11 Apr 2024 BIANCA LIMA DANIEL WETERMAN
Em manobra articulada pela Casa Civil e que contou com o aval do Ministério da Fazenda, lideranças do governo na Câmara alteraram o recém-nascido arcabouço fiscal. O objetivo foi antecipar a abertura de um gasto extra de até R$ 15,7 bilhões neste ano e, de quebra, ampliar o poder do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na destinação do dinheiro.
O projeto aprovado pela Câmara autoriza o presidente Lula a definir a destinação do dinheiro por decreto e sem aprovação prévia do Congresso, imediatamente após a sanção da lei. Atualmente, o arcabouço fiscal prevê que essa abertura seria feita mais tarde e com o envio de um projeto de lei, submetido à aprovação dos parlamentares.
Ainda há divergências sobre os efeitos da proposta. Alguns técnicos e congressistas querem que o Legislativo dê a última palavra. O que houve nos bastidores foi um acordo para ratear o apadrinhamento do recurso. O Estadão apurou que a negociação passou pelo crivo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e envolve a recomposição de R$ 3,5 bilhões dos R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão vetados por Lula.
EMENDAS. Dois terços do valor das emendas serão destinados para indicações dos parlamentares da Câmara, e um terço, para o Senado. Os cerca de R$ 12 bilhões restantes ficarão sob comando do governo, com prioridade para a recomposição de gastos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que também foram alvo de bloqueios. O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, é o coordenador do programa e foi apontado como um dos articuladores da mudança no arcabouço.
A mudança na regra fiscal foi realizada por meio de um “jabuti”, como se fala no jargão político para se referir a uma matéria estranha ao texto principal. No caso, a emenda foi inserida em um projeto de lei que cria um seguro nos moldes do antigo DPVAT, para vítimas de acidentes de trânsito (mais informações na pág. A15). A autoria do “jabuti” foi do deputado Rubens Pereira Junior (PT-MA), um dos vice-líderes do governo na Câmara.
“Na prática, o governo arromba o cofre ao presumir que o excesso de arrecadação se manterá até o fim do ano”, afirma o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN).
Em ano de eleição municipal, a antecipação significa que o recurso pode ser repassado antes do período eleitoral, beneficiando prefeitos nas bases políticas dos parlamentares e do governo Lula. Em 2024, por conta da campanha, há pressão para repasses antecipados devido à legislação, que proíbe início de obras e transferências no meio da disputa eleitoral.
REGRA. O texto também foi mal recebido pelos economistas do mercado financeiro ouvidos pelo Estadão. “A proposta aprovada pela Câmara é péssima para o arcabouço fiscal, pois antecipa o debate sobre ampliação do limite para gastar, que não tem sentido em meio à necessidade de ajuste fiscal”, afirma Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos.
Como o Estadão mostrou, para conseguir abrir o crédito, a equipe econômica precisaria chegar em maio com uma estimativa máxima de déficit de R$ 13 bilhões (no momento, a projeção está em R$ 9,3 bilhões).
O economista da XP Tiago Sbardelotto chama atenção para o fato de a regra fiscal ser recém-criada e, mesmo assim, já ser alvo de flexibilizações. “O nome do arcabouço é regime fiscal sustentável, ou seja, uma regra que se pretende ser de longo prazo. Mas, na primeira restrição que essa regra impõe, a gente vai e muda.”
Procurado pelo Estadão, Lira afirmou que cabe ao governo dizer para onde vai o dinheiro. Questionado sobre os termos do acordo para a aprovação da proposta, o presidente da Câmara não se posicionou. A reportagem também procurou a Casa Civil, que não se manifestou. •
Fonte: O Estado de S. Paulo

