Por Nikou Asgari, Financial Times — Londres
23/08/2022 17h40 Atualizado há 15 horas
Os bônus do governo alemão registram suas maiores oscilações desde a crise da dívida da zona do euro, ocorrida há dez anos. Isso se deve à saída de cena do Banco Central Europeu (BCE), que tirou do mercado um de seus compradores mais importantes.
A deterioração das condições de negociação levou a uma forte elevação da volatilidade em um mercado que serve de parâmetro dos custos de tomada de empréstimos em toda a região.
O rendimento do Bund de 10 anos da Alemanha teve variação de pelo menos 0,1 ponto percentual em 79 dias em 2022, segundo cálculos do “Financial Times” baseados em dados da Refinitiv. O retorno do Bund nunca oscilou dentro de uma faixa de variação tão ampla e com tamanha regularidade desde 2011, e fez isso apenas em um único dia do ano passado.
A liquidez dos mercados de bônus da região – a capacidade de negociar os títulos com facilidade – foi atravancada por temores em torno da possível proximidade de uma recessão, com muitos investidores assumindo perspectiva baixista, ou de mercado vendedor, com relação ao futuro, num momento em que o BCE aumenta as taxas de juros a fim de reduzir a inflação galopante.
“As condições do mercado estão prejudicadas nos mercados de bônus”, disse Antoine Bouvet, estrategista-sênior de taxas de juros do banco holandês ING. “Todos têm a mesma opinião, por isso ninguém está disposto a ir para o outro lado.”
As autoridades encarregadas de fixar as taxas de juros do BCE têm sinalizado que mais um aumento de 0,5 ponto percentual tende a ser aprovado na reunião de 8 de setembro, após variação de mesma magnitude adotada no mês passado. “Mesmo que entremos em recessão, é muito pouco provável que as pressões inflacionárias cedam por si sós”, disse na semana passada Isabel Schnabel, membro do conselho executivo do BCE.
O presidente do banco central alemão, Joachim Nabel, alertou no fim de semana que a inflação da Alemanha, a maior economia europeia, tende a ultrapassar a marca de 10% pela primeira vez em 70 anos. “Com as elevadas taxas de inflação, terão de se seguir novas elevações da taxa de juros”, disse ele.
Ao mesmo tempo, os investidores não podem mais contar com o BCE como um comprador de último recurso de bônus garantido, após o banco ter retirado uma rede de segurança decisiva, neste ano, com a suspensão de seu programa de compras de ativos de 1,7 trilhão de euros da era da pandemia e de seu programa de compra de bônus principal de 3,3 trilhões de euros.
Os bônus italianos também sofreram flutuações significativas nos últimos meses. O “spread” (diferença) entre os rendimentos dos bônus de 10 anos alemão e italiano — visto como principal indicador de risco — estava próximo de 2,3 pontos percentuais na segunda-feira, seu nível mais elevado em quase um mês, o que chama a atenção para a ansiedade que cerca o resultado das eleições da Itália, marcadas para o mês que vem, e as expectativas de novas elevações da taxa de juros pelo BCE.
As taxas elevadas e as perspectivas de uma prolongada desaceleração da economia global fizeram com que os gestores de fundos reavaliassem suas carteiras, ocasião em que muitos tiraram dinheiro dos mercados de bônus, onde o valor está sendo corroído por pressões inflacionárias. Alguns estão, em vez disso, com dinheiro parado, no aguardo de divulgações de dados para se orientar sobre a trajetória das economias europeia e americana. O rendimento do Bund de dez anos da Alemanha, por exemplo, disparou para 1,3, a partir dos -0,18% registrados no fim de 2021.
O nível de atividade do mercado normalmente arrefece durante os meses de verão (de junho a setembro no hemisfério Norte). Mas, segundo Bouvet, mesmo antes de ingressar na calmaria sazonal de agosto, “a liquidez do mercado de bônus estava se agravando devido à incerteza macro[econômica] e à grande redução do apetite por risco”.
O baixo nível de liquidez alimentou o aumento da volatilidade, com os preços dos bônus passando a oscilar diante de fatos novos e notícias ostensivamente pouco relevantes. “[Há] grandes variações de preços diante de pouca coisa e tem-se também uma certa descontinuidade”, disse Lyn Graham-Taylor, estrategista-sênior de taxas de juros do Rabobank.
Snigdha Singh, codiretora de renda fixa europeia, transações de moedas e commodities do Bank of America, observou que há agora menos operações novas com bônus soberanos e de empresas em todo o continente. “Os emissores terão de enfrentar períodos voláteis” se quiserem vir a mercado, disse ela, acrescentando que “certamente é concebível que possamos ver alguns negócios serem adiados”.
Mazelas no campo da liquidez nos mercados de dívida mobiliária não se limitaram neste ano à zona do euro. Os participantes do mercado de títulos do Tesouro dos EUA, que movimenta US$ 23 trilhões, também enfrentaram dificuldades significativas. William Marshall, do banco de investimentos Goldman Sachs de Wall Street, por exemplo, observou que “a liquidez do mercado [dos EUA] tem sido assunto destacado no que diz respeito a taxas [dos bônus do governo] neste ano”.
Craig Inches, diretor de taxas e de caixa da Royal London Asset Management, disse que as condições do mercado mundial de bônus levaram à elevação dos “spreads” entre oferta de compra e oferta de venda, que representa a diferença entre o preço da venda imediata de um ativo e seu preço de aquisição. Os spreads entre oferta de compra e oferta de venda tendem a aumentar durante os períodos de volatilidade dos mercados, e um diferencial maior normalmente aponta para a deterioração da liquidez.
“Os spreads entre ofertas de compra e de venda ficaram realmente bem grandes, principalmente quando os mercados estão variando bem rapidamente”, disse Inches. “Pode haver um elemento em que veremos um preço e preferiríamos não pagar esse preço para fazer aquela transação”.
Por enquanto, os BCs encerraram o programa de compra de bônus, ou afrouxamento quantitativo, mas ainda não começaram a vender o que têm em carteira. Os investidores estão divididos em torno do provável impacto do “aperto quantitativo”, quando essa medida ocorrer, e esperam com a respiração suspensa a venda de bônus do Reino Unido pelo Banco da Inglaterra (o BC britânico) no mercado, no mês que vem, na perspectiva de encolher seu balanço.
“Quando se tem um grande participante empurrando o mercado para determinada direção, isso é um problema”, disse Bouvet. “Isso põe medo em qualquer investidor… Quem é que irá para o outro lado, e a que preço?”
Fonte: Valor Econômico

