Convencer a população brasileira da necessidade de um ajuste fiscal após a eleição de 2026 não será tarefa fácil, seja quem for o vencedor do pleito, considerando que o país vem de um crescimento econômico “razoável” nos últimos três anos, “turbinado com esteroide fiscal”. Essa é a avaliação de Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs.
“O que caracteriza o populismo é essa sensação de bem-estar de curto prazo, através de mecanismos insustentáveis intertemporalmente. A conta vem depois. O que preocupa é que, depois da eleição, venha quem vier, vai ter de vender um ajuste fiscal quando a população acha que não está tão ruim assim, o crescimento estava bom, havia pleno emprego, o salário estava crescendo. Acho que a população não vai comprar essa ideia de que é necessário um ajuste fiscal com alguma profundidade”, afirma.
É diferente do caso argentino, diz Ramos, no qual o presidente Javier Milei chegou à Presidência com propostas duras para um país que amargava contração econômica, inflação elevada e empobrecimento acelerado.
“Ele fez um ajuste fiscal de seis pontos percentuais do PIB em uma economia que também tinha bastante rigidez do gasto e que já estava sofrendo bastante. Mas era óbvio para a maioria da população que o modelo econômico do kirchnerismo tinha falido do ponto de vista econômico, social e político”, afirma.
Parte da melhora nos preços dos ativos brasileiros neste ano se deve à aposta de investidores locais de que haverá troca de governo a partir de 2027 e, assim, de política econômica.
Congresso também não é arauto da ortodoxia fiscal”
“Venha quem vier, é inevitável um ajuste, e não vai ser fácil. Se o presidente Lula for reeleito, a realidade dos fatos vai impor maior restrição fiscal, porque, senão, a coisa não acaba bem. Um candidato mais conservador, provavelmente, estará mais inclinado a lidar com esse ajuste. Mas a minha pergunta é: o Brasil está preparado?”, questiona Ramos, ponderando não estar tão convencido assim também de um cenário de vitória da atual oposição.
O ajuste fiscal necessário envolveria, segundo ele, tornar o gasto menos rígido, mudando leis que vinculam despesas com saúde e educação, a regra do aumento real do salário mínimo e outras medidas criadas pelo legislador. “Já sabemos o caminho das pedras, se houver vontade política para fazer”, afirma.
Um dos problemas, porém, é que “o Congresso também não é, necessariamente, o arauto da ortodoxia fiscal”, diz Ramos. “A grande luta entre Congresso e governo é apenas sobre a paternidade dos gastos. O equilíbrio político pode não ser um que garanta que essas reformas, algumas constitucionais, passem. Isso foi facilitado na Argentina pela crise. A gente não está nessa situação, felizmente, mas também significa que, se continuar postergando, pode-se chegar a um ponto de ruptura em que o ajuste vai ser muito mais doloroso, desestabilizador e empobrecedor para o Brasil”, afirma.
O problema fiscal brasileiro não é novo, mas se agravou no curto prazo e vai “diminuindo os graus de liberdade” para se manejar o tema, diz Ramos, citando como exemplo ter havido aumento de carga tributária sem melhora nos fundamentos fiscais.
“Um ajuste fiscal pelo aumento de carga tributária já é um ajuste de baixa qualidade, mas mesmo que fosse isso, como a sociedade aceitaria se passamos quatro anos subindo impostos? Gastamos munição sem liquidar o inimigo, porque subimos carga tributária para gastar mais, não para melhorar o resultado primário”, afirma.
Ajustadas pelo ciclo econômico, as contas fiscais do Brasil são piores do que os números observados indicam, diz Ramos. “Quando a atividade estava bombando, o governo dobrou a aposta e injetou ainda mais liquidez na economia, que sobreaqueceu. É sempre bom fazer o ajuste quando a economia está indo bem. Agora, a economia está desacelerando e você quer virar o impulso fiscal para negativo. Deveria ter segurado um pouco a onda bem mais cedo, aproveitado a expansão da economia, que traz receita, para gerar um bom resultado primário”, afirma.
A economia doméstica está dando sinais de desaceleração, segundo ele, porque “está batendo em restrições de capacidade”, já que, na sua avaliação, o crescimento de 3% ou mais do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil nos últimos anos está acima do potencial do país. Além disso, diz, tem a restrição monetária.
“Mas, se uma pessoa chegasse de outro planeta agora e visse a economia brasileira com juros nominais de 15% e juro real de 10%, ia pensar que o país está amargando uma baita recessão. E não está, está apenas desacelerando, porque há políticas de crédito, parafiscais. A potência da política monetária acabou afetada pelo ativismo fiscal”, afirma.
Deixar a atividade desacelerar é necessário para desinflacionar a economia e, mais tarde, o país ter inflação e juros mais baixos, diz Ramos. “Se não mexerem, essa é a trajetória, e é uma coisa que a gente não deve lutar contra, porque não há um colapso da economia”, afirma.
Ramos diz não esperar “um desastre fiscal em 2026”, mesmo sendo ano de eleição. “Mas a gente deveria ter superávit”, afirma. “Essa visão deste governo, que não é a minha, de que a economia só cresce por estímulo fiscal, com uma eleição se aproximando, significa que a desaceleração que vem aí ainda, provavelmente, não é profunda o suficiente para permitir a política monetária transitar para o neutro”, diz.
Ainda que haja alguma janela para o Banco Central do Brasil começar a cortar os juros em dezembro deste ano, eles ainda estarão restritivos ao fim de 2026, observa Ramos.
Ele reconhece alguma melhora no índice cheio de inflação no país, mas observa que a inflação de serviços “não está boa de jeito nenhum”. A apreciação do câmbio e as quedas nos preços de commodities e de alimentos têm ajudado, mas, diante desses fatores, a inflação deveria estar, por exemplo, em 2%, diz Ramos.
“Não temos isso. A meta é 3% e estamos há muitos anos com a inflação acima dela. As projeções do BC mostram que chegar a 3% não é nem sequer um horizonte relevante. É uma batalha complicada e que requer, de fato, uma orientação fiscal completamente diferente da que tem havido nos últimos quatro anos”, afirma. “A diferença entre o remédio e o veneno é a dosagem. A política monetária é o remédio para um problema, mas a dosagem pode ser tóxica, por causa do fiscal. A política fiscal precisa substituir esse esforço que, hoje, a política monetária está fazendo.”
Seja quem for o vencedor da eleição de 2026 à Presidência, maior desafio será convencer a sociedade da necessidade de corrigir contas públicas
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Convencer a população brasileira da necessidade de um ajuste fiscal após a eleição de 2026 não será tarefa fácil, seja quem for o vencedor do pleito, considerando que o país vem de um crescimento econômico “razoável” nos últimos três anos, “turbinado com esteroide fiscal”. Essa é a avaliação de Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs.
“O que caracteriza o populismo é essa sensação de bem-estar de curto prazo, através de mecanismos insustentáveis intertemporalmente. A conta vem depois. O que preocupa é que, depois da eleição, venha quem vier, vai ter de vender um ajuste fiscal quando a população acha que não está tão ruim assim, o crescimento estava bom, havia pleno emprego, o salário estava crescendo. Acho que a população não vai comprar essa ideia de que é necessário um ajuste fiscal com alguma profundidade”, afirma.
É diferente do caso argentino, diz Ramos, no qual o presidente Javier Milei chegou à Presidência com propostas duras para um país que amargava contração econômica, inflação elevada e empobrecimento acelerado.
“Ele fez um ajuste fiscal de seis pontos percentuais do PIB em uma economia que também tinha bastante rigidez do gasto e que já estava sofrendo bastante. Mas era óbvio para a maioria da população que o modelo econômico do kirchnerismo tinha falido do ponto de vista econômico, social e político”, afirma.
Parte da melhora nos preços dos ativos brasileiros neste ano se deve à aposta de investidores locais de que haverá troca de governo a partir de 2027 e, assim, de política econômica.
Congresso também não é arauto da ortodoxia fiscal”
“Venha quem vier, é inevitável um ajuste, e não vai ser fácil. Se o presidente Lula for reeleito, a realidade dos fatos vai impor maior restrição fiscal, porque, senão, a coisa não acaba bem. Um candidato mais conservador, provavelmente, estará mais inclinado a lidar com esse ajuste. Mas a minha pergunta é: o Brasil está preparado?”, questiona Ramos, ponderando não estar tão convencido assim também de um cenário de vitória da atual oposição.
O ajuste fiscal necessário envolveria, segundo ele, tornar o gasto menos rígido, mudando leis que vinculam despesas com saúde e educação, a regra do aumento real do salário mínimo e outras medidas criadas pelo legislador. “Já sabemos o caminho das pedras, se houver vontade política para fazer”, afirma.
Um dos problemas, porém, é que “o Congresso também não é, necessariamente, o arauto da ortodoxia fiscal”, diz Ramos. “A grande luta entre Congresso e governo é apenas sobre a paternidade dos gastos. O equilíbrio político pode não ser um que garanta que essas reformas, algumas constitucionais, passem. Isso foi facilitado na Argentina pela crise. A gente não está nessa situação, felizmente, mas também significa que, se continuar postergando, pode-se chegar a um ponto de ruptura em que o ajuste vai ser muito mais doloroso, desestabilizador e empobrecedor para o Brasil”, afirma.
O problema fiscal brasileiro não é novo, mas se agravou no curto prazo e vai “diminuindo os graus de liberdade” para se manejar o tema, diz Ramos, citando como exemplo ter havido aumento de carga tributária sem melhora nos fundamentos fiscais.
“Um ajuste fiscal pelo aumento de carga tributária já é um ajuste de baixa qualidade, mas mesmo que fosse isso, como a sociedade aceitaria se passamos quatro anos subindo impostos? Gastamos munição sem liquidar o inimigo, porque subimos carga tributária para gastar mais, não para melhorar o resultado primário”, afirma.
Ajustadas pelo ciclo econômico, as contas fiscais do Brasil são piores do que os números observados indicam, diz Ramos. “Quando a atividade estava bombando, o governo dobrou a aposta e injetou ainda mais liquidez na economia, que sobreaqueceu. É sempre bom fazer o ajuste quando a economia está indo bem. Agora, a economia está desacelerando e você quer virar o impulso fiscal para negativo. Deveria ter segurado um pouco a onda bem mais cedo, aproveitado a expansão da economia, que traz receita, para gerar um bom resultado primário”, afirma.
A economia doméstica está dando sinais de desaceleração, segundo ele, porque “está batendo em restrições de capacidade”, já que, na sua avaliação, o crescimento de 3% ou mais do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil nos últimos anos está acima do potencial do país. Além disso, diz, tem a restrição monetária.
“Mas, se uma pessoa chegasse de outro planeta agora e visse a economia brasileira com juros nominais de 15% e juro real de 10%, ia pensar que o país está amargando uma baita recessão. E não está, está apenas desacelerando, porque há políticas de crédito, parafiscais. A potência da política monetária acabou afetada pelo ativismo fiscal”, afirma.
Deixar a atividade desacelerar é necessário para desinflacionar a economia e, mais tarde, o país ter inflação e juros mais baixos, diz Ramos. “Se não mexerem, essa é a trajetória, e é uma coisa que a gente não deve lutar contra, porque não há um colapso da economia”, afirma.
Ramos diz não esperar “um desastre fiscal em 2026”, mesmo sendo ano de eleição. “Mas a gente deveria ter superávit”, afirma. “Essa visão deste governo, que não é a minha, de que a economia só cresce por estímulo fiscal, com uma eleição se aproximando, significa que a desaceleração que vem aí ainda, provavelmente, não é profunda o suficiente para permitir a política monetária transitar para o neutro”, diz.
Ainda que haja alguma janela para o Banco Central do Brasil começar a cortar os juros em dezembro deste ano, eles ainda estarão restritivos ao fim de 2026, observa Ramos.
Ele reconhece alguma melhora no índice cheio de inflação no país, mas observa que a inflação de serviços “não está boa de jeito nenhum”. A apreciação do câmbio e as quedas nos preços de commodities e de alimentos têm ajudado, mas, diante desses fatores, a inflação deveria estar, por exemplo, em 2%, diz Ramos.
“Não temos isso. A meta é 3% e estamos há muitos anos com a inflação acima dela. As projeções do BC mostram que chegar a 3% não é nem sequer um horizonte relevante. É uma batalha complicada e que requer, de fato, uma orientação fiscal completamente diferente da que tem havido nos últimos quatro anos”, afirma. “A diferença entre o remédio e o veneno é a dosagem. A política monetária é o remédio para um problema, mas a dosagem pode ser tóxica, por causa do fiscal. A política fiscal precisa substituir esse esforço que, hoje, a política monetária está fazendo.”
Fonte: Valor Econômico