Por Thomas Hale, Gloria Li, Harry Dempsey e Eleanor Olcott — Financial Times, de Hong Kong, Londres e Taipé
08/04/2022 05h01 Atualizado 08/04/2022
Uma série de “lockdowns” em Xangai e outras cidades chinesas pressiona duramente o transporte e a logística no país, agravando as consequências econômicas da política do governo de tolerância zero com a covid-19, à medida que o número de novos casos continua atingindo níveis recorde.
As interrupções afetaram em particular o setor de transporte rodoviário, que desempenha um papel muito importante no escoamento de produtos entre cidades e para alguns dos maiores portos do mundo, mas que agora está sujeita a duras restrições sobre motoristas de caminhão e entregas em locais com casos positivos da doença.
“O transporte rodoviário é o principal problema que temos”, diz Mads Ravn, vice-presidente executivo e diretor global de logística de frete aéreo da DSV, uma das maiores empresas de frete do mundo. Ele acrescenta que a reserva de serviços de transporte rodoviário está quase impossível e que a atividade de voos no aeroporto de Shanghai Pudong no mês passado foi de apenas 3% da taxa normal, com as remessas de carga aérea limitadas a bens essenciais como medicamentos.
“Basicamente, todo o resto não está se movendo, mas sendo desviado de Xangai para outras partes da China. Isso afeta todas as commodities que se possa imaginar”, diz ele. “Isso terá um efeito global sobre quase todo o comércio”.
A China enfrenta seu pior surto do covid-19 desde seu surgimento em Wuhan há mais de dois anos. Ontem, o governo reportou 23.107 novos casos em todo o país em 24 horas. Deste total, só 1.323 pacientes apresentavam sintomas.
A maioria esmagadora dos casos registrados em nível nacional é de Xangai – onde 19.989 pessoas testaram positivo, das quais 329 tinham sintomas da doença.
A companhia de navegação dinamarquesa Maersk alertou no fim de março que o “lockdown” na cidade reduziria o transporte rodoviário de e para Xangai em 30%.
Mas desde então, as restrições, que inicialmente deveriam dividir a cidade em duas para um lockdown escalonado de nove dias, ficaram mais duras e ampliadas, englobando toda a cidade de uma vez. Não está claro quando as medidas serão relaxadas.
As medidas, que em Xangai levaram a muitas reclamações por causa da dificuldade de se obter alimentos – com drones fazendo a vigilância das ruas vazias – também estão sendo implementadas de forma mais ampla na China, com as autoridades lutando para conter o agravamento do surto. O banco japonês Nomura estimou nesta semana que 23 cidades e quase 200 milhões de pessoas estão sob lockdown total ou parcial.
“Esses números podem subestimar bastante o impacto total, uma vez que muitas outras cidades estão fazendo testes em massa distrito por distrito, e a mobilidade foi bastante limitada na maior parte da China”, diz Ting Lu, economista-chefe do Nomura para a China.
Bo Zhuang, analista e gestor de ativos da Loomis Sayles de Cingapura, disse: “Muitos pontos de entrada e saída das rodovias entre as províncias estão bloqueados e não houve um esforço coordenado entre os vários governos provinciais para aliviar o aperto na cadeia de suprimentos”.
Empresas de entregas expressas nas províncias de Anhui e Jiangsu, ambas no leste do país e próximas de Xangai, disseram ao “Financial Times” que pacotes não puderam ser entregues em nenhuma área que relatou casos transmitidos localmente, incluindo Xangai. Encomendas do Taobao, o mercado online popular entre os chineses, estão sujeitas a atrasos em razão das medidas de restrição sanitária.
Além da interrupção doméstica, analistas alertaram que qualquer gargalo logístico no interior do país acabará resultando em atrasos no transporte marítimo devido ao acúmulo de mercadorias e pedidos – e que os custos associados aflorarão quando as medidas forem finalmente afrouxadas.
“Assim que Xangai reabrir, será um déjà vu de uma história que já vimos muitas vezes”, diz Lars Jensen, presidente executivo da consultoria Vespucci Maritime. “Haverá um aumento dos volumes e pressão de alta sobre as taxas no mercado spot [à vista].”
Os dados econômicos mais recentes, divulgados na quarta-feira, sinalizaram os efeitos da escalada recente dos controles, com o índice de atividade do setor de serviços da Caixin China mostrando em março a pior contração mensal desde o começo de 2020.
Não há evidências de filas de navios muito longas ao largo do porto de Xangai, o maior do mundo, que segundo as autoridades está operando sob o sistema de “circuito fechado”, em que os trabalhadores não deixam os locais de trabalho depois do fim de seus turnos.
Mas os volumes de carga que passam pelo porto, rastreados pela FourKites, empresa que fornece dados sobre cadeias de suprimentos, caíram cerca de um terço desde 12 de março, com importadores e exportadores redirecionando os fretes.
O jornal estatal “China Daily” disse que produtos estão sendo cada vez mais enviados para Xangai pelo mar, porque muitas cidades vizinhas bloquearam as passagens de motoristas de caminhão que transportam cargas.
A Maersk disse na semana passada que iria prestar serviços via “barcaças ou trens como soluções alternativas para o corredor entre Xangai e as cidades próximas”.
Mas Bo Zhuang, da Loomis Sayles, disse que isso é apenas uma “solução temporária” porque à medida que o vírus se espalha para mais cidades, esses canais alternativos provavelmente também serão bloqueados por lockdowns. (Colaboraram Wang Xueqiao em Xangai, Nian Liu em Pequim e Andy Lin em Hong Kong)
Fonte: Valor Econômico

