O alívio relevante observado nos juros de mercado desde novembro e a perspectiva de continuidade do processo de desinflação, ainda que gradual, levaram o juro real a rondar o nível de 6%, nas mínimas em dois anos. Participantes do mercado enxergam algum espaço para quedas adicionais no curto prazo, mas veem limites, ao observarem que o juro real permanece no terreno restritivo, em linha com a postura cautelosa adotada pelo Banco Central em sua comunicação.
Cálculo do Valor Data a partir do contrato de swap de juro de 360 dias descontada a expectativa de inflação um ano à frente indica um juro real em 5,97%, nos menores níveis desde dezembro de 2021.
“O BC tem comunicado que tem a intenção de seguir com um ritmo bem lento de redução dos juros e o mercado está trabalhando com isso. Temos visto uma dificuldade do mercado em colocar no preço cortes maiores porque não conseguimos ver motivos para divergir do que o BC tem sinalizado”, diz o economista-chefe da JGP, Fernando Rocha. Para ele, o recuo gradual do juro real neste ano guarda relação com a inflação de serviços no Brasil, que ainda está acima da meta e em ritmo lento de queda.
“Às vezes, acontece de o mercado discordar do BC, mas, desta vez, isso não aconteceu porque os dados não têm mostrado coisas diferentes. Como era de se esperar, a atividade desacelerou, mas não fomos para uma situação em que parece que o PIB será muito fraco. E, nos dados de inflação, ainda não conseguimos ter confiança de que a dinâmica vai ser melhor e, por isso, temos visto certa estabilidade nas projeções de inflação para este ano, entre 3,8% e 3,9%”, afirma Rocha. Para ele, o mercado “não consegue embarcar em uma onda diferente do que está sendo precificado”.
Esse movimento é refletido na relativa estabilidade dos juros de mercado de um ano à frente. Desde o início de novembro, o swap de juro de 360 dias tem operado entre 10% e 11% e, nas últimas semanas, a taxa oscilou na faixa inferior desse intervalo, ao mesmo tempo em que as expectativas de inflação têm se mantido praticamente inalteradas, com mudanças bastante contidas. Assim, embora esteja nos menores níveis em dois anos, o processo de queda do juro real tem sido bastante lento.
O economista-chefe da Reag Investimentos, Marcelo Fonseca, vê espaço para quedas adicionais da taxa real, na medida em que a política monetária busca o nível de equilíbrio. “Se somarmos a queda da inflação com a dos juros nominais, há algo em torno de 3 pontos percentuais para a Selic continuar caindo. Com isso, o BC encerraria o ciclo por volta do juro neutro”, afirma Fonseca, ao se referir ao nível da taxa de juros que não contrai nem estimula a economia.
O momento ainda é de cautela. O quadro de expansão fiscal coloca um limite para a queda dos juros reais”
Neste momento, o BC tem trabalhado com uma taxa neutra de 4,5% em termos reais, enquanto boa parte do mercado calcula, em seus cenários, um juro real neutro mais alto, em torno de 5%.
Embora projete uma Selic em torno de 8,5% no fim do ciclo, Fonseca ressalta que não é possível isolar a política monetária do restante da política econômica. Assim, ao avaliar o retorno da política fiscal e parafiscal ao campo expansionista, o profissional defende que há fatores que podem se opor ao efeito contracionista do juro real, o que, de alguma forma, poderia atrapalhar o canal de transmissão da política monetária.
“O que temos que ter em mente é que temos espaço, olhando para os juros reais e para as estimativas de taxa neutra, para os juros nominais caírem bastante. Mas o momento ainda é de cautela. O BC tem que levar em consideração essas outras dimensões da política econômica. É por isso, que não vemos os juros terminais caindo muito abaixo desse patamar [de 8,5%]. O quadro de expansão fiscal coloca um limite para a queda dos juros reais”, enfatiza Fonseca.
Não por acaso, no cenário básico do BNP Paribas, a Selic cai a 8,5% neste ano, mas volta a subir em 2025 e chega a 10%, em um movimento que ocorre na esteira da expectativa de alguma piora no cenário doméstico, especialmente na condução das contas públicas. Na pesquisa conduzida pelo Valor com 120 casas, divulgada em 2 de janeiro, apenas duas projetavam aumento da taxa de juros no próximo ano em relação às expectativas para a Selic no fim de 2024.
Ao citar elementos como o cenário externo, a discussão fiscal de curto prazo e a inflação corrente, a economista para Brasil do BNP Paribas, Laiz Carvalho, vê espaço para a Selic cair a 8,5% neste ano, com a manutenção do ritmo de flexibilização. “Mas, em 2025, fica mais difícil a questão fiscal”, afirma a profissional, ao lembrar que a meta de resultado primário para o próximo ano é de superávit de 0,5% do PIB. “Temos um cenário fiscal de médio prazo pior e isso se reflete na inflação, que projetamos em 4% em 2025, e ainda adotamos um viés de alta.”
Carvalho acredita que, aos poucos, o mercado deve começar a migrar para um cenário que contemple expectativas inflacionárias ainda mais desancoradas, o que forçaria o BC a abandonar o nível de equilíbrio da Selic de 8,5% e elevar os juros novamente nas três últimas reuniões de 2025, no cenário básico defendido pelo banco.
A economista, porém, observa que, ao longo de todo esse período, a política monetária não deve visitar o terreno expansionista. “No nosso cenário, vamos chegar ao nível neutro só em novembro, o que seria bastante tempo com o juro real no restritivo”, diz. Carvalho lembra, adicionalmente, que nos últimos dois anos a política monetária tem continuado no campo contracionista, o que deveria ter um reflexo maior na atividade econômica, que ainda não foi visto. “É o que traz certo conforto para o mercado no sentido de manter a taxa restritiva por mais tempo.”
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Isso, na visão da economista, gera algum conforto para o mercado ao esperar parcimônia na condução da política monetária. “Não há necessidade de fazer de uma maneira mais rápida porque a atividade não está sendo tão afetada assim. Por isso, tanto os economistas quanto o próprio BC estão confortáveis em manter o juro real contracionista por mais tempo em seus cenários”, avalia.
Esse cenário casa, em especial, com o observado no mercado de juro real, extraído do desempenho das taxas das NTN-Bs, títulos públicos atrelados ao IPCA, ou seja, que descontam a inflação. De acordo com a Anbima, que representa o mercado de capitais e de investimentos, os juros reais são negociados em nível considerado restritivo ao longo de toda a extensão da curva. No curto prazo, com a NTN-B com vencimento em agosto deste ano, as taxas estão bastante restritivas, em 6,45%. No entanto, tanto títulos que vencem em 2025 quanto papéis para prazos ultralongos, como 2055 e 2060, trabalham com juros reais acima de 5%.
O economista-chefe da Trafalgar Investimentos, Guilherme Loureiro, dá ênfase ao elo entre o comportamento dos juros reais brasileiros e o dos Treasuries. Para ele, o BC tem espaço para seguir com os cortes na Selic, porém uma aceleração do ritmo de ajuste parece improvável no momento. “Vemos uma inflação ainda um pouco pressionada pela questão dos alimentos in natura e pelo setor de serviços. Um juro que continua caindo e uma inflação um pouco mais alta pode ser positivo para as NTN-Bs”, diz Loureiro, em referência ao patamar bastante restritivo de juros de mercado.
“Acho que o conservadorismo dos mercados em relação a apostar em juros no campo expansionista tem ocorrido no mundo inteiro. É possível entender essa cautela. Conforme o ciclo anda, talvez tenhamos espaço para testar o juro abaixo do neutro”, diz Loureiro. Ele lembra, ainda, que, quando o BC começou a elevar a Selic, o mercado acreditou que a taxa ficaria em 7% inicialmente, mas, depois, o juro chegou a 13,75%. “Não é um ‘call’ [projeção] para agora, mas pode ser que esse cenário apareça com o tempo.”
Fernando Rocha, da JGP, também faz ligações entre movimentos passados e o ciclo atual, ao notar que há uma disposição no mercado em apostar em juros mais baixos. “Principalmente entre os traders há uma disposição em buscar posições aplicadas em juros [que apostam na queda das taxas]. O problema é que, quando você olha as justificativas, isso se deve mais a uma assimetria de riscos. Se os EUA acabarem cortando mais, o juro aqui pode ser menor. Estamos em um ciclo de afrouxamento e os ciclos, geralmente, surpreendem em tamanho e vão mais nessa direção, mas o mercado está parando. Ele ‘anda’, mas acaba voltando e fica bem alinhado às projeções do Focus”, nota.
Para o economista, à medida que os dados não referendam um possível cenário que pudesse abarcar juros menores, o mercado continua a oscilar entre margens estreitas. No cenário básico da JGP, a expectativa para a Selic segue em 9,5% já há algum tempo. “Normalmente, revisamos com mais frequência. A assimetria é para baixo, até porque 9,5% é um nível alto ainda, mas não consigo ver um IPCA muito distante de 4%, o que daria um juro real de 5,5%, que não é muito diferente do meu nível neutro. Tenho dificuldade em projetar uma Selic mais baixa.”
Assim, o fiel da balança deve ser o comportamento externo, como aponta Marcelo Fonseca, da Reag. “O canal dos prêmios de risco tem sido contido, no curto prazo, pelo cenário global, especialmente devido às perspectivas para a política monetária nos EUA. Caso contrário, teríamos visto uma dinâmica menos favorável na taxa de câmbio e nas expectativas de inflação”, diz. “Daí vem a ideia de que o BC siga com uma abordagem cautelosa e uma estratégia gradualista na redução dos juros”, defende.
Fonte: Valor Econômico