A ameaça do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de segurar algumas entregas de armas causou alarme em Israel sobre a possibilidade de uma ruptura nas relações com seu simpatizante internacional mais importante.
Autoridades e analistas israelenses disseram que o aviso de Biden parecia ser uma mensagem política que no curto prazo não afetaria a capacidade de Israel de continuar a guerra. Mas a capacidade do país de combater em várias frentes a longo prazo estaria ameaçada se o presidente dos EUA cumprisse sua ameaça de pausar novas entregas de armas se Israel iniciasse um grande ataque na cidade de Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Mais de um milhão de palestinos que fugiram da guerra estão abrigados lá.
O aviso abriu um confronto de alto risco entre Biden e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que promete conseguir uma “vitória total” sobre o Hamas, inclusive em Rafah. A pausa nas entregas corre o risco de provocar uma das piores crises da história das relações entre Israel e os EUA, e já suscitou comparações com a decisão do então presidente Ronald Reagan de adiar a entrega de aviões de guerra F-16 a Israel durante o bombardeio de Beirute, em 1981.
Netanyahu respondeu a Biden com uma mensagem de vídeo divulgada nesta quinta-feira (09), em que diz: “Se precisarmos ficar sozinhos, ficaremos sozinhos. Como eu já disse – lutaremos com nossas unhas.”
De acordo com uma autoridade israelense, os Gabinetes de Guerra e de Segurança do país se reuniriam na noite desta quinta-feira (09) e a expectativa era de que discutissem a resposta de Israel à decisão dos EUA de segurar a entrega de munições.
O porta-voz das forças armadas israelenses, Daniel Hagari, disse que os EUA apoiaram as Forças de Defesa de Israel de uma “maneira sem precedentes” durante toda a guerra.
“Mesmo quando temos divergências entre nós, nós as resolvemos a portas fechadas”, afirmou ele nesta quinta-feira (09). Hagari acrescentou que as forças armadas tinham munição suficiente para as missões que estavam em planejamento, inclusive aquelas em Rafah.
A ameaça de Biden foi o principal assunto dos meios de comunicação israelenses nesta quinta-feira e a maioria dos jornalistas e analistas manifestaram seu alarme a respeito da pausa nas entregas e a caracterizaram como uma frustração dos EUA com o manejo da guerra por Israel, um sinal da deterioração das relações entre os dois países e uma advertência a Netanyahu. Outros, inclusive os partidários de Netanyahu, estavam enraivecidos com o governo Biden por não dar apoio total a Israel na consecução de seus objetivos de guerra e por restringir as ações do primeiro-ministro depois de sete meses de guerra.
“Com certeza o establishment da defesa está horrorizado com isso”, disse Chuck Freilich, ex-conselheiro adjunto de segurança nacional de Israel. “A importância aqui, pelo menos no curto prazo, é a declaração política. Ela não terá um impacto militar nas operações em Gaza. Mas poderia ter se acontecesse um grande surto de combates com o Hezbollah.”
Israel está envolvido em um conflito de evolução lenta com o movimento Hezbollah, do Líbano, desde o início da guerra contra o Hamas em Gaza, em outubro. O país mantém reservas de munição para a possibilidade de uma guerra em grande escala com o Líbano, mas já retirou armas dessas reservas durante a guerra em Gaza.
Em um discurso nesta quinta-feira (09), o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, dirigiu-se implicitamente aos EUA. “Volto-me para os inimigos de Israel, assim como para nossos melhores amigos, e digo que o Estado de Israel não pode ser subjugado, as Forças de Defesa não podem, o sistema de defesa não pode e o Estado de Israel não pode. Continuaremos fortes, alcançaremos nossos objetivos”, afirmou ele.
“O Hamas ama Biden”, escreveu o ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, em um post no X, usando um emoji em forma de coração. Muitos outros membros da coalizão de governo de Netanyahu reagiram a Biden com raiva.
Ao mesmo tempo, as divisões na política e na sociedade israelenses refletiram-se nas reações à medida dos EUA. Benny Gantz, membro do Gabinete de Guerra israelense que também é rival de Netanyahu, disse: “Os Estados Unidos apoiaram Israel em seu momento mais difícil e o ataque contra o país por parte dos ministros é irresponsável e ingrato, destinado a propósitos internos a partir de considerações políticas.”
Tropas israelenses tomaram o controle do lado de Gaza da fronteira de Rafah com o Egito no início desta semana e se envolveram em confrontos com combatentes palestinos enquanto avançavam na área, naquilo que Israel chamou de uma operação limitada.
Nesta quinta-feira (09), as forças armadas israelenses informara que 50 militantes foram mortos e 10 entradas de túneis foram descobertas durante a operação em andamento em Rafah nesta semana.
Enquanto isso, as negociações sobre um possível acordo de cessar-fogo que libertaria reféns israelenses detidos pelo Hamas continuaram nesta quinta-feira (09), segundo autoridades familiarizadas com as discussões. O diretor da Agência Central de Inteligência (CIA) dos EUA, William Burns, esteve na região nos últimos dias, em um esforço para fazer as negociações avançarem depois de meses de impasse.
Em entrevista à CNN, transmitida na quarta-feira (08) à noite nos EUA, Biden afirmou que se recusaria a enviar mais bombas e projéteis de artilharia para Israel se o país prosseguisse com a operação em Rafah. Ele fez a afirmação depois de decidir pausar a entrega de um carregamento de bombas de 2.000 libras e 500 libras – é a primeira vez em que ele opta por suspender o fornecimento dos tipos de armas que Israel usa em Gaza.
John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, afirmou nesta quinta-feira (09) que os EUA têm advertido Israel para que não realize uma grande operação terrestre em Rafah, e Biden acredita que isso seria um erro estratégico. “Se eles atacarem Rafah com tudo, entrarem e invadirem de uma maneira significativa, então ele terá de tomar decisões para o futuro”, acrescentou, referindo-se a Biden.
A questão neste momento é como Netanyahu responderá ao ultimato de Biden. O primeiro-ministro israelense argumentou durante meses que atacar Rafah e destruir as forças restantes do Hamas no local é necessário para suprimir o grupo militante.
“Bibi acredita que isto é apenas um cartão amarelo e o cartão vermelho não chegará nunca”, disse Amit Segal, comentarista político de direita do noticiário do canal de TV israelense Channel 12, referindo-se a Netanyahu pelo seu apelido. Para Segal, o primeiro-ministro acredita que Biden não chegará ao ponto de interromper de vez as entregas de armas para Israel por causa do peso dos eleitores conservadores e judeus nos EUA neste ano de eleições presidenciais.
Autoridades israelenses e americanas da área de inteligência dizem que destruir o Hamas de forma definitiva está provavelmente fora de alcance, com ou sem a operação em Rafah.
Também autoridades ocidentais e a Organização das Nações Unidas (ONU) têm advertido que um ataque em grande escala a Rafah resultaria em morte e destruição generalizadas entre os civis palestinos que estão abrigados na área, entre eles muitos que fugiram do norte da Faixa de Gaza.
O governo Biden está diante de várias decisões sobre futuras transferências de armas. A Casa Branca estuda a possibilidade de transferir o equivalente a mais de US$ 1 bilhão em novas armas para Israel, o que inclui munições para tanques, veículos militares e morteiros. O Departamento de Estado americano também analisa outro acordo sobre armas de precisão para Israel.
Se Netanyahu levar adiante o ataque a Rafah, o governo americano pode decidir suspender esses acordos de armas. Se Washington os mantiver, precisará conseguir a aprovação dos principais líderes do Congresso, onde enfrentaria forte oposição dos democratas que querem que o governo use a venda de armas para forçar mudanças na política israelense. O governo também enfrenta críticas de parlamentares republicanos que são contra impor condições para dar ajuda militar.
Para um assessor veterano do Congresso, a decisão de adiar uma entrega de armas foi um “pequeno aviso para Israel, sim, mas não é de jeito nenhum uma mudança na política”.
Os EUA enviaram dezenas de milhares de bombas, projéteis de artilharia e outras munições para Israel nos primeiros meses da guerra. A maioria dessas armas veio de vendas de equipamentos militares dos EUA previamente aprovadas, em grande parte pagas pelos bilhões de dólares em financiamento do governo americano para apoiar Israel. Washington organizou mais de 100 transferências individuais de armas para Israel.
No mês passado, o Congresso aprovou um projeto de lei separado para fornecer outros US$ 26 bilhões em assistência a Israel, o que inclui mais de US$ 5 bilhões para reabastecer as defesas aéreas de Israel. Biden sancionou o projeto de lei no fim de abril, juntamente com outras medidas de envio de armas para a Ucrânia e Taiwan.
(Colaboraram Carrie Keller-Lynn e Summer Said — Tradução de Lilian Carmona)
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Palestinos em Rafah, na Faixa de Gaza — Foto: Hatem Ali/AP
fonte: valor econômico

