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A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aprovou na última quinta-feira (17) o prospecto da oferta de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) para a Operação Urbana Consorciada Faria Lima. Segundo a prefeitura de São Paulo, o edital, com a data de realização, será publicado nesta semana. A previsão é que a oferta ocorra em agosto.
É por meio do leilão desses certificados que serão distribuídos os últimos 250 mil metros quadrados de potencial construtivo adicional na região da operação, que abrange toda a extensão da avenida Faria Lima e algumas quadras no seu entorno. É uma chance para colocar na rua novos empreendimentos na parte mais valorizada da cidade para os imóveis corporativos, mas que também tem atraído projetos residenciais de alto padrão.
Áreas que hoje estão com uma ocupação de baixa densidade são os maiores alvos de transformação. Os proprietários dos terrenos podem ser penalizados com IPTU mais alto se deixarem os espaços sem uso, então dão destinações que possam ser encerradas quando a oportunidade de vender para um novo prédio aparecer. É o caso de terrenos ocupados por quadras de “beach tennis”, redes de fast food e agências bancárias, conta o advogado especializado em direito empresarial imobiliário Rodrigo Bicalho, sócio do escritório Bicalho Navarro.
A disputa com o segmento residencial pode ser a tônica desse leilão, segundo especialistas. Diferentemente das outras ofertas da operação, desta vez, não foi fixada uma parcela do potencial para cada tipo de empreendimento, o que deixa a concorrência livre.
O preço pode ser um limitante e definir o destino dos títulos. Foi estipulado o valor mínimo de R$ 17,6 mil por Cepac, mesmo preço do último leilão. É de interesse da Prefeitura que o valor não seja baixo, porque os recursos arrecadados com os Cepacs são direcionados para o Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb).
Em nota, a Prefeitura informou que a nova captação de recursos vai viabilizar, “prioritariamente, intervenções nas áreas de habitação, infraestrutura e equipamentos públicos no complexo de Paraisópolis, que abrange também os bairros Jardim Colombo e Porto Seguro”. O valor a ser arrecadado pela Prefeitura com os certificados pode passar de R$ 3,9 bilhões.
Se a Faria Lima tem a cara que possui hoje, isso se deve à operação urbana e aos Cepacs, que bancaram o alargamento da avenida, os túneis já existentes e a ciclovia, entre outras obras.
É uma relação que Bicalho define como “paradoxal”. Ao mesmo tempo em que ter Cepacs mais caros faz com que a Prefeitura arrecade mais e possa investir nas obras de infraestrutura, o que é bom para a população, isso faz com que o preço de se construir naquela área suba, o que elitiza os empreendimentos.
“A valorização imobiliária da região também foi influenciada pela própria operação urbana, é um círculo”, afirma Marcos Lopes Prado, advogado especializado em direito urbanístico e imobiliário e sócio do escritório Cescon Barrieu.
O preço mínimo está dado, mas a dinâmica do leilão pode fazer com que ele suba mais, e aí “tem um risco de alguns [investidores] tirarem o pé”, alerta Adriano Sartori, presidente da consultoria imobiliária CBRE Brasil.
Os compradores potenciais, segundo ele, são aqueles que já possuem projetos em andamento ou terrenos na região. Há empresas com obras iniciadas, mas que podem ganhar expansões caso os desenvolvedores adquiram os certificados.
É o caso do projeto da JHSF na esquina da Faria Lima com a rua Leopoldo Couto Magalhães. Ali, a empresa vai construir um shopping de luxo, o Shops Faria Lima, com 14 mil metros quadrados de área bruta locável (ABL), que inclui um clube social. O terreno, de 3,8 mil metros quadrados, foi adquirido entre 2018 e 2020, conta o presidente Augusto Martins, e as obras começaram no ano passado. A entrega está prevista para 2027.
Se conseguir mais Cepacs, a empresa também vai erguer uma torre multiuso, acoplada ao shopping, um projeto que ainda está em fase de desenvolvimento. “O fato de já termos comprado [certificados] no último leilão nos deu um conforto grande para poder olhar isso com mais cautela”, diz Martins.
Projetos multiuso são o que Prado afirma que irão aparecer em maior quantidade na região do Largo da Batata, que integra a operação urbana. A gestora Jacarandá tem um projeto para a região, chamado de Lapi, que inclui shopping a céu aberto e restaurantes. Ela foi procurada, mas não retornou ao contato da reportagem.
“Alguns fundos já adquiriram uma série de terrenos no entorno do Largo”, afirma Prado. O espaço vai passar por um novo processo de reurbanização.
Residenciais devem fazer parte dos novos empreendimentos, mas serão voltados a um público que já trabalha na região, sem o foco em moradia social, prevê o advogado. Na sua visão, as novas regras estipuladas pela Prefeitura para empreendimentos que recebem incentivos para ter moradia de interesse social, somadas a uma maior fiscalização do seu cumprimento, levam a isso.
“Hoje, a habitação de interesse social é vista com outros olhos, tem de respeitar a faixa de renda, e aí talvez não seja um produto adequado para a Faria Lima, porque o metro quadrado é muito caro”, diz ele, que espera mais imóveis compactos, mas voltados para a alta renda.
Residenciais, ainda que em projetos multiuso, também são vistos como adequados para a outra ponta da operação, próxima à avenida Hélio Pellegrino. “Já existe uma aquisição de terrenos e posicionamento das incorporadoras, antevendo esses novos desenvolvimentos que vão surgir com o leilão”, diz Prado.
A demanda pelos certificados da operação pode ficar no “meio a meio”, entre os segmentos de imóveis residenciais e corporativos, na análise de Sartori. Há razões para se ter essa expectativa.
“Nem todo terreno passa na conta, porque na hora de vender ou alugar, o mercado não absorve [o preço], o que está levando a uma mudança de paradigma”, afirma Bicalho. O segmento residencial “descolou do preço do comercial” nas áreas nobres da cidade, encontrando um público que aceita pagar até mais de R$ 40 mil pelo metro quadrado, o que não é tão usual entre os compradores e locadores de imóveis corporativos.
Na prática, o Cepac se torna um redutor de margem de lucro dos desenvolvedores imobiliários, afirma Prado. Com a margem apertada, construir ali pode ser menos atrativo para quem precisa rentabilizar o projeto mais rapidamente, como os fundos imobiliários, que têm um prazo para “performar” e sair do ativo, lembra Sartori.
A região da Faria Lima já é a mais cara da cidade para escritórios, com aluguéis pedidos que podem ultrapassar R$ 300 por metro quadrado.
A taxa de vacância tem se mantido baixa: fechou junho em 9,5% na área mais “nobre” da avenida, chamada de “Nova Faria Lima”, de acordo com a consultoria Buildings. A média da cidade ficou em 16,6%. Ainda que uma nova leva de projetos nasça a partir do leilão de Cepacs, essa taxa não deve se mover, afirma Sartori. Os possíveis 125 mil metros quadrados de novos escritórios, se a previsão de 50% da destinação dos papéis se cumprir, representam a área de três prédios de categoria “AAA”, o mais alto padrão do segmento. “Vai deixar a vacância estável”, diz.
A advogada especializada no setor imobiliário Nathalia Lopes, sócia do Bicalho Navarro, lembra que uma segunda corrida deve começar após o leilão. Os certificados adquiridos precisam ser vinculados aos projetos imobiliários, e isso é feito por meio de uma fila, por ordem de chegada.
A operação Faria Lima é composta por quatro setores, com um determinado estoque de potencial construtivo em cada um (veja a arte acima), e cada projeto vinculado vai esgotando o saldo daquela seção. Quem demorar, pode ficar sem o potencial construtivo desejado e ter de revender seu certificado – ou utilizá-lo em outro ponto da operação.
O futuro da região ainda é incerto. Há um prazo de cinco anos para a absorção dos 250 mil metros quadrados adicionais, explica Lopes, mas não está claro como será feita a transição da regulação urbanística.
Após esse prazo, a região segue para o sistema tradicional de zoneamento, que opera em toda a cidade. Quem não comprar Cepacs e tiver projetos que demandem mais potencial construtivo, pode ficar num “limbo”. “Isso gera essa ansiedade no setor, de não saber quando vai poder conseguir metragem para fazer o seu projeto”, afirma a advogada. Essa insegurança pode tornar o leilão ainda mais disputado.
Fonte: Valor Econômico

