Embora a Selic tenha caído três pontos percentuais desde agosto e esteja agora em 10,75%, a dinâmica das taxas de juros de longo prazo tem sido bem diferente. O estresse nos Treasuries, títulos do Tesouro americano, tem afetado em cheio contratos de DI de vencimentos mais longos. Desde o início do ano, estes voltaram a subir e alcançaram novamente a casa dos 11%, mesmo nível do início do ciclo de flexibilização monetária.
Os vetores externos se unem à percepção do mercado de que a taxa de juros pode ter de ser maior em prazos longos no Brasil, à medida que a atividade econômica tem dado sinais renovados de força, com um mercado de trabalho aquecido. Juros de longo prazo em níveis elevados dificultam em especial uma retomada mais forte do investimento, pois são eles, mais do que a Selic diretamente, que influenciam as taxas de captações das empresas para projetos.
Desde o início do ano, a taxa do DI para janeiro de 2033 subiu de 10,37% para 11,04%, movimento que guarda correlação de 79% com o salto da T-note de dez anos, que passou de 3,881% para 4,205%. O movimento dos Treasuries veio na esteira de uma reprecificação nas expectativas de cortes de juros pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano). Com as surpresas nos dados de atividade e inflação nos EUA, o mercado passou a trabalhar com preços que sugerem taxas altas por mais tempo, o que teve reflexos claros nos juros locais.
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“No ano passado, o mercado tinha quase certeza de que o Fed cortaria os juros em março e, agora, existe uma precificação dividida, com perspectiva de início em junho ou julho. Os dados robustos de atividade e a resiliência da inflação americana causaram essa reprecificação da trajetória de política monetária”, diz o estrategista-chefe da Warren Investimentos, Sérgio Goldenstein.
Na visão do sócio e CIO da Parcitas Investimentos, Marcelo Ferman, o fato de o aperto monetário global não ter se traduzido, até agora, em uma desaceleração econômica mais forte suscita discussões sobre um possível aumento do juro neutro, aquele que não estimula nem contrai a atividade. “Como já passou tempo suficiente, o mercado começa a se perguntar o motivo de a economia não desacelerar. Do ponto de vista macro, a forma de trazer senso a isso é imaginar que, talvez, o juro neutro possa estar mais alto.”
Esse debate, de acordo com Ferman, vale para os EUA e, também, para o Brasil. “Vai passando o tempo e o mercado vai reprecificando isso”, diz. E um segundo pilar que ajuda a explicar a alta dos juros longos vem, na visão do executivo, dos reflexos de um possível juro neutro americano mais alto na taxa de equilíbrio local. “Se existe uma reprecificação da ponta longa da curva de juros americana, isso tem impactos na curva de juros brasileira. No nosso cálculo sobre o nível do juro neutro no Brasil, precisamos levar em conta o juro de equilíbrio externo”, justifica.
Ferman também cita fatores domésticos ao avaliar o comportamento dos juros longos, mas aponta que têm um peso menor no momento. “O país tem suas jabuticabas. Temos, pela frente, uma transição no comando do Banco Central que gera incerteza e pode ser difícil. Isso leva o mercado a exigir mais prêmio. Além disso, temos nossas questões fiscais, que são complicadas. Muitos países também enfrentam essa dificuldade, mas no Brasil esse problema nos persegue há algum tempo e temos visto o governo gastando muito. Isso não nos ajuda a ter juros mais baixos no longo prazo.”
Goldenstein, da Warren, diz que o forte desempenho da atividade econômica neste início de ano no Brasil também contribui para ajustes no mercado de juros, com a sensação de taxas mais altas no longo prazo. “Existem dados robustos de consumo das famílias e do mercado de trabalho no Brasil, e o Banco Central levantou um sinal amarelo em relação à resiliência da inflação de serviços. Num cenário com dados mais fortes, surpresas de inflação de serviços e de mercado de trabalho, uma Selic maior passou a ser incorporada.”
O estrategista nota que a curva de juros, que chegou a incorporar uma taxa Selic de 9% ao fim do ciclo de cortes, agora precifica o juro básico em 9,75%. “A precificação da curva de juros é a Selic esperada mais o prêmio de risco. Houve uma contração na parte longa há alguns meses, mas, na medida em que a precificação esperada para a Selic subiu mais recentemente, contaminou o restante da curva. Aconteceu uma combinação dos dois fatores: evolução da taxa do Treasury e reprecificação para cima da Selic ‘terminal’ esperada.”
Nesse sentido, Denis Ferrari, gestor de renda fixa da Kinea Investimentos, destaca o aumento da inclinação da curva de juros. Enquanto as taxas curtas subiram de 0,2 a 0,3 ponto percentual desde o início do ano, os juros longos tiveram alta mais intensa, de 0,7 a 0,8 ponto. “Dado o movimento recente do BC, era esperado que a curva perdesse inclinação”, diz.
Em geral, quando autoridades monetárias adotam um tom mais duro (“hawkish”), a tendência é que os juros de curto prazo subam e as taxas longas caiam ou não subam com tanta intensidade. Na lógica do mercado, medidas mais duras no curto prazo podem gerar alívio na taxa em prazos longos.
Na visão da Kinea, a Selic deve terminar o ciclo de cortes atual em 9,5%, com uma postura mais dura a ser adotada pelo BC, diante da força da atividade e do mercado de trabalho e da inflação de serviços subjacentes. “Se estivermos certos e o BC parar o ciclo mais cedo, a probabilidade de ele voltar a elevar os juros mais à frente é menor. Mas isso não tem se refletido nos preços. Hoje, se eu tivesse que ter uma posição em juro local, alocaria nessa parte mais longa da curva. A inclinação é muito grande e o prêmio deveria ser menor”, diz.
O gestor nota ainda que há prêmios implícitos nos juros mais longos diante das incertezas domésticas. Ele cita como exemplo a possibilidade de mudança da meta de superávit primário de 0,5% do PIB em 2025. “Não é um número crível e terá de ser revisado em algum momento. A meta de 2024, de resultado zero, ganhou sobrevida, mas, em algum momento, também será alterada.”
Além disso, de acordo com Ferrari, há um prêmio de risco “natural” devido ao atraso no ciclo de flexibilização monetária do Fed. “Se o ciclo atrasa, é ruim para todos os emergentes. Talvez o juro longo pudesse ser mais baixo, mas seria preciso combinar com o Fed.”
Fonte: Valor Econômico

