Por Gunjan Banerji — Dow Jones Newswires
03/01/2023 05h02 Atualizado há 5 horas
As bolsas de valores viraram de ponta-cabeça no ano passado, quando o Federal Reserve abandonou suas políticas expansionistas. Muitos investidores dizem que as ramificações apenas começam a se espalhar pelos mercados.
O banco central americano elevou as taxas de juros para os maiores níveis desde 2007, o que estimulou oscilações gigantescas em todos os mercados globais e um acirrado movimento de venda em massa de ativos, a partir de ações e bônus até as criptomoedas. O tumulto que fez mais de US$ 12 trilhões do mercado de capitais dos EUA virarem pó – a maior baixa do gênero desde pelo menos 2011 – deverá prosseguir, segundo previsões, com a manutenção das altas das taxas de juros.
Analistas de alguns dos maiores bancos americanos preveem que as bolsas voltarão a pôr à prova suas baixas recordes de 2022 no primeiro semestre deste novo ano, antes de começar a se recuperar. Os do Goldman Sachs preveem que o índice S&P 500 encerrará 2023 em 4 mil pontos, o que representa uma valorização de 4% em relação ao resultado final de 2022.
Os investidores passaram a buscar pechinchas no mercado e se concentraram em fundos conservadores
A volatilidade tem sido especialmente punitiva para os gigantes do mercado. Cinco grandes ações do setor de tecnologia responderam por cerca de 25% do total das quedas da bolsa americana no ano passado, uma venda em massa contundente que lembra o estouro das pontocom de duas décadas atrás.
O S&P 500 concluiu o ano com queda de 19%, após a evaporação das condições que tinham aberto caminho para anos de uma alta quase ininterrupta das bolsas e para um aumento de algumas das apostas mais especulativas.
As criptomoedas despencaram, IPOs (ofertas públicas iniciais, nas iniciais em inglês) vistosos praticamente deixaram de ocorrer e as empresas de “cheque em branco” implodiram no encerramento do ano, em uma reversão assombrosa da loucura que varreu os mercados financeiros nos dois anos anteriores.
“Estamos em um mundo em que as taxas de juros voltaram a existir”, afirmou Ben Inker, codiretor de alocação de ativos da gestora de empréstimos de curtíssimo prazo GMO, que administra US$ 55 bilhões em ativos.
Uma das maiores reviravoltas ocorreram debaixo da superfície do mercado. Os investidores abandonaram as ofuscantes ações de tecnologia e de alto potencial de crescimento que tinham impelido esses ganhos da bolsa nos últimos dez anos.
E as ações subcotadas – tradicionalmente definidas como as que são negociadas a um múltiplo baixo de seu valor contábil, ou patrimônio líquido – tiveram um renascimento após anos de retornos medíocres. O índice Russell 3000 Value superou em desempenho o índice Russell 3000 Growth em quase 20 pontos percentuais, maior margem já registrada na série do Dow Jones Market Data desde 2001.
Agora, Inker e outros investidores – em busca de oportunidades após um ano péssimo tanto para as ações quanto para o segmento de bônus – dizem que este é apenas o começo de um grande movimento de rotação dos mercados de capitais.
Os gestores de ativos de curtíssimo prazo dizem estar se preparando para um ambiente muito pouco parecido com aquele com o qual muitos se acostumaram após a última crise financeira. A era de rendimentos ultrabaixos dos bônus, da inflação leve e da política monetária acomodatícia do Fed acabou, dizem eles, o que tende a recalibrar os ganhadores e perdedores do mercado pelo próximo período de vários anos.
“Uma série de investidores tentava justificar os níveis de avaliação meteóricos”, disse John Linehan, gestor de carteira da t. Rowe Price. Agora “a liderança será mais diversificada daqui para a frente”.
O Fed deverá manter a alta das taxas de juros, e deu indícios de que pretende mantê-los elevados até o fim de 2023. Muitos economistas preveem uma recessão pela frente, enquanto Wall Street continua fixada na interrogação sobre se a inflação vai ceder ou não após subestimar reiteradamente seu poder de permanência.
Linehan disse prever que o ciclo das ações subcotadas deverá continuar e vê oportunidades em ações de empresas financeiras, graças à alta das taxas de juros. Outros dizem que o ciclo excelente das ações de energia ainda não acabou. As ações do setor de energia do S&P 500 subiram 59% no ano passado, em seu melhor período da história.
Alguns investidores se posicionam para a continuidade da alta dos rendimentos dos bônus, que potencialmente desfechará um golpe ainda maior sobre as ações de tecnologia. Esses papéis são especialmente vulneráveis à alta das taxas de juros porque em muitos casos espera-se que obtenham lucros fora do comum por anos, uma vulnerabilidade em um mundo que agora valoriza retornos seguros.
O rendimento sobre o bônus do Tesouro americano de dez anos encerrou 2022 em 3,826%, o maior aumento em um só ano dos retornos desde pelo menos 1977, enquanto os preços dos bônus despencaram. Desde bônus corporativos de risco até papéis municipais mais seguros, os rendimentos subiram para alguns de seus níveis mais elevados dos últimos dez anos, proporcionando aos investidores mais opções para colocar seu dinheiro.
“Acho que esta próxima década não será encabeçada pela tecnologia”, disse Mark Luschini, estrategista-chefe de investimentos da Janney Montgomery Scott. “Esta noção massificada, de que basta você comprar um amplo índice de tecnologia ou o Nasdaq-100 mudou”, afirmou.
O índice Nasdaq-100, concentrado em tecnologia, teve perdas de 33% em 2022, e ficou abaixo em desempenho ao índice S&P 500 mais amplo pela maior margem desde 2002.
Os investidores sacaram cerca de US$ 18 bilhões dos fundos mútuos e negociados em bolsa atrelados às ações de tecnologia até o fim de novembro, o que situa os resgates em condições de serem os maiores anuais já registrados nos dados na série da Morningstar Direct que remonta a 1993. Fundos lastreados em ações com alto potencial de crescimento registraram US$ 94 bilhões em retiradas, o maior valor desde 2016.
Por outro lado, os investidores passaram a buscar pechinchas no mercado de capitais, e se concentraram em fundos de perfil conservador. Esses fundos registraram mais de US$ 30 bilhões em ingressos, atraindo dinheiro pelo segundo ano seguido.
“Lucratividade e fluxo de caixa livre serão muito importantes” neste ano, disse Tiffany Wade, gerente-sênior de carteira da Columbia Threadneedle Investments. Wade disse prever que o Fed será mais agressivo do que o previsto atualmente por muitos investidores, o que levará a mais um ano instável. Se o Fed fizer uma pausa em seu movimento de promover altas das taxas de juros durante este ano, o gestor diz achar que as ações de alto potencial de crescimento poderão assistir a uma retomada.
Outros investidores estão atentos às lições deixadas pelos anos que se seguiram ao estouro da bolha de tecnologia, em que as ações subcotadas tiveram desempenho maior que suas congêneres de alto potencial de crescimento.
Mesmo após as contundentes quedas do ano passado, o setor de tecnologia está sendo negociado a um grande ágio em relação ao S&P 500. As ações dos setores de energia, financeiro, insumos e telecomunicações ainda parecem baratas se comparadas com um referencial mais amplo, segundo dados do Bespoke Investment Group que remontam a 2010.
Some-se a isso o fato de que as grandes empresas de tecnologia se defrontam com uma competição mais acirrada e uma regulamentação potencialmente mais rígida, um quadro que poderá decepcionar os investidores que acalentaram expectativas grandiosas para esse grupo.
Seu ciclo de impressionante crescimento das vendas vai negar fogo também, disseram analistas do Goldman Sachs, em nota recente. Estima-se que o crescimento das vendas agregadas das ações de tecnologia de megavalor de mercado tenha aumentado 8% em 2022, menos que a expansão de 13% registrada pelo índice como um todo. “Simplesmente acho que as vencedoras do regime anterior não serão as ganhadoras de amanhã”, disse Eddie Perking, diretor-chefe de investimentos da Eaton Vance Equity. “Elas ainda estão caras demais.”
Fonte: Valor Econômico

