Por Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro, Valor — Brasília
27/09/2023 13h38 Atualizado há 18 horas
Duas semanas após a entrada de Republicanos e PP no governo Lula, a Câmara dos Deputados virou novamente palco de insatisfação com o Executivo e terminará a semana sem realizar deliberações em plenário. A pauta sequer chegou a ser divulgada.
Em meio aos rumores de semana esvaziada por obstrução, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), convocou uma reunião com os líderes partidários para esta tarde. Parlamentares avaliam que, apesar de remotas, ainda há chances de haver ordem do dia no plenário da Casa.
Há uma somatória de fatores para esse clima na Câmara, mas o principal foi o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) negar em público na segunda-feira o acordo feito com Lira, para que o centrão comande a Caixa Econômica Federal.
Lula, segundo deputados, prometeu entregar a Lira a presidência da Caixa e suas 12 vice-presidências para que distribuísse entre PP, Republicanos, União Brasil, PDT e PSB (PSDB e Cidadania foram cotados, mas recusaram). O petista falou que os cargos não eram para o PP, mas para ele contemplar a Câmara, segundo contou o presidente da Casa aos líderes.
A confiança no acordo era tanta que Lira confirmou em entrevista à “Folha de S.Paulo” o compromisso, disse que estava selecionando pessoas para indicar ao governo e esperava resolver as nomeações até o fim de setembro. Lula, contudo, negou em entrevista à imprensa que exista este compromisso e disse que “por enquanto” não pretende fazer a troca.
“Não adianta ficar torcendo para a água que você quer que passe embaixo da ponte chegue logo, elas vão chegar no momento certo. Na hora que eu tiver de mexer em alguma coisa, eu vou mexer”, afirmou Lula à imprensa na segunda-feira. “Só eu tenho direito de colocar, só eu tenho direito de tirar [presidente da Caixa]. No restante, eu posso mexer em qualquer um e, por enquanto, não estou disposto a mexer com nada. Estou disposto a fechar o ano bem.”
Lira desapareceu ao longo de terça-feira numa viagem para São Paulo que não constava em sua agenda oficial, não divulgou pauta e encerrou a sessão sem que nada fosse votado. Nesta quarta-feira, avisou aos partidos que não haverá votações o resto da semana. “A Casa está em obstrução”, disse ele, em áudio enviado aos líderes partidários e ouvido pelo Valor.
A obstrução, no caso, é das bancadas ruralista, evangélica e católica por causa de julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) – e que não tem relação direta com o Congresso.
Os defensores do agronegócio estão revoltados com a decisão da Corte de tornar inconstitucional o marco temporal para demarcação das terras indígenas e tentam reverter a decisão com um projeto de lei no Senado. Evangélicos e católicos protestam contra o julgamento no STF, suspenso, para legalizar o aborto até a 12ª semana.
A obstrução deles, contudo, é seletiva. Enquanto não dão quórum na Comissão de Constituição e Justiça e no plenário, os evangélicos compareceram em peso à Comissão de Previdência da Câmara, onde tentam aprovar, sob muitos holofotes e protestos, projeto de lei para proibir o casamento homoafetivo.
Há também insatisfação dos deputados do PSD com o governo ter prometido o comando da Fundação Nacional da Saúde (Funasa), que está sendo recriada, para o Republicanos. O PSD da Câmara comandava a instituição no governo Jair Bolsonaro (PL) e cobra o governo do PT por ter um espaço reduzido na atual gestão, relegado ao Ministério da Pesca (dois indicados do PSD do Senado controlam o Ministério de Minas e Energia e de Agricultura).
O Centrão também se incomodou com denúncia, divulgada pela revista “Veja” neste fim de semana, em que um assessor do Ministério da Fazenda denunciou supostos relatos de pedidos de propina pelo deputado Felipe Carreras (PSB-PE), líder do PSB e relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apurava fraudes em apostas esportivas.
A reportagem baseia-se em relatos de integrantes do Ministério da Fazenda. Para aliados de Lira ouvidos pelo Valor, trata-se de um “vazamento seletivo” do PT para taxar o grupo de corrupto e não cumprir o compromisso de transferir parte da regulamentação dos jogos de azar para o Ministério do Esporte, comandado pelo PP.
Fonte: Valor Econômico

