O Estado de S. Paulo.5 Dec 2022
Após três meses de protestos contra o regime islâmico autoritário, o Irã aboliu a polícia da moralidade, responsável pelas leis que controlam o uso do vestuário, numa vitória das feministas do país. Mas não ficou claro ainda se as autoridades planejam relaxar a lei para o uso obrigatório do hijab, o véu islâmico.
Após três meses de protestos que representaram um dos maiores desafios em décadas ao regime islâmico do país, o Irã aboliu a polícia da moralidade. O anúncio do procuradorgeral, Mohammad Javad Montazeri, ocorre após as manifestações desencadeadas pela morte de uma jovem detida pela instituição por supostamente violar as leis islâmicas de vestuário no Irã ao não usar o véu corretamente. Era papel da polícia moral fiscalizar a aplicação dessa lei.
A decisão, noticiada pelos meios de comunicação estatais na noite de sábado, foi vista como uma grande vitória para as feministas que há anos buscam desmantelar a força e para o movimento de protesto iniciado pela morte da jovem Mahsa Amini, de 22 anos, em setembro. Acabar com a polícia moral seria a primeira grande concessão do governo aos manifestantes.
A vigilância às mulheres em espaços públicos sobre suas escolhas de roupas ocorre desde o início da Revolução Islâmica, que instalou o atual regime teocrático em 1979. Desde então, o país passou a exigir que as mulheres cobrissem a cabeça. Mas a polícia moral só se tornou uma força independente nos anos 90.
Como explica uma reportagem da Time, os esforços do Irã para impor o estrito código vestuário tornaram-se ainda mais organizados em meados dos anos 2000, depois que Mahmoud Ahmadinejad se tornou presidente. A unidade ganhou então o nome de Gasht-eershad, ou patrulhas de orientação, ficando conhecidas como polícia da moralidade.
“A polícia da moralidade foi abolida pelas mesmas autoridades que a instalaram”, disse o procurador-geral. Ele sugeriu que o Judiciário continuaria a impor restrições ao “comportamento social” e indicou que as autoridades estavam revisando
Presidente linha-dura Repressão por não se observar lei do vestuário ficou maior após a eleição de Ebrahim Raisi
os regulamentos para o uso do véu. No entanto, não ficou claro se as autoridades planejam relaxar a lei para o uso desse vestuário – hijab –, que continua em vigor.
MARCA.
O código de vestimenta para as mulheres tornou-se um pilar ideológico do regime, central para sua identidade. As restrições exigem que elas cubram seus corpos com roupas largas e seus cabelos com um lenço ou o hijab. Longas túnicas pretas e xadores, uma cobertura preta na cabeça até o peito, tornaram-se a norma.
Quando Amini morreu sob custódia após ser presa pela polícia moral em Teerã, os protestos nacionais que se seguiram se concentraram inicialmente nas leis islâmicas de vestuário.
Agora em seu terceiro mês, liderados por mulheres e jovens, passaram a exigir o fim do regime clerical e mais liberdade social, aproveitando anos de raiva reprimida. Nas manifestações, mulheres arrancavam seus hijabs, os queimavam nas ruas e cortavam seus cabelos em atos simbólicos de desafio ao regime.
Os protestos logo se ampliaram para abranger toda a gama de descontentamento com o governo do Irã. Manifestantes fartos da repressão política, censura, corrupção e má gestão econômica pediram o fim da República Islâmica e até a destituição do líder supremo, aiatolá Ali Khamenei.
FLEXIBILIDADE.
Nos últimos anos, as iranianas ficaram mais ousadas dentro das restrições da lei do vestuário, adotando túnicas coloridas e mal cobrindo os cabelos com faixas soltas. Embora a polícia da moralidade ainda vagasse pelas ruas, a fiscalização parecia irregular.
Ativistas dos direitos das mulheres abriram caminho para maior flexibilidade em torno do hijab. Mas depois da eleição de um novo presidente linhadura, Ebrahim Raisi, no ano passado, o governo aumentou a repressão.
Antes dos protestos, em meados de setembro, vídeos da polícia moral arrastando mulheres para vans com destino a centros de reeducação provocaram nova indignação. Em setembro, os EUA impuseram sanções à polícia moral.
As forças de segurança responderam aos protestos com dura repressão. Grupos de direitos humanos dizem que pelo menos 300 pessoas foram mortas, incluindo 50 menores. O governo diz que pelo menos 30 membros das forças de segurança morreram. •
Fonte: O Estado de S.Paulo
