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Os juros reais de longo prazo voltaram à casa dos 6% há dois meses, estão nas máximas em 14 meses e não têm dado sinal de alívio. Com os ativos bastante sensíveis, a deterioração na percepção de risco e o aumento da incerteza com as contas públicas mudaram o humor dos agentes econômicos em um ambiente de juros mais altos nos Estados Unidos.
E, se os fundamentos continuam a pesar contra um alívio nos juros reais, também ações tomadas pelo governo não jogam a favor, já que, após a taxação de fundos fechados exclusivos ou restritos, a migração de capital para papéis isentos de tributação aumentou a concorrência das NTN-Bs de longo prazo.
Embora não costumem ser afetados diretamente pelos ciclos da política monetária, chama atenção o fato de os juros reais extraídos das NTN-Bs de longo prazo estarem em níveis bastante diferentes do último ciclo de flexibilização da Selic. Se, em 2020, a taxa de um papel com vencimento em 2045 era negociada entre 3,5% e 4,5%, hoje o mesmo título tem taxas acima de 6%. Em quatro anos, a deterioração das contas públicas se intensificou, o que ajudou a elevar o juro neutro, ao mesmo tempo em que a política monetária americana está contracionista.
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No entanto, há um descolamento do mercado local em relação aos EUA nas últimas semanas. A diferença entre os juros reais brasileiros e os americanos aumentou de forma expressiva, o que pode indicar um prêmio adicional exigido pelo mercado para carregar posições nos títulos nacionais.
“As taxas estão altas, não há dúvida. É um patamar elevado e que não parece ser um nível de taxa que se sustenta do ponto de vista fiscal”, diz o chefe de renda fixa e multimercados da BNP Paribas Asset Management, Michael Kusunoki. Ele, porém, adverte que o Brasil está em um momento crítico. “Estamos com problemas de credibilidade na política fiscal e na monetária. Ambas estão sob suspeita de serem lenientes. E, com esses dois pilares com problemas de credibilidade, há um aumento do risco e o mercado exige um aumento de prêmio.”
Kusunoki nota que, nas últimas semanas, houve um alívio nos juros americanos que não foi acompanhado pelo mercado local. “O lado externo até tentou ajudar, mas o que não ajudou mesmo foi o componente local. Se ainda tivéssemos um quadro ruim lá fora, o movimento aqui poderia ser pior”, diz. Na sexta-feira, a taxa da NTN-B para maio de 2045 atingiu 6,30%.
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As taxas reais de longo prazo devem continuar em níveis elevados por algum tempo, segundo o diretor de investimentos (CIO) da G5 Partners, Renan Rego. “É uma questão de fundamento, de deterioração fiscal e de incertezas. As incertezas maiores, como mudanças no BC e aumento de gastos, tornam o patamar da NTN-B mais alto. Já existe um deslocamento natural e, associado a isso, vem uma questão técnica de fluxo”, diz.
O executivo nota que as NTN-Bs têm enfrentado uma competição maior nos últimos meses e, assim, a demanda pelos papéis do Tesouro tem diminuído. Com os papéis menos procurados, os juros pagos pelos títulos tendem a subir com a finalidade de tornar os papéis mais atrativos para os investidores.
“Fazia sentido para os fundos fechados ter alocação em ativos não isentos, como as NTN-Bs, mas a questão do come-cotas pegou em cheio. A partir do momento em que existe a tributação, o investidor paga o estoque de imposto acumulado e se torna mais propenso a diminuir a alocação nos fundos e aumentar a exposição a carteiras administradas com títulos isentos, o que acaba tirando alocação das NTN-Bs”, afirma Rego.
A mudança na alocação diminui o “pool” de compradores de NTN-Bs, em um momento no qual os multimercado estão mais frágeis. “Eles sempre foram compradores de NTN-Bs quando julgavam que estava em patamar interessante. O resgate que vem acontecendo na indústria de multimercados é muito relevante e diminuiu ainda mais a demanda por esse ativo, o que tende a manter as taxas mais altas.”
A avaliação é compartilhada pelo diretor de investimentos (CIO) da Ace Capital, Fabricio Taschetto, para quem os fatores técnicos de fluxo são a principal explicação para a manutenção dos juros reais de longo prazo em níveis elevados.
“Quando o governo resolveu mexer no ano passado na tributação de fundos exclusivos afetou o mercado de fundos e letras bancárias, que estava bem equilibrado há décadas. Uma vez que você paga o imposto sobre o estoque dos fundos fechados, fica livre para dar outro destino para aquele dinheiro e, então, vimos uma corrida para produtos que são isentos”, nota.
Ele observa, ainda, que, com as NTN-Bs indo mal, os fundos ligados ao IMA-B (índice da Anbima de títulos públicos atrelados à inflação) também têm um desempenho ruim, o que gera como consequência uma onda de resgates que também afeta esses fundos. “Na prática, é menos gente para financiar a dívida pública. A concorrência contra as NTN-Bs aumentou e aumentou por produtos isentos. O governo precisa arrecadar, tem dificuldade para se financiar sua dívida por esses títulos e o dinheiro está correndo para produtos isentos, ou seja, o governo está perdendo.”
Além disso, Taschetto observa que, em alguns casos, as NTN-Bs podem ser penalizadas duplamente. “Quando uma gestora de fundos de papéis incentivados recebe um aporte, ele compra um papel incentivado que é atrelado ao IPCA e precisa fazer um ‘hedge’ [proteção] para essa posição e, em geral, esse ‘hedge’ se dá pela venda [short] da NTN-B. Então, o dinheiro sai de um fundo que estava alocado em NTN-B e que vai precisar vender e vai para um outro fundo em que o gestor também precisa vender a NTN-B. É um efeito dobrado que recai sobre esses papéis.”
A Ace tem posições em NTN-Bs longas, mas menores do que já foram. “Depois que entendemos o que estava acontecendo, a vontade de ter NTN-B na carteira diminuiu muito. Reduzimos a posição pela metade. Com esses fatores técnicos, que não vão desaparecer da noite para o dia, vamos continuar com as posições até acontecer uma nova acomodação dos estoques. A NTN-B perto de 6,2% está muito barata, mas não vemos um grande gatilho no curto prazo”, diz Taschetto.
É o que também aponta Miguel Sano, gestor de renda fixa da SulAmérica Investimentos, que não se mostra muito otimista com os juros reais mais longos. “Tem bastante prêmio na parte longa, mas não vemos nenhum ‘driver’ [gatilho] para melhora. Inclusive, vimos que os juros das Treasuries de 10 anos caíram bastante na semana e tanto o mercado local quanto outros emergentes não acompanharam.”
Na visão de Sano, as taxas reais têm exibido maior dificuldade para exibir um movimento de queda sustentado pelo mesmo motivo observado em outros ativos. “Para entrar compra, precisa haver o dinheiro de compradores. Os fundos multimercados vêm sofrendo resgates no último ano e meio. Tampouco os fundos IMA-B e fundações têm mostrado apetite. Falta um gatilho. A mesma coisa é observada na bolsa Há muito tempo dizemos que ela está barata e ela não anda”, afirma o gestor.
Outro fator que pode reduzir a atratividade das NTN-Bs está relacionado ao nível do juro neutro. “Se efetivamente o juro neutro está mais alto, o potencial de ganho nessa NTN-B é reduzido”, aponta.
Sano não descarta a possibilidade de as taxas testarem níveis ainda mais altos. “Quando tivemos os Treasuries rodando nos patamares dos últimos dias, de 4,7%, por volta de 2007, as NTN-Bs longas eram negociadas com taxas de 7%. Não dá para descartar que possam subir mais em caso de piora no cenário.”
Segundo Lucas Queiroz, estrategista de renda fixa do Itaú BBA, é possível observar que, nos últimos meses, houve um movimento coordenado de redução de risco no Brasil. “Começamos a ver uma correlação muito forte dos juros com o câmbio e esse é um movimento clássico de aversão a risco. Os investidores vão desfazendo suas posições e notamos isso de forma mais aguda nos meses de abril e maio.”
Para ele, parece que há “muita coisa precificada” com as taxas nesses níveis. “Pelo [Boletim] Focus, o mercado calcula uma taxa neutra real próxima de 5%. Estamos falando, portanto, que se você carregar um título pós-fixado em um horizonte de cinco anos, vai ter uma rentabilidade próxima de IPCA+5%. A NTN-B está pagando em torno de 6,2%. Há um prêmio aí e este é o cerne do nosso otimismo”, diz.
Fonte: Valor Econômico

