A Kinea Investimentos avalia que o “fantasma” da questão fiscal no Brasil pode voltar a reaparecer com a perspectiva de elevação da Selic a níveis que podem ser de 14% ou mais no ano que vem.
“Uma taxa Selic a esses níveis pode trazer novamente o fantasma do problema fiscal estrutural brasileiro, em que um primário com déficit em torno de 1% e o elevado nível de juros reais pressionam o crescimento da relação dívida/PIB, fazendo com que a política monetária perca potência”, disse a Kinea, em carta mensal sobre sua estratégia multimercado.
O fundo está vendido em bolsa doméstica — operação que ganha com a desvalorização dos ativos —, dada a combinação de alta de juros e contração fiscal, e diz notar oportunidades melhores de aplicação em ações no exterior. Já no mercado de juros, a Kinea diz que tem apenas pequenas posições “táticas”, sem especificar.
A economia brasileira está sobreaquecida como resultado do aumento dos gastos públicos, disse a Kinea, que estima um impulso fiscal de cerca de 3% do PIB. Apesar dos alertas, a gestora não vê o Brasil numa situação insustentável do ponto de vista das contas do governo, o chamado “fiscal cliff” — ou abismo fiscal.
Nos próximos meses, haverá uma perda de tração do impulso fiscal, disse a Kinea, citando que o governo não está acelerando mais os gastos e que a política monetária está se tornando mais contracionista — o que deve levar a uma desaceleração da economia.
O mercado local recentemente reagiu de forma negativa ao anúncio do pacote de corte de gastos anunciado junto com isenção do Imposto de Renda para salários até R$ 5 mil, com avanços de dólar e taxas futuras de juros.
A atividade doméstica deve ter um pouso suave em 2025, mas o fundo não descarta o risco de uma espiral negativa de elevação do prêmio de risco sobre os ativos locais — que seria reflexo da dificuldade do governo conquistar credibilidade e do ambiente externo mais turbulento.
A gestora estima que, no primeiro semestre de 2025, os núcleos de inflação, que excluem itens mais voláteis como alimentos e energia, devem rodar próximo de 6%. Com a depreciação do real, que alcança 20% no ano, há aumento significativo da inflação no atacado, disse a Kinea. Além disso, há choques nos preços de alimentos, como no caso do boi gordo, que dispara 45% desde setembro.
A Kinea avalia que o dólar deve se fortalecer frente às principais moedas devido à perspectiva do aumento do diferencial de juros dos EUA, na esteira da força da atividade econômica americana e da política de tarifas do futuro governo de Donald Trump. A estratégia multimercado da gestora está comprada na moeda americana contra o renminbi — a divisa chinesa — e outras moedas europeias. A gesttora deixou as posições que ganhavam com a alta de juros longos nos EUA.
Em bolsa americana, o fundo tem focado em áreas como bancos, industriais e pequenas empresas, “que são diretamente beneficiários das políticas a serem implementadas” por Trump. Nos bancos, combina exposições em grandes nomes como Bank of America e Wells Fargo, com posições nos bancos regionais, que também devem se beneficiar.
A gestora também diz que não se sente compelida a manter posições compradas em países emergentes, no contexto de atração de capital para os EUA. “Não consideramos que, até o momento, as medidas tomadas pela China sejam suficientes para mudar o destino do mercado de renda variável, principalmente após a forte performance inicial”, disse a Kinea.
A Kinea, controlada pelo ItaúCotação de Itaú, detinha R$ 132,7 bilhões em ativos sob gestão em 31 de outubro.
Fonte: Valor Econômico

