Projetos de pesquisa abrangem segmentos como previsão de frequências de efeitos colaterais de medicamentos e de genes causadores de doenças hereditárias
Por Lucianne Carneiro — Do Rio
11/07/2023 05h01 Atualizado há 6 horas
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Alberto Paccanaro, ao centro, com parte da equipe do Paccanaro Lab: trabalho com aprendizagem de máquina para solução de problemas em biologia molecular, medicina e farmacologia — Foto: Leo Pinheiro/Valor
Um dos principais centros do pensamento econômico no país, a Fundação Getulio Vargas agora tem um laboratório de inteligência artificial voltado para a saúde. A unidade fica dentro da Escola de Matemática Aplicada (EMAp), que tem planos de se tornar, até 2028, um centro de referência da ciência de dados na América Latina e vem investindo para isso.
A pequena sala do quinto andar da sede da FGV, na Praia de Botafogo, no Rio, reúne jovens de diferentes países do mundo, entre Inglaterra, França, Paraguai e também do Brasil, que cursam mestrado, doutorado ou pós-doutorado e trabalham na pesquisa de ponta do aprendizado de máquina, com foco na solução de problemas nas áreas de biologia molecular, medicina e farmacologia.
A equipe é comandada por Alberto Paccanaro, italiano da cidade de Vicenza que fez doutorado em Ciência da Computação na Universidade de Toronto, onde foi orientado por Geoffrey Hinton. Ele é o cientista conhecido como um dos padrinhos da inteligência artificial e que alertou recentemente sobre os riscos da tecnologia para a humanidade, após deixar o Google. Depois, enveredou para os estudos em Biologia Computacional, com dois pós-doutorados, diante do interesse em trabalhar na área.
O PaccanaroLab, como é conhecido o laboratório, começou seus trabalhos em 2006, quando o professor era do Departamento de Ciência da Computação, da Royal Holloway, da Universidade de Londres. Após uma visita para um congresso no Brasil em 2018, Paccanaro se aproximou da EMAp. Em janeiro de 2020, dois meses antes do início da pandemia, veio de forma definitiva para a universidade e trouxe junto o laboratório e seus projetos.
“O biólogo tem uma pergunta, faz o experimento e sabe que sua resposta está ali, mas muitas vezes não sabe como tirar. E precisa detectar padrões em grandes quantidades de dados que são muito ‘ruidosos’, e integrar diversos conjuntos de dados de fontes diferentes”, diz o pesquisador, ao explicar o trabalho em parceria com outros estudiosos.
“Meu trabalho é inventar um algoritmo para responder à pergunta utilizando os dados. Desenvolvemos novos métodos de aprendizagem de máquina para responder perguntas em medicina, biologia e farmacologia”, afirma Paccanaro, pesquisador de cabelos grisalhos, óculos de armação grossa e preta que fala com entusiasmo dos muitos potenciais dos estudos.
O biólogo tem uma pergunta, faz experimento e sabe que sua resposta está ali, mas muitas vezes não sabe como tirar”
— Alberto Paccanaro
Para explicar melhor o trabalho do laboratório, o italiano diz que é preciso diferenciar sua linha de atuação. A inteligência artificial, afirma ele, constrói sistemas para executar tarefas que requerem inteligência. E a inteligência pode ser expressa pela capacidade de raciocinar – que é a inteligência artificial baseada em lógica – ou pela capacidade de aprender, que é o aprendizado de máquina.
“Nós trabalhamos na parte da inteligência artificial que é baseada no aprendizado de máquina. Construímos modelos matemáticos com parâmetros, ajustamos esses parâmetros… Aliado a isso somamos nosso conhecimento em biologia”, conta ele.
Com a mistura de nacionalidades, o inglês é a língua oficial. Nas mesas da sala 534 há dois monitores grandes para cada computador. Nas telas, em uma tarde de quarta-feira do último mês, apareciam códigos de programação, esquemas visuais sobre os algoritmos produzidos e textos de artigos científicos em produção. Em mais de uma mesa também se viam garrafas térmicas ao lado de copos com tererê, a bebida típica do Paraguai, país de origem de três dos pesquisadores.
Os projetos de pesquisa do PaccanaroLab tratam de diferentes questões nas áreas de biologia molecular, medicina e farmacologia. Um deles é um modelo para prever as frequências de efeitos colaterais de medicamentos, o primeiro já desenvolvido deste tipo. O desenvolvimento de um medicamento passa por três fases, cada uma com um número maior de pessoas envolvidas nos testes e, por isso, mais custo, explica o pesquisador.
“Se um efeito colateral grave é previsto com uma proporção alta, isso precisa ser investigado com muita atenção e pode levar a parar o desenvolvimento antes de chegar nas fases finais de experimentação, o que economiza dinheiro”, aponta. Na área de farmacologia, há estudos também para previsão de que tipo de medicamento pode ser usado para determinados vírus, a partir da identificação das proteínas afetadas pelo remédio.
Em biologia molecular, a equipe desenvolveu um modelo que permite que o biólogo carregue, em um site, as informações da sequência de aminoácidos de cada uma das proteínas de um organismo, como uma bactéria. A partir daí, o sistema prevê a função das proteínas. A iniciativa deve ser lançada nas próximas semanas.
No campo da medicina, um dos destaques é um sistema de previsão dos genes causadores de doenças hereditárias. Associado a este projeto de pesquisa, foi desenvolvido um site que permite a visualização de similaridades entre doenças hereditárias, o Landis. Ao incluir o nome de uma doença, o sistema aponta todas aquelas que estão relacionadas a ela.
Por mais complexos que sejam os algoritmos criados para buscar respostas na área de saúde, a inspiração pode vir de outras áreas, como relata Paccanaro. Ao observar as frequências de efeitos colaterais de medicamentos, viu semelhanças com as frequências de avaliações de filmes de usuários da Netflix.
“Isso nos deu a ideia de que o mesmo tipo de abordagem usada para sugerir filmes, a partir do perfil prévio de consumo, poderia ser desenvolvido para prever as frequências de efeitos colaterais de medicamentos. […] Os dois problemas são muito diferentes, mas de alguma forma há semelhanças na organização dos sistemas”, diz.
Os financiamentos para os projetos vêm de diferentes agências de pesquisa, seja o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), no Brasil, ou o Medical Research Council (Reino Unido) e a National Science Foundation (EUA).
Paccanaro explica que os resultados das pesquisas são abertos para uso pela comunidade científica. Entre os interessados estão reguladores de governo e empresas farmacêuticas e de saúde. Recentemente, teve início colaboração com uma startup, mas ainda sem investimentos.
Fonte: Valor Econômico