Por Gabriel Roca — De São Paulo
15/06/2022 05h03 Atualizado há 5 horas
Enquanto as decisões de política monetária no Brasil e nos Estados Unidos não são divulgadas, o processo de reprecificação nos mercados globais de juros prossegue, com os agentes colocando nos preços cenários de taxas ainda mais altas e por um período bem mais longo. Ontem, a expectativa por um reajuste nos preços de combustíveis pressionou as taxas futuras, e a avaliação de que o Comitê de Política Monetária (Copom) terá de ser ainda mais agressivo no aperto da Selic ganhou fôlego.
No mercado de opções digitais, na B3, a probabilidade implícita de um aumento de 0,5 ponto na Selic continua majoritária, com 68% de chance, enquanto as apostas em uma elevação de 0,75 ponto terminaram a terça-feira em 24%.
No mercado de juros futuros, porém, o estresse foi bem mais intenso e houve uma disparada das taxas futuras. A curva de juros, inclusive, passou a precificar cerca de 38% de chance de um aumento de 0,75 ponto na Selic hoje contra 62% de possibilidade de uma alta de 0,5 ponto, quando apenas esses cenários são levados em consideração. A taxa do DI para janeiro de 2023 subiu de 13,58% para 13,675%; e a do DI para janeiro de 2024 saltou de 13,335% para 13,645%.
Parte do movimento agressivo do mercado local se deve ao cenário externo, na medida em que o aperto nas condições financeiras nos Estados Unidos teve continuidade, com um novo dia de alta dos rendimentos dos Treasuries. No fim da tarde, o retorno da T-note de dez anos subia para 3,480%, após ter ultrapassado brevemente o nível de 3,5%.
“Esse movimento extraordinário dos últimos três dias nos juros é apenas parte do que está provando ser uma dramática – e implacável – redefinição geral e adversa de preços nos mercados financeiros”, afirmou o consultor econômico-chefe da Allianz, Mohamed El-Erian, em postagem no LinkedIn sobre a escalada dos Treasuries.
O início de um processo de desancoragem das expectativas de inflação de longo prazo nos Estados Unidos está por trás do aumento dos temores do mercado quanto a juros mais altos. Os contratos futuros dos Fed funds continuaram a indicar chance majoritária (95,8%) de elevação de 0,75 ponto nos juros americanos hoje pelo Federal Reserve (Fed).
E, com a perspectiva de aperto mais agressivo nos juros americanos, a inflação implícita de prazos mais longos tem caído nos EUA, já que o juro real de longo prazo tem subido de forma significativa. A taxa de juros real de dez anos nos EUA saiu de 0,39% na sexta-feira para 0,69% no início da semana e, ontem, saltou para 0,89%. Cabe lembrar que, no início do ano, o juro real de longo prazo ainda operava abaixo de zero nos EUA.
Além da perspectiva de juros mais altos ao redor do globo, o mercado local sofreu ainda mais com uma disparada das taxas, na medida em que os agentes colocaram nos preços cenários mais agressivos de aperto na Selic. A expectativa da Itaú Asset Management, revelada pelo Valor, de que o BC tenha de elevar o juro básico a 15% para levar a inflação ao centro da meta em 2023 foi citada por alguns agentes como um dos motivos para o mau humor nos DIs.
Em condição de anonimato, profissionais do mercado apontaram que o cenário da Itaú Asset “fez preço”, por se tratar de uma gestora relevante no mercado local, que tem poder de influenciar a dinâmica das taxas e de acrescentar ingredientes ao debate sobre os juros.
“Fez preço sim, mas não acho que mercado compre esse ‘call’. Parece um susto em um mercado que já estava tenso pela abertura dos juros dos Treasuries”, diz um gestor. A curva de juros ontem passou a precificar uma Selic entre 14% e 14,25% no fim do ciclo.
Na visão da sócia e economista-chefe da Gap Asset, Anna Reis, a surpresa negativa com os dados de inflação nos EUA e a publicação do “Wall Street Journal” quanto a um Fed mais agressivo foram os fatores que minaram as chances de um anúncio do fim do ciclo de aperto da Selic pelo Copom hoje.
“Achamos que o BC ficou sem opção e não terá como ser ‘dovish’ [mais suave] nesse ambiente, sob o risco de ampliar a deterioração das expectativas”, argumenta a economista, que espera uma alta de 0,5 ponto na Selic hoje e, por ora, uma alta residual na reunião de agosto, de 0,25 ponto, o que levaria o juro básico a 13,5%.
Para a economista da Gap, as revisões para cima de Selic e de inflação feitas por importantes players do mercado local são um incômodo para o BC, mas, neste momento, o ambiente externo parece determinante para a necessidade de cautela adicional do Copom.
“Também há um movimento de volatilidade elevada na curva mexicana, por exemplo, onde o mercado praticamente passou a precificar três altas de 0,75 ponto pelo banco central e o juro de 1 ano abriu 0,4 ponto de uma semana para cá”, observa Anna Reis.
De acordo com a pesquisa mensal do Bank of America com gestores de fundos, quase 50% dos entrevistados esperam que a Selic termine o ano entre 13,5% e 13,75%, um avanço em relação aos quase 30% da edição passada do levantamento, enquanto cerca de 20% esperam que a taxa básica de juros encerre 2022 entre 13% e 13,25%.
Fonte: Valor Econômico

