawk”, não descartou um corte nas taxas em junho.
Bostic, considerado mais “dovish” (favorável à flexibilização), disse à CNBC que considerava mais apropriado pensar no corte das taxas no final do ano, enquanto Waller, um dos mais influentes na definição das taxas, afirmou na semana anterior que o Fed não deveria ter pressa em flexibilizar a política monetária.
No meio do caminho, juntamente com muitos investidores desafortunados, está o presidente do Fed, Jerome Powell, que disse na semana passada que a batalha do Fed contra a inflação “não estava terminada” e que o banco central tinha tempo para esperar por novos dados econômicos.
Powell está certo, mas isso não torna as decisões dos investidores mais fáceis. Os futuros dos Fed funds sugerem dois cortes de 0,25 ponto até ao final do ano, com uma probabilidade ainda razoável de ocorrer um terceiro. Mas é melhor considerar isso como a mediana de uma gama mais ampla de pensamento de mercado.
Os economistas do Citigroup, por exemplo, têm previsto cinco cortes de 0,25 ponto percentual, enquanto os da Vanguard acreditam que o Fed poderá terminar 2024 sem mudar os juros do patamar atual. “O nosso cenário base para este ano inclui um aumento significativo na taxa de desemprego e dois trimestres de crescimento negativo – ou seja, uma recessão”, disse Andrew Hollenhorst, economista do Citi. “Acreditamos que a atividade mais fraca fará com que o Fed reduza as taxas em 0,25 ponto percentual em todas as reuniões a partir de junho.”
Sobre a situação, Qian Wang, da Vanguard, disse: “Olhamos para a economia e vemos potencialmente um cenário em que a inflação permanece muito rígida e acima da meta – e também temos um crescimento acima da meta. Neste caso, não pensamos que o Fed possa alegar ‘missão cumprida’”.
Os investidores também têm de considerar as eleições presidenciais dos EUA em novembro. Pergunte aos dirigentes do Fed sobre o assunto e eles dirão que a eleição não desempenha um papel na política monetária. Mas olhemos para as iniciativas ao longo dos últimos 30 anos e vemos que os períodos de eleição são, de fato, diferentes.
Em média, os responsáveis pela definição dos juros nos EUA mantiveram as taxas estáveis em 71% das reuniões nos anos de eleição, contra 67% em outros anos, de acordo com levantamento do Bespoke Investment Group. Considerando apenas o período entre maio e novembro, de maior apelo na campanha eleitoral, esse número sobe para 81% contra 65%. Em anos de eleições presidenciais, o Fed reduziu as taxas em apenas 3% das suas reuniões nesses meses, em comparação com 14% em outros anos. “À medida que as páginas do calendário vão virando, surge a questão: será que algum dia chegarão os cortes nas taxas que continuam sendo adiados no horizonte?” perguntaram estrategistas do grupo.
Números excelentes do mercado de trabalho, divulgados na sexta-feira, com uma taxa de desemprego de 3,8%, apenas aumentaram o risco de que aqueles que esperam uma ação rápida e profunda do Fed possam ficar desapontados. Powell colocou os mercados neste caminho incerto em agosto passado, quando descreveu o Fed como “navegando pelas estrelas sob céus nublados”.
Os investidores têm demonstrado muita fé até agora na capacidade dele traçar o melhor caminho. Se o Fed não for mais claro em breve sobre a sua direção – e os indicadores podem não ajudar nessa tarefa – então a recuperação do mercado de ações deste ano poderá em breve começar a perder o rumo.
Fonte: FT / Valor Econômico

